No novo lote de Lojas com História, uma distinção instituída pela Câmara Municipal de Lisboa, o grupo mais representado é o das retrosarias, todas situadas na rua da Conceição, também – não por acaso – conhecida como ‘rua dos retroseiros’.
Há também duas livrarias, entre as quais a Livraria Bertrand do Chiado, que reclama o título de livraria mais antiga do mundo reconhecida pelo livro Guinness dos recordes, duas barbearias, dois antiquários, duas lojas de vestuário, dois restaurantes, uma loja de discos, uma loja de ferragens, um encadernador e um bar, o emblemático Xafarix, do músico Luís Represas.
O Xafarix abriu há 32 anos junto ao Monumental Chafariz da Esperança, na zona de Santos, freguesia da Estrela, como uma casa de música ao vivo, que “assistiu a muitas mudanças na cidade, mudanças de hábito, de público”.
Do auge da avenida 24 de Julho na década de 1990, em que enfrentou noites de casa vazia, até ao atual momento de “democratização da noite”, o Xafarix foi-se impondo, com “muito sacrifício e muita resiliência”, adaptando-se sem trair as características do espaço, que passou a contar recentemente com uma noite dedicada à ‘stand-up comedy’, conta Luís Represas.
“Essa democratização da noite tem de ser assumida para que possamos ter o impacto de entrarmos na nossa casa, não conhecermos ninguém, e dizermos: ainda bem que não conheço ninguém, porque quer dizer que as pessoas vão rodando, e que toda a gente tem acesso ao espaço”, refletiu.
Do “palpitar da história nas paredes” passou para a atualidade o ambiente de convívio: “As pessoas mesmo quando vão sozinhas sabem que vão sempre encontrar alguém com quem podem entabular conversa. Por exemplo, muitas mulheres que gostam de sair à noite sozinhas gostam de ir para o Xafarix porque se sentem bem e seguras”.
Da distinção de Loja com História Luís Represas sublinha sobretudo o sentido que faz honrar o percurso do Xafarix, enquanto outros empresários têm a expectativa de que o título seja “consequente com apoios”.
“Estamos à espera que haja alguns benefícios, por exemplo, para melhorar as condições da loja”, explicou à Lusa Mário Rui Moreira, proprietário da loja Sinfonia, na avenida de Roma.
O Regime de Reconhecimento e Proteção de Estabelecimentos e Entidades de Interesse Histórico, aprovado em 2017, concentrou-se em proteger as lojas da liberalização das rendas e estabeleceu que os contratos não podem ser submetidos ao novo regime de arrendamento urbano (NRAU) pelo prazo de cinco anos e, nos que tenham transitado para o NRAU, os senhorios não podem opor-se à renovação de novo contrato por dez anos.
As Lojas com História estão ainda isentas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e as despesas de conservação e manutenção são consideradas a 110% no apuramento do lucro tributável.
O dono da loja Sinfonia admite tem uma boa relação com a senhoria e reconhece que a luta para se manterem abertos tem sido bem-sucedida, “em parte, porque a renda é baixa”.
A Sinfonia chegou à avenida de Roma em 1968, inovando, primeiro, por levar o negócio dos discos para aquela zona da cidade, rompendo o monopólio da Baixa, e, depois, ao juntar os livros e a papelaria.
“Teve grande sucesso na altura”, recordou Mário Rui Moreira, que atribui o declínio à “alteração do tipo de consumos que as pessoas fazem”, preferindo “mais produtos eletrónicos” e desprezando “as coisas físicas”.
Na mesma freguesia de Alvalade, a Loja Mariazinha, “casa especialista de cafés, chás e farinhas”, conseguiu adaptar-se às mudanças desde que há 61 anos está na avenida Rio de Janeiro, sobrevivendo à ‘febre’ das máquinas de café com cápsula, apostando noutros produtos, e beneficiando também de mudanças de hábitos.
“Os frutos secos vendiam-se só nas festas, agora vendem-se todo o ano, e há um novo segmento, o das sementes, que não fazia parte dos hábitos alimentares”, contou à Lusa Paulo Manso.
Sem falta de trabalho, o gerente da Mariazinha espera que a distinção de Loja com História que já recebeu em junho de 2018, num lote anterior de estabelecimentos distinguidos, ajude na divulgação da pequena loja com toldo e portas azuis, onde conhece os clientes pelo nome.
“Não precisamos que nos deem nada, só de cativar os clientes e mantê-los”, disse.
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