Em declarações à Lusa por telefone após o Tribunal Constitucional declarar a nulidade e mandar repetir as eleições legislativas de 30 de janeiro no círculo da Europa devido a problemas na contagem dos votos, o investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa disse que “não há nenhum método perfeito”.

E lembrou que outros países, como Itália ou França, já registaram problemas com votações a partir do exterior, e até "democracias supostamente mais avançadas, uma das mais avançadas do mundo como são os Estados Unidos", registaram problemas como a contagem de votos.

"Portanto não há aqui uma resolução perfeita para o problema, agora há algumas coisas que se podem fazer", a começar por uma intensificação dos processos de informação que permitam que os eleitores “efetivamente cumpram e tenham a consciência absoluta” das exigências da lei, disse o especialista em migrações.

Em causa na anulação das eleições no círculo da Europa esteve o facto de muitos votos dos emigrantes terem sido validados sem estarem acompanhados de cópia do cartão de cidadão, como exige a lei.

Jorge Malheiros defendeu que, num futuro processo de revisão da lei eleitoral, se deve ponderar "uma combinação" dos métodos de voto, nomeadamente juntando o voto eletrónico ao voto presencial e ao voto pelo correio, com mecanismos de controlo.

Na sua opinião, a solução não pode ser apenas o voto presencial, que deixa muitos eleitores demasiado longe das assembleias de voto, nem apenas o voto eletrónico, devido às fragilidades dos sistemas informáticos que se têm manifestado nos últimos tempos.

"Eu creio que se podia, facilitando o acesso das pessoas, introduzir mecanismos de segurança nos três tipos [de método] e incluir aqui o voto eletrónico, mas não para substituir já e de forma imediata o voto por correio", disse.

Embora admitindo que o voto postal "tem fragilidades", o investigador defendeu que "deve ser mantido, com a exigência da cópia do cartão de cidadão" ou de outro documento de identificação, como elemento supletivo e identificador do votante.

Considerou ainda que é preciso alterar as diferenças nos universos eleitorais entre as eleições presidenciais e as eleições legislativas: “Não tem sentido que nas presidenciais só vote um determinado conjunto de portugueses e nas legislativas votem muitos mais. Isso tem de ser corrigido”.

E afirmou que será também de “repensar a dimensão” dos círculos da emigração, argumentando que, com o alargamento do universo eleitoral, que com o recenseamento automático passaram de 242 mil inscritos para 1,5 milhões entre 2015 e 2022, “não se justifica que elejam apenas quatro deputados”.

“Há que pensar em aumentar o número de deputados eleitos a partir do exterior. O contexto que temos hoje é um contexto diferente do passado”, disse, lembrando que Portugal tem muitos cidadãos no estrangeiro que continuam ligados através de formas de transnacionalismo, ligações económicas, ligações políticas aos territórios de origem”.

Os eleitores do círculo da Europa vão ser chamados a votar novamente para as legislativas, após o Tribunal Constitucional declarar a nulidade das eleições legislativas nestas assembleias, na sequência da anulação de 80% de votos.

Mais de 157 mil votos dos eleitores do círculo da Europa foram anulados após, durante a contagem, terem sido misturados votos válidos com votos inválidos, não acompanhados de cópia do documento de identificação, como exige a lei.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) deliberou na quarta-feira que a repetição da votação presencial no círculo da Europa terá lugar dias 12 e 13 de março e os votos por via postal serão considerados se recebidos até 23.

O número de eleitores inscritos neste círculo é de 946.841. Deste total, apenas 400 eleitores se inscreveram para votar presencialmente, mantendo-se o número em relação às eleições de 30 de janeiro.

Repetição é "mal menor" e ainda pode haver boa participação

O investigador Jorge Malheiros classificou ainda como “um mal menor” a repetição da eleição no círculo da Europa e disse acreditar que, com uma boa comunicação por parte das autoridades, partidos e associações, pode haver uma boa participação.

“Parece-me que a repetição é um mal menor. (…) É aborrecido e toda a situação foi desagradável, mas pelo menos prevalece o direito das pessoas a poderem expressar a sua participação política e o reconhecimento desse direito. Portanto, é um mal menor e parece-me que é uma decisão sensata, dado o contexto e o processo que, esse sim, não foi nada bom”, disse o geógrafo e investigador na área das migrações e da demografia.

Jorge Malheiros admitiu que a participação eleitoral no círculo da Europa, que nas eleições de 30 de janeiro tinha subido de 12% para 20%, deverá cair, até porque o processo que levou à repetição “desencantou as pessoas”, mas ainda pode evitar-se uma forte queda.

Para isso, o investigador do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade de Lisboa, defende que deve haver um trabalho de comunicação e incentivo por parte das entidades responsáveis pela organização do escrutínio, dos partidos políticos, das associações de emigrantes e do Conselho das Comunidades Portuguesas.

“Se houver uma mensagem que diga: ‘Este processo foi muito mau, mas pelo menos assim têm uma oportunidade de se expressar e de os vossos votos serem efetivamente contados sem erros’, (…) eu creio que se pode ter uma boa participação”, disse Jorge Malheiros, admitindo que, mesmo assim, “é provável que ela fique um pouco abaixo” da votação de 30 de janeiro, em que votaram 195.701 eleitores no círculo da Europa, 20,67% do número de inscritos (946.841).

Questionado sobre os eventuais resultados desta repetição, o investigador antecipou três cenários possíveis.

Num primeiro cenário, haveria uma repetição da estrutura percentual das eleições de 30 de janeiro.

Num segundo cenário, haveria “uma eventual penalização do PSD”, por ter sido o partido que desencadeou o processo que levou à anulação das eleições, ao reclamar da validação dos votos que não estavam acompanhados de cartão de cidadão depois de, num primeiro momento, ter aceitado essa opção.

“Já se percebeu que o processo é bastante mais complexo do que apenas este primeiro motivo, mas pode haver alguma penalização porque pode ser associado por parte dos eleitores ao desencadear desse processo complexo e das suas consequências”, admitiu.

O investigador estimou que essa penalização possa resultar num reforço do partido que ficou em primeiro lugar, o PS, ou até do partido que ficou em terceiro, o Chega, “que ainda por cima é antissistema e capitaliza muito todas estas situações em que o sistema revela falhas”.

Num terceiro cenário, poderão ser beneficiados os partidos que recorreram para o Tribunal Constitucional da anulação de 80% dos votos, o que levou em última análise à repetição do ato eleitoral: Chega, PAN, Livre, Volt Portugal e MAS.

“Pode haver um efeito de que foram esses os partidos que afinal permitiram a repetição e por isso repuseram ou contribuíram para a reposição do valor do voto e esses partidos pequenos podem ter um pouco mais de votos”, sem pôr em causa a eleição dos dois deputados eleitos pelo círculo da Europa, que “irão sempre para os maiores partidos”.