Para Manuel Soares, juiz desembargador e presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), o importante agora é “perceber o porquê” por trás das conclusões do estudo feito a pedido da associação com o objetivo de perceber se a polémica sentença do juiz Neto de Moura, que usou linguagem considerada discriminatória num processo de violência doméstica, era representativa do que se passava nos tribunais, e lesiva da imagem dos juízes e da justiça, ou se era um caso isolado.
O estudo, liderado pelos professores Jorge Quintas e Pedro Sousa, da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, parece ilibar os juízes no que diz respeito à presença de linguagem discriminatória – que não foi encontrada - nas centenas de sentenças analisadas e selecionadas aleatoriamente, entre decisões em primeira instância e recursos para os tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça.
Mas as conclusões, das quais se destaca um maior número de condenações quando os processos são julgados por mulheres, merecem do ponto de vista da ASJP continuidade no estudo, para perceber as causas das diferenças de género encontradas nas decisões em crimes de violência doméstica, mesmo que a abordagem inicial, agora publicada em livro, já tenha merecido resistência por parte de alguns juízes, receosos do retrato que o estudo estatístico poderia traçar da classe, referiu Manuel Soares.
Das 212 sentenças analisadas relativas a violência doméstica, 100 dizem respeito a decisões em primeira instância, onde as juízas são predominantes face aos colegas do sexo masculino.
A questão da representatividade nestes tribunais, no entanto, foi afastada como possível justificação para o desequilíbrio entre homens e mulheres nas decisões de condenação.
“A metodologia usada permite quebrar essa justificação”, referiu o professor e investigador Pedro Sousa, coautor do estudo, numa sessão de apresentação aos jornalistas, na seda da ASJP, em Lisboa, do livro que publica o trabalho de investigação – “As Respostas Judiciais na Criminalidade de Género”.
Pedro Sousa assinalou uma diferença estatística muito significativa nas condenações por crimes de violência doméstica, com 71,2% de condenações quando os processos são julgados por mulheres e 45,5% quando são julgados por homens.
O investigador e coautor Jorge Quintas dividiu em quatro blocos os objetivos da análise: perceber “a demografia” dos casos que chegam a tribunal, traçando o perfil das pessoas, perceber como é aplicada a lei, nomeadamente se há condenação e se esta é a prisão efetiva ou pena suspensa, qual a fundamentação das decisões, avaliando eventuais discursos discriminatórios e perceber se “fatores extralegais” como género, raça e outros podem ter influência nas decisões.
Nos crimes de violência doméstica “a condenação é preponderante”, disse Jorge Quintas, mas a condenação a pena de prisão efetiva “é residual”, referiu, adiantando que representa 11% dos casos, algo que uma aposta em programas de reeducação dos agressores pode ajudar a explicar, referiu.
Já em relação aos crimes de violência sexual, entre as 157 sentenças analisadas, maioritariamente referentes a crimes de violação, não se encontra uma diferença estatística nas condenações consoante o género do juiz, as condenações são a pena de prisão efetiva e quando isso não acontece os recursos para os tribunais superiores tendem a reverter a decisão da primeira instância.
O livro inclui ainda uma análise a decisões de recurso nos tribunais de Relação e Supremo Tribunal de Justiça, coordenado pela juíza Carolina Girão, que analisa 270 sentenças em crimes de violência doméstica, encontrando uma percentagem de 75% de condenações, com 33,5% dos casos com sentenças de prisão efetiva.
Segundo a análise coordenada pela juíza Carolina Girão, as decisões de pena suspensa encontradas estão “em linha” com fatores que devem ser atendidos pelos juízes no momento da decisão, como a ausência de antecedentes criminais.
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