“Ricardo Salgado tem características boas e más. Entre as boas: é uma pessoa extraordinariamente trabalhadora; entre as más, é um ambicioso desmedido, capaz de matar o pai e a mãe, e um mentiroso compulsivo. Defino-o como uma pessoa que diz determinadas coisas e que quer convencer o interlocutor de que 2 + 2 são 5”, afirmou o antigo líder da Semapa num depoimento como testemunha efetuado em janeiro de 2018.

Pedro Queiroz Pereira, que morreu em agosto desse ano, explicou ainda que os outros administradores do Grupo Espírito Santo (GES) não levantavam objeções às decisões de Ricardo Salgado.

“Ninguém se atrevia. Ele era o único capaz de comandar o grupo. Ninguém se atrevia a dizer o que fosse. Eu era independente e o único que dizia... Ele é capaz de chegar aqui e dizer-lhe que esta folha branca era preta e sair daqui convencido que convenceu o interlocutor. É uma coisa espantosa”, sublinhou.

O falecido industrial (nas áreas do cimento e da pasta de papel), que foi também acionista na sociedade Espírito Santo Control (ESC), a holding de topo do grupo, entrou em conflito com Ricardo Salgado, contribuindo para expor os problemas das contas no GES junto do Banco de Portugal (BdP). Ao MP admitiu que se tentou opor no processo que levou o comandante António Ricciardi à posição de presidente do Conselho Superior do GES, por entender que isso “era conveniente” para Salgado.

“Ainda tentei alguma oposição, porque conhecia Ricardo Salgado há muitos anos e sabia que podia não correr bem. Foi preciso substituir o presidente e quem foi substituir foi o comandante António Ricciardi, e era completamente conveniente que fosse o ‘chairman’ para que Ricardo Salgado pudesse fazer o que quisesse sem qualquer oposição”, contou.

Pedro Queiroz Pereira recordou que já sabia em meados de 2012 que as contas do GES “estavam mal”, embora não tivesse ainda os números aprofundados que foi depois entregar ao BdP. Contudo, destacou que fez questão de transmitir isso numa reunião do Conselho Superior na qual participou nesse ano.

“Fui lá chamar a atenção para as coisas que estavam a acontecer. Já nessa altura estavam ativamente a comprar ações do meu grupo para o tentarem controlar”, disse, continuando: “Sabia que as coisas estavam mal nessa altura. O que me revoltou mais e me impulsionou mais é que andavam a comprar os meus acionistas e não tinham dinheiro. Sabia que as contas deles estavam mal, porque quando consolidavam não usavam os números finais”.

O empresário revelou ainda que só foi ao BdP com os documentos “um ou dois meses depois” por estar “sempre na expectativa” de que o BES recuasse na tentativa de controlo das suas empresas. “Não sou propriamente amigo de Ricardo Salgado, mas sou amigo de outros Espírito Santo e sei que não estão no cerne da questão… Tentei durante algum tempo não usar números e coisas que tinha”, referiu.