"Levantemos a mão: Hoje, 23 de janeiro, na minha condição de presidente da Assembleia Nacional e perante Deus todo-poderoso e a Constituição, juro assumir as competências do executivo nacional, como Presidente Encarregado da Venezuela, para conseguir o fim da usurpação [da Presidência da República], um Governo de transição e eleições livres", assinalou o líder do Parlamento venezuelano, de maioria opositora, diante de milhares de pessoas em Caracas.
Foi um rumo sem retorno para aquele que a 5 de janeiro se tornou o presidente mais jovem da Assembleia Nacional, o órgão parlamentar da Venezuela, cujos poderes foram esvaziados pelo Supremo Tribunal.
Por um lado, o presidente americano, Donald Trump, reconheceu-o de imediato como "presidente interino" do país com a maior reserva petrolífera do planeta. Em sentido contrário, a Maduro, o homem que pretende derrubar, definiu-o como "um menino a brincar com a política".
Juan Guaidó, engenheiro mecânico de 35 anos, casado e pai de um bebé, iniciou-se na política com a geração de universitários que se opôs a Chávez com maciças manifestações em 2007. O movimento derivou na única derrota eleitoral do falecido líder socialista, num referendo para reformar a Constituição.
Em 2009 foi membro fundador do partido Voluntad Popular em conjunto com Leopoldo López. Foi por este partido pelo qual foi eleito deputado suplente em 2010, tornando-se mais tarde legislador titular pelo estado de Vargas em 2015.
Apesar de se ter dedicado a uma vida dada à retórica, Guaidó nunca foi um homem de grandes discursos e a sua vida política não prometia rasgo. Contudo, por López se encontrar em prisão domiciliária pelos protestos contra Maduro em 2014 e Freddy Guevara - chamado a substituir o líder mais velho - se ter refugiado na embaixada do Chile, acusado pelas violentas manifestações de 2017, Guiadó acabou por tornar-se o chefe do seu partido. Daí, passou à liderança de uma oposição dividida, com os seus principais dirigentes presos, exilados ou inabilitados.
Assentou o seu caminho com denúncias de corrupção na estatal petrolífera Pdvsa, enquanto a produção de petróleo colapsava e a crise agravava-se, com a hiperinflação e cada vez mais aguda escassez de alimentos básicos e medicamentos.
Ao assumir a presidência do Parlamento, Guaidó soube que a oposição a Maduro seria sempre um rumo perigoso, mas nada que o demovesse. Afinal de contas, saberia sempre que já passou por pior. O venezuelano foi um dos sobreviventes da tragédia de Vargas, quando gigantescos deslizamentos mataram milhares de pessoas nesse estado em 1999. Chávez, que governou até a sua morte em 2013, estava na Presidência há somente 10 meses.
À época, Guaidó vivia com a sua mãe e os seus cinco irmãos mais novos no estado costeiro. "Sei o que é passar fome", afirma, mas diz ser "um sobrevivente, não uma vítima".
Sob a sua direção, o Congresso aprovou uma "amnistia" a militares que não reconheçam Maduro, a quem chama de "ditador" e cuja reeleição diz ser uma fraude. Contudo, todas as decisões do poder legislativo, por si liderado, são consideradas nulas pela Justiça, alinhada com o governo de Maduro.
Com o ato desta quarta-feira - a autoproclamação enquanto presidente interino da Venezuela - comprometeu-se a liderar um governo de transição que convoque eleições, sendo que em todas as suas mensagens convida os militares a romper com Maduro. Esse é o maior obstáculo que o líder da oposição sabe que tem de ultrapassar, já que está a lidar com um governo que controla as Forças Armadas, mas com o passar dos dias tem sido visto mais seguro - sorri em comícios e fala com mais eloquência -, enquanto recebe o apoio internacional.
"Guaidó é uma cara nova, considerado um homem de consenso pelos moderados e respeitado também pelos radicais", indicou à AFP o analista Diego Moya-Ocampos.
"Uma das suas principais virtudes é que entende as diferentes posturas e faz o que está ao seu alcance para que sejam uma só", comentou com a AFP Juan Andrés Mejía, deputado de 32 anos do Voluntad Popular.
A Venezuela encontra-se agora num tabuleiro geoestratégico, com países como os EUA, Canadá, Argentina e Brasil a apoiar Guaidó, enquanto o México, a Bolívia e, implicitamente, a Rússia, apoiam o governo de Maduro.
É um "jogo complicado", assinala Mejía. A Venezuela, acrescenta, "é um país acostumado com o personalismo e o caudilhismo, e estão a colocar uma carga pesada sobre Juan. A mudança não depende só dele, depende de todos".
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