O PS, no poder, propôs uma comissão eventual para o reforço da transparência na vida política, embora dizendo querer "evitar uma discussão casuística e apressada" sobre uma questão considerada central para a saúde do regime político tendo em conta um caso.

Daí que outras questões tenham sido incluídas no âmbito desta comissão, como a regulação do lóbi, incompatibilidades e impedimentos, alterações ao Estatuto dos Deputados, de forma a ampliar a transparência na vida pública e política e que a discussão se tenha prolongado durante meses, anos.

Mas, tal como outros “pacotes” para a transparência no passado, o atual processo legislativo teve o seu impulso em casos mediáticos.

Em 1994 e 1995, por exemplo, no final dos dez anos de maioria absoluta do PSD, com Cavaco Silva, o seu sucessor, Fernando Nogueira, avançou com uma proposta legislativa, após vários escândalos, alguns deles noticiados pelo semanário O Independente.

A comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas, que começou a trabalhar em 2016, aprovou hoje legislação sobre lóbi, o regime de exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e alterações ao estatuto dos deputados.

Estas são as principais alterações acordadas na comissão para o reforço da transparência no exercício de funções públicas:

Comité de Ética mudou de nome, mas continua a ser considerada "polícia dos deputados"

A comissão eventual aprovou a criação de um comité de ética no parlamento para analisar a violação de deveres ou irregularidades dos deputados. Apenas PS e PSD votaram a favor desta nova entidade, cuja existência é questionada e criticada pelos três partidos que se opõem a esta medida, PCP, BE e CDS. Mas, à última hora, no dia da votação final, o PS mudou o nome do comité, para comissão parlamentar de transparência e estatuto dos deputados.

O PCP questionou as sanções que este comité pode aplicar, como a proibição de integrar representações do parlamento durante um ano ou limitar o acesso a documentos classificados, em “caso de violação de confidencialidade exigida”, por poder ferir “direitos constitucionais”, segundo o deputado comunista António Filipe.

O CDS-PP criticou o “erro crasso” do Bloco Central (PS-PSD) de criar um comité de ética, uma “comissão de polícias ou juízes dos deputados”, com “competências além do razoável”.

Este comité tem também poderes para fazer recomendações aos parlamentares, de modo a promover “as boas práticas”, ou alertar para "condutas consideradas como tendo incorrido em irregularidade grave por incumprimento dos deveres dos deputados".

Há também a possibilidade de o comité propor a “retenção de uma fração dos abonos atribuídos”, proporcional “à irregularidade cometida e com valor máximo estabelecido por deliberação da Assembleia da República”.

Entidade da transparência

Foi aprovada a Entidade para a Transparência e algumas das suas competências, com o apoio do BE, que a propôs, e do PS e PSD, apesar da oposição anunciada de partidos como o CDS-PP ou o PCP.

Será a esta entidade que caberá avaliar e fiscalizar as declarações de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos públicos e políticos.

Inicialmente, o PS era desfavorável a esta proposta, mas acabou por aceitá-la, na condição de funcionar junto do Tribunal Constitucional, que já admitiu serem necessários mais meios para cumprir estas novas funções.

Registo de rendimentos, património e interesses

O registo de rendimentos, património e interesses passa a ter um modelo único, que ficará depositado no Tribunal Constitucional. Atualmente, eram dois, um de interesses, para os deputados, entregarem na Assembleia da República, e um segundo, de património e rendimentos, a entregar no Tribunal Constitucional.

Além dos deputados, já eram abrangidos por esta “obrigação declarativa” o Presidente da República, Governo, autarcas, gestores públicos, de empresas participadas pelo Estado ou administradores de entidades públicas independentes. Agora, passam a estar abrangidos os candidatos a Presidente da República, juízes do Tribunal Constitucional, magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e Provedor de Justiça.

Perda de mandato

Nas alterações ao estatuto dos deputados, prevê-se a possibilidade de perda do mandato a quem “culposamente” não fizer o registo de rendimentos, património e interesses.

A mesma sanção de perda de mandato é aplicada ao deputado se, detetada uma incompatibilidade, ele não corrigir a situação, de acordo com o texto aprovado em março na especialidade.

Ofertas de 150 euros ou mais

Depois de meses, semanas em que se discutiram, por várias vezes, as regras sobre o registo de ofertas a titulares de cargos políticos e públicos, incluindo a possibilidade de todas serem registadas, independentemente do seu valor, a comissão acabou por fixar um valor: 150 euros. E assim, só passa a ser obrigatório quando o valor for superior a 150 euros.

A decisão da comissão, em março, levou o deputado independente Paulo Trigo Pereira a declarar que, com esta decisão, a lei “é um desastre total”, enquanto o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, admitiu que o diploma fica “aquém das expectativas”.

Para Trigo Pereira, isentar a obrigação de registar, na base de dados respetiva ou registo de interesses e rendimentos, uma oferta de transporte ou alojamento "no contexto das relações pessoais ou familiares" é "permitir tudo e mais alguma coisa".

O valor de 150 euros é uma referência já usada pelo Governo no seu Código de Conduta, adotado após a polémica da oferta de viagens ao europeu de futebol de 2016 de três secretários de Estado.

Se aceitarem prendas acima deste valor, os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos não podem intervir em atos, procedimentos administrativos ou contratos que envolvam a entidade que fez a oferta.

Lóbi

O parlamento aprovou uma regulamentação a atividade do ‘lobbying”, mas houve normas envoltas em polémica. Por exemplo, desapareceu da lei a obrigatoriedade de as entidades que fazem a representação de interesses terem de declarar, quando marcam audiências, quem estão a representar. A norma teve os votos contra do PSD, BE e PCP.

O PSD alega que o dever de publicitação pode ficar garantida, por exemplo, através do dever de divulgação por parte de entidades oficiais das reuniões, data e agenda desses encontros.

As empresas de representação de interesses, ou lobistas, passam a ter de se inscrever no chamado registo de transparência da representação de interesses da Assembleia da República, "público e gratuito", disponível ‘online’.

Além de Assembleia da República, a entidades públicas com esta obrigação são o Governo e respetivos gabinetes, governos regionais, órgãos da administração direta e indireta do Estado, entidades administrativas independentes, entidades reguladoras e os órgãos autárquicos.

Avanços e recuos

No final de março, quando já terminava o prazo de funcionamento da comissão, houve uma reunião noite dentro em que os dois maiores partidos alteraram um artigo no estatuto dos deputados, que já tinha uma aprovação tácita, nas votações indiciárias ou indicativa.

O PSD, com a abstenção do PS, alterou, à última hora, o artigo que permitia aos deputados continuarem a pertencer a sociedades de advogados, ao contrário do que chegou a estar consensualizado. Foi o deputado e coordenador do PSD, Álvaro Batista, a entregar a proposta, manuscrita, de alteração ao artigo 21.º. Na prática, um deputado poderia continuar a trabalhar ou a ser sócio de uma sociedade de advogados desde que não intervenha em processos contra ou a favor do Estado.

O independente Paulo Trigo Pereira, António Filipe, do PCP, e José Manuel Pureza, do BE, criticaram o volte face, e a medida causou incómodo dentro da bancada do PS, que, passados menos de duas semanas, em 11 de abril, voltou atrás, mantendo o alargamento das incompatibilidades aos deputados com participações em sociedades de advogados.

Dado que não foi possível um consenso, na comissão, para alterar o sentido de voto do PS, a bancada socialista teve de avocar este artigo para a sessão de hoje.