O chefe de gabinete do Presidente da Câmara de Lisboa, António Valle, fez uso da sua conta de Twitter para informar que “depois de ouvir centenas de pessoas e organizações, o presidente Moedas está a cumprir o que há muito anunciou para a ciclovia da Almirante Reis”. No vídeo é possível identificar uma máquina a apagar uma ciclovia e a repavimentar a estrada para a circulação de veículos automóveis.
Em causa está a remoção da ciclovia presente no sentido ascendente da Almirante Reis, planeada pelo executivo e anunciada em março por Carlos Moedas. A solução passa por aumentar uma via de trânsito onde se encontrava essa ciclovia e criar uma ciclovia bidirecional onde se encontra agora a que está colocada no sentido descendente.
A publicação vai ao encontro da situação adiantada durante a noite de quarta-feira pelo vereador único do BE, Ricardo Moreira, em substituição de Beatriz Gomes Dias. “A ciclovia da Almirante Reis foi retirada hoje, agora, esta noite, há um troço que foi retirado, a sinalética foi retirada, foi arrancada do chão, uma zona grande na Alameda esta noite mesmo”, disse à Agência Lusa.
Uma publicação feita pelo dirigente bloquista no Twitter apresenta duas fotografias de uma zona claramente identificável como a via de trânsito da Alameda, onde a Avenida Almirante Reis passa, sendo possível ver como parte do piso foi modificado, vendo-se ainda resquícios da ciclovia.
Numa emissão em direto feita no local, a SIC Notícias demonstrou como esse troço da ciclovia está ocultado por alcatrão.
Em resposta a uma solicitação da Lusa, Moedas não confirmou o avanço de obras na zona em causa, referindo que se “estão a fazer ensaios, não estão a retirar nenhuma ciclovia neste momento”. O autarca do PSD, ainda assim, assume a responsabilidade pelas intervenções em curso na Avenida Almirante Reis.
“Houve todo um trabalho feito em relação à Almirante Reis” em que foi decidido retirar metade da ciclovia após ouvir as pessoas, disse, ressalvando que tal “não impede” a discussão da proposta para consulta pública.
O SAPO24 contactou a Câmara Municipal de Lisboa (CML), pedindo para confirmar se de facto houve uma remoção na ciclovia e qual a sua extensão, perguntando ainda se, confirmando-se, o seu cariz é temporário ou permanente.
Em resposta, fonte da CML corroborou as afirmações de Moedas, dizendo tratar-se de um "ensaio de raspagem" com uma "extensão de aproximadamente 6 metros". Esta operação "contempla várias análises para a obra, entre elas a questão de avaliação de impactos de vibração nos túneis do Metro", justifica o município, não tendo, porém, indicado explicitamente se esta é apenas uma alteração temporária ou se é já um primeiro passo para a remoção total no futuro.
Bloquistas lamentam decisão "ao arrepio daquilo que tem sido a opinião pública"
Este é mais um episódio no atual clima de discórdia entre o executivo de Moedas e a oposição, que é maioritária na Assembleia Municipal de Lisboa.
No seu comentário à agência Lusa, Ricardo Moreira, disse-se “bastante desiludido” com Carlos Moedas, porque houve o compromisso de agendar, para a próxima reunião do executivo, na segunda-feira, a proposta do BE, do Livre e da vereadora independente do Cidadãos por Lisboa (eleita pela coligação PS/Livre), que sugere que “antes de qualquer alteração na configuração do perfil da avenida” seja apresentado o projeto de alteração fundamentado para a ciclovia da Almirante Reis, abrindo “um período de recolha de contributos de não menos 30 dias”.
Por outras palavras, o processo de repavimentação terá sido iniciado no mesmo dia em que o executivo se comprometeu a aprofundar a discussão quanto às alterações na Almirante Reis.
"É absolutamente incompreensível como é que se pode fazer uma consulta pública sobre uma obra que já está consumada. Isto não faz qualquer sentido, nem do ponto de vista democrático, nem do ponto de vista prático de como as coisas funcionam" afirma Isabel Pires, deputada municipal do Bloco de Esquerda em Lisboa, ao SAPO24.
A dirigente bloquista realça ainda o facto desta decisão ter sido tomada sem ainda ter sido apresentado publicamente o estudo técnico pedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) — compromisso esse assumido pelo executivo municipal pela voz de Ângelo Pereira, vereador da Mobilidade da CML que se reuniu em fevereiro com os proponentes da petição "Salvar Ciclovia Almirante Reis".
Além disso, terão ficado também por divulgar as atas das três sessões públicas ocorridas na Junta de Freguesia de Arroios, que abrange a ciclovia, quanto ao tema. "Supostamente iriam existir atas sobre essas sessões mas ainda ninguém as conhece. As várias conversas e reuniões que temos tido com pessoas, movimentos e associações que estiveram presentes apontam que essa decisão tomada não corresponde à maioria das opiniões dadas nessas sessões", diz Isabel Pires.
"Nesta altura, já temos poucas formas de adjetivar este processo, parece-nos que está a ser tomada uma decisão ao arrepio daquilo que tem sido a opinião pública relativamente à ciclovia da Almirante Reis e ninguém conhece os estudos porque eles ainda não foram distribuídos a nenhuma força política e isso seria essencial neste momento", lamenta a deputada bloquista.
Questionada quanto às razões que levaram a autarquia a proceder à alteração na vida antes da reunião agendada, Isabel Pires diz que essa "é uma boa pergunta" e que será feita pelos bloquistas durante o dia de hoje durante uma sessão de questões na Assembleia Municipal de Lisboa. "Creio que toda a gente está à espera de perceber afinal de contas o que é que se passou", comenta.
O SAPO24 perguntou também à CML por que razão se procedeu a esta alteração da via ainda antes da dita reunião agendada para segunda-feira. Em resposta, o município contraria a posição bloquista, sublinhando terem sido "ouvidas cerca de 600 pessoas e várias entidades nos últimos meses sobre todo este processo" e que "dos inúmeros contributos surgiu uma proposta final". Porém, não responde por que o fez antes da reunião de 30 de maio.
Essa decisão, conclui a autarquia, "foi apresentada e estavam a ser feitas as operações necessárias para a sua implementação", o que sugere que, independentemente do que venha a ser discutido na próxima segunda-feira e mesmo que seja aberto um processo de consulta pública, a câmara vai avançar com o projeto.
Moedas votará contra nova proposta de consulta pública sobre a Almirante Reis
Entretanto, à margem do lançamento da construção de novas casas no Bairro da Boavista, Carlos Moedas afirmou hoje que as pessoas já foram ouvidas e que votará contra uma nova proposta de consulta pública.
“Anunciei, há cerca de um mês, que iria ter uma solução para a Almirante Reis de retirar metade da ciclovia do lado direito. Foi anunciado e trabalhado com os cidadãos, ouvimos mais de 600 pessoas”, começou por explicar o autarca.
Referindo-se à reunião de câmara de quarta-feira, o Moedas disse que o Bloco de Esquerda quer apresentar uma nova proposta para fazer uma consulta pública “depois de já terem sido ouvidas as pessoas”.
“Isso vai ser levado a reunião de câmara e quando for levado eu votarei contra, porque considero que já ouvimos as pessoas. Se a câmara assim o decidir, respeitarei a decisão e teremos de parar o que estamos a fazer”, acrescentou.
O tema da mobilidade suave em Lisboa tornou-se um foco de polémica nos últimos anos, principalmente durante a campanha para as eleições autárquicas de 2021. Carlos Moedas, que foi eleito numa coligação pelo PSD e CDS-PP, prometeu que iria acabar com a ciclovia da Almirante Reis.
A 30 de março deste ano, já enquanto Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Moedas tornou pública a intenção de “acabar com metade da ciclovia” como solucionamento dos problemas de circulação nesta artéria, ressalvando que a longo prazo deve existir um projeto de reperfilamento da avenida.
A solução pensada pelo atual executivo passa por uma reformulação da Almirante Reis em que tenha “duas faixas para cima, duas faixas para baixo, e que consiga ter também as ciclovias necessárias”. Para tal, o plano é retirar a ciclovia do sentido ascendente e colocar duas faixas para automóveis, criando uma ciclovia bidirecional no sentido descendente
Esta solução foi criticada pela oposição do PS por ser semelhante à inicialmente proposta pelo gabinete de Fernando Medina, anterior autarca de Lisboa, mas que foi alterada para a intervenção que existe hoje após ouvir as pessoas.
[Artigo atualizado às 18:00 — Acrescenta respostas por parte de fonte oficial da Câmara Municipal de Lisboa)
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