A fábrica de reciclagem de vidro faz parte do projeto denominado ‘Raiz Azul’, financiado pela The Darwin Initiative, do Reino Unido, e foi instalada em Rincão, aldeia piscatória situada no litoral oeste do concelho de Santa Catarina de Santiago.

O objetivo é reduzir o impacto do lixo em outras três comunidades piscatórias da ilha de Santiago, nomeadamente Porto Mosquito, Gouveia e São Francisco, explicou à Lusa Roberta Baduvini, da Associação Cabo-verdiana de Ecoturismo (ECOCV), que desenvolve o projeto em colaboração com a Universidade de Cabo Verde e outros parceiros.

Segundo a responsável pela área social e de turismo da ECOC, o projeto começou desde o ano passado, com o conhecimento e explicações à comunidade e com o estudo do lixo nessas quatro localidades costeiras, para ver qual era a maioria dos resíduos presentes.

“E em Rincão constatámos que o vidro estava em maior percentagem. Por isso, resolvemos instalar esta máquina para trituração de vidro”, afirmou a também coordenadora substituta do projeto Raiz Azul, indicando que a fábrica foi montada em junho último.

Mas antes uma equipa de seis jovens da localidade, três homens e três mulheres, recebeu formação e foram instalados contentores em vários pontos para recolha de todo o tipo de vidro em Rincão, localidade com pouco mais de 1.000 habitantes e que vive essencialmente da pesca e agricultura.

Roberta Baduvini, de nacionalidade italiana e residente em Cabo Verde há dois anos, disse que as pessoas já estão a responder bem, apesar de ainda não entenderam completamente a ideia, mas garantiu que aos poucos isso vai acontecer.

“É difícil explicar a todos qual o impacto e a visão, mas o facto de ter a máquina ativa, funcional, já serve como exemplo. Senão fica difícil a pessoa entender porque não pode colocar o lixo na ribeira, porque fazer esforço de recolher vidro para aqui, se não veem um efeito prático fica difícil. Com a máquina instalada aqui, já há um efeito prático, que é a produção de areia, ou seja, o vidro foi transformado em outra coisa diferente”, afirmou.

Segundo informações disponíveis na fábrica, 25 garrafas de cerveja, por exemplo, dão para produzir 5 quilos de areia, e neste momento os jovens produzem areia fina e grossa, na fábrica instalada na sede da Associação dos Pescadores de Rincão.

A areia produzida ainda está em fase de testes e análises em empresas de construção civil locais, antes de ser utilizada. “Se o resultado for positivo, a produção poderá aumentar, dependendo dos pedidos”, garantiu a responsável, nesta que é a primeira experiência no país a nível comunitário.

“Em Cabo Verde há muita garrafa de vidro. Matéria-prima não vai ser um problema”, prosseguiu a representante da ECOCV, esperando no futuro levar a ideia a mais comunidades.

“Espero que o nosso exemplo seja o início de algo maior, também para reduzir um pouco o impacto da apanha de areia, que é outro grande problema. Espero que seja um exemplo para iniciar um movimento novo”, perspetivou Baduvini, que é também educadora social.

A representante a ECOCV, organização criada há cinco anos e com trabalho sobretudo na aérea ambiental, social, comunitária e de ecoturismo, disse que o projeto envolve praticamente toda a comunidade de Rincão, desde famílias, pescadores, os jovens e o comércio.

“O objetivo é criar uma consciência diferente no que diz respeito ao uso de recursos naturais, para promover uma vida mais saudável e sustentável na comunidade”, referiu.

Depois de várias formações, dois dos voluntários e trabalhadores do Ecocentro são Érica Fidalgo, 22 anos, e Wilson Dias, 26 anos, que nasceram e cresceram em Rincão e sempre fizeram e viram outras pessoas deitar o lixo em qualquer sítio, testemunhando que os próprios já sofreram ferimentos nos vidros, alguns que continuam espalhados pela praia e pelas ruas locais.

Wilson Dias estudou até ao 7.º ano, trabalha na pesca, na agricultura e na criação de gado, e disse à Lusa que agora tem uma visão diferente em relação ao lixo e ao vidro, e é dos primeiros a fazer a recolha de todo o tipo de garrafas para levar para a fábrica.

“Há muita convivência aqui, somos humildes com os visitantes, também somos boas pessoas. Há algumas discotecas, bares, restaurantes, quiosques, por isso consome-se muitas garrafas”, disse Wilson Dias, para explicar a grande quantidade encontrada.

Terminado o 12.º ano, Érica Fidalgo está à espera de resposta para prosseguir os estudos em Portugal, e não hesita em garantir que a área ambiental poderá ser uma das suas opções.

“Já tive um pequeno conhecimento aqui, talvez eu possa desenvolvê-lo ainda mais e contribuirei para a minha zona, trazendo mais conhecimento para compartilhar aqui”, perspetivou a jovem estudante, para quem as pessoas estão mais conscientes.

Em cerca de três meses de experiência, Érica disse que já foram recolhidos cerca de 500 quilos de garrafas de vidro, que triturados deu para produzir a mesma quantidade de areia, que poderá servir para produzir blocos, pavês, entre outros materiais de construção civil.