Salomão, que falava à agência Lusa à margem do VI Fórum Jurídico de Lisboa, considerou que esse é um cenário que pode acontecer , face à proximidade das eleições e à eventual morosidade processual dos também eventuais recursos que possam ser apresentados pelos advogados do ex-Presidente brasileiro.
A morosidade do direito eleitoral brasileiro poderá habilitar a candidatura do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva nas presidenciais, explicou o juiz conselheiro brasileiro, considerando que esta questão é independente do pedido de 'habeas corpus' cuja decisão será conhecida quarta-feira no Brasil.
“O ‘habeas corpus’ é uma questão objetiva. (…) É saber se, depois da condenação em segunda instância, se a partir daí há uma presunção e um cumprimento imediato da pena. Essa não é uma questão tipicamente de direito penal. É uma questão de direito processual. A partir de que momento deve ser iniciado o cumprimento da pena”, afirmou.
Segundo Salomão, desde a década de 1940 até 2016, a jurisprudência no Brasil “era muito tranquila”, indo no sentido de se aguardar até ao último recurso para se iniciar o cumprimento da pena.
“Claro que, se houvesse elementos para uma prisão preventiva, aí sim, decretava-se a prisão antes, mas não como cumprimento antecipado da pena. Deveria aguardar-se até ao último recurso”, prosseguiu. o magistrado, que foi nomeado para o Supremo Tribunal de Justiça brasileiro por Lula da Silva.
“O que ocorreu há dois anos, foi uma guinada nessa jurisprudência. O Supremo, entendendo que alguns casos se protelavam por muito tempo, modificou esse entendimento e passou a entender que, depois do julgamento colegiado em segunda instância, permitiria o cumprimento antecipado da pena”, acrescentou.
“Essa decisão do Supremo foi muito dividida e alguns passaram a seguir isso e outro não. E, neste exato momento, o que se vai discutir, além do nome que está na capa do processo, é se a jurisprudência que prevalece é a anterior ou a atual”, salientou, indicando ser este o aspeto penal do processo.
O juiz conselheiro brasileiro explicou, depois, que uma eventual candidatura de Lula terá de passar pelo crivo do Direito Eleitoral.
“E há o aspeto eleitoral, que no Brasil é bem separado" das questões penais. "Para o aspeto eleitoral, há uma lei, chamada ‘Lei da Ficha Suja’ – curiosidade: foi até o próprio presidente Lula quem a sancionou -, e essa lei, depois de uma condenação em segunda instância, impede o registo, mas não impede que se peça o registo. Pode-se pedir o registo e ele então será analisado com base nessa lei, que é muito objetiva, porque é impeditiva do registo e o juiz eleitoral tem pouca margem da interpretação da lei”, continuou.
“Mas aí cabem os recursos no âmbito da justiça eleitoral e aí pode ser que, pela demora dos recursos, permaneça ou não a candidatura. Tudo aí é ainda muito impreciso. Em Direito, não há ainda nenhuma resposta objetiva”, concluiu Salomão, deixando assim aberta a possibilidade de Lula se apresentar como candidato.
Instado a comentar a atual crise política e de valores no Brasil, o juiz conselheiro admitiu que o país vive um ambiente “muito tumultuado”.
“A nossa história da República, e sobretudo depois da Constituição de 1988, que agora é a mais longeva do nosso país, vem apresentando instrumentos e perspetivas que permitem a solução desses problemas”, sublinhou, admitindo, porém, que há, em outubro, com as presidenciais, uma possibilidade de alterar o panorama.
“Temos aí já a eleição presidencial, que se avizinha e é possível antever uma solução para essa turbulência política com a escolha de uma nova liderança que, tenho a certeza, vai conduzir o país a bom termo”, finalizou.
Onze juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil julgam na quarta-feira o 'habeas corpus' preventivo solicitado pela defesa de Luiz Inácio Lula da Silva para evitar a sua prisão após condenação pela segunda instância num caso que envolve um apartamento de luxo na cidade do Guarujá.
O ex-Presidente brasileiro, condenado em duas instâncias, pode ser preso se a maioria dos juízes do STF decidir contra o pedido da defesa.
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