Escreve o Jornal de Notícias que José Sócrates endereçou ontem uma carta ao partido explicando a sua decisão e entregando o cartão de militante. O antigo primeiro-ministro José Sócrates pediu a desfiliação na sequência das críticas por parte de ilustres do partido.
O principal arguido da Operação Marquês considera-se, num artigo de opinião escrito no Jornal de Notícias, alvo de "uma espécie de condenação sem julgamento". Sócrates diz ainda que tal “ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e político”. Assim, escreve, "é chegado o momento de pôr fim a este embaraço mútuo".
Em causa estão declarações recentes de líderes socialistas, pressionados pela oposição e pela imprensa para se manifestarem sobre os casos polémicos de Manuel Pinho e José Sócrates, a braços com a Justiça.
O presidente do PS e líder parlamentar socialista, Carlos César, tinha afirmado esta quarta-feira em declarações à rádio TSF que o partido se sente “envergonhado” com as suspeitas que recaem sobre Manuel Pinho, antigo ministro da Economia do Governo de José Sócrates, salientando que a “vergonha é ainda maior” no que diz respeito ao processo de Sócrates por se tratar de um antigo primeiro-ministro.
Ontem, o líder parlamentar socialista reiterou no parlamento que os “comportamentos irregulares, danosos ou criminais comprovados” constituem “motivo de revolta” no PS e questionou se o PSD também se sentiu revoltado com situações similares no passado. Em declarações aos jornalistas no final da reunião da bancada parlamentar socialista, Carlos César recusou que “só agora” o PS tenha demonstrado “vergonha ou revolta” por “comportamentos irregulares” que envolveram antigos ministros, como Manuel Pinho, ou o ex-primeiro-ministro José Sócrates. “Todas as situações que envolvam comportamentos irregulares, danosos, comportamentos criminais comprovados, sempre que se confirmem, constituem para nós um motivo de revolta”, disse.
O porta-voz do PS, João Galamba, no programa “Frente a frente” da SIC Notícias, assumiu que o caso Sócrates “obviamente que é algo que envergonha qualquer socialista, sobretudo se as matérias de que é acusado se vierem a confirmar”.
No Canadá, o primeiro-ministro António Costa afirmou que em Portugal ninguém está acima da lei e que, "a confirmarem-se" as suspeitas de corrupção nas políticas de energia por membros do Governo de José Sócrates, será "uma desonra para a democracia". "Se essas ilegalidades se vierem a confirmar, serão certamente uma desonra para a nossa democracia. Mas se não se vierem a confirmar é a demonstração que o nosso sistema de justiça funciona", respondeu quando questionado sobre os casos judiciais que envolvem antigo ministro Manuel Pinho e o antigo chefe de Governo socialista José Sócrates.
“Sou agora forçado a ouvir o que não posso deixar de interpretar como uma espécie de condenação sem julgamento. Desde sempre, como seu líder, e agora nos momentos mais difíceis, encontrei nos militantes do PS um apoio e companheirismo que não esquecerei. Mas a injustiça que agora a direção do PS comete comigo, juntando-se à direita política na tentativa de criminalizar uma governação, ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e político”, sublinhou Sócrates no artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias. José Sócrates salienta ainda que “durante quatro anos” não ouviu “por parte da direção do PS uma palavra de condenação sobre os abusos” de que se diz alvo.
A Operação Marquês tem 28 arguidos, entre os quais o ex-primeiro-ministro, acusados de vários crimes económico-financeiros, nomeadamente corrupção e branqueamento de capitais. José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante 10 meses e depois em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada. A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecer o ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos (GES) e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.
No artigo de opinião, Sócrates critica ainda a justiça e nega que o nome de Manuel Pinho para fazer parte do seu Governo tenha sido sugerido pelo antigo presidente do Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado.
O caso que envolve o ex-ministro da Economia foi noticiado, em 19 de abril, pelo jornal ‘on-line’ Observador, segundo o qual há suspeitas de Manuel Pinho ter recebido, entre 2006 e 2012, cerca de um milhão de euros.
Os pagamentos, de acordo com o jornal, terão sido realizados a "uma nova sociedade 'offshore' descoberta a Manuel Pinho, chamada Tartaruga Foundation, com sede no Panamá, por parte da Espírito Santo (ES) Enterprises — também ela uma empresa 'offshore' sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas e que costuma ser designada como o ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo.
O antigo primeiro-ministro reafirma hoje que o Ministério Público deve “provar o que diz”. “Não, não pactuo com a operação em curso de inverter o ónus da prova como, de forma geral, os jornalistas e os ativistas disfarçados de comentadores têm feito: o primeiro dever de um Estado decente é provar as gravíssimas alegações que faça seja contra quem for, ainda que estas tenham sido, como habitualmente feitas pela comunicação social”, disse.
No entender de José Sócrates “não é o próprio que tem de se defender ou de provar que é honesto ou inocente; é quem acusa que tem o dever de provar o que diz”. “Estranhos tempos estes em que lembrar o princípio estrutural do Direito moderno, a presunção de inocência, se confunde com a defesa seja de quem for”.
José Sócrates esclarece que a escolha que fez de “Manuel Pinho como porta-voz do PS para a área da economia, e mais tarde para o Governo, aconteceu naturalmente na decorrência da colaboração que este há muito prestava na condição de independente, ao PS, como conselheiro económico, do então líder Ferro Rodrigues”.
“Foi aí, nessa condição de membro do chamado grupo económico da Lapa (por reunir regularmente no Hotel da Lapa), que o conheci e que desenvolvemos um trabalho comum que viria a culminar no convite que lhe fiz”, explicou.
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