"Eu nasci aqui e esta casa diz-me muito. Tem a história da nossa família. As recordações que nós tínhamos estavam nesta casa. E, agora, é como chegar a um sítio que não diz nada. Nós temos a ideia da nossa casa aqui, na nossa cabeça, mas chegámos? Está a perceber? Não tem nada", desabafou à agência Lusa.
Basília Barreira, 50 anos, viveu com a família (o marido e dois filhos) naquela casa, no Caminho do Lombo, freguesia do Monte, Funchal, até terça-feira, 9 de agosto de 2016, dia em que o fogo, vindo das zonas altas, atingiu o local e destruiu tudo.
"Eu saía nesse dia do serviço às nove [21:00] e o meu marido saía às onze da noite. Só quem estava era a minha filha Catarina e o meu filho Afonso. E eles, então, é que presenciaram mais de perto", explicou, realçando que, quando se apercebeu da gravidade da situação, já nada pôde fazer.
Mesmo com a casa completamente arrasada, Basília Barreira passa os dias por ali e, à noite, regressa à residência dos familiares que lhe dão abrigo. Curiosamente, um anexo, que servia também de garagem, não foi atingido, embora tudo ao redor tenha ficado queimado.
"O nosso instinto foi sair só com aquilo que tínhamos vestido e pensar ‘pronto, a situação vai-se resolver’", contou Catarina, de 22 anos, filha de Basília Barreira, realçando que a situação ficou descontrolada a partir do momento em que o lume lhes apareceu “mesmo à frente".
Catarina explicou que ela e o irmão se mantiveram dentro de casa, com as portas e as janelas fechadas, acompanhando o evoluir dos acontecimentos pela televisão, até que se aperceberam de grande agitação na vizinhança.
"E aí, saindo de casa, comecei a ver toda a gente aqui, os vizinhos a descer por ali abaixo, nos carros, a chorar", relatou, sublinhando que não deu tempo para mais nada a não ser fugir.
O fogo ganhou proporções descomunais, estimulado pelos ventos fortes e a elevada temperatura ambiente, a rondar os 38 graus.
Basília Barreira e o marido puderam, finalmente, regressar a casa por volta das 23:00 e, vendo que o anexo estava intacto, pensaram que a casa teria escapado.
"Mas, depois, vi claridade lá dentro e então percebi que era lume", recordou com mágoa, acrescentando: "Consumiu tudo, tudo, tudo. Não restou nada. É uma coisa que não tem explicação".
Umas centenas de metros mais acima, na Travessa dos Poços, Rui Nóbrega, de 60 anos, encontrava-se a descarregar material de construção, com a ajuda do filho mais novo, para recuperar as partes da casa que o fogo destruiu, sobretudo ao nível do jardim e do portão.
Mesmo ao lado, um vizinho ficou só com a roupa que tinha vestida.
Quando o fogo atingiu a zona, Rui Nóbrega correu para casa da mãe, a pouca distância, onde passou a tarde e a noite a deitar água por todo o lado.
"Os meus filhos é que ficaram em casa. Depois eles tiveram de caminhar, porque já não podiam com o calor e o lume", contou, lembrando que outros familiares tiveram mesmo de fugir para a zona do porto do Funchal, numa noite em que o fogo chegou ao centro histórico da cidade.
No entanto, Rui Nóbrega recusa lamentar-se e pedir ajuda às entidades oficiais.
"Ajuda é para aqueles que não têm nada. Esses é que precisam de ser ajudados. Há pessoas com crianças e não têm nada. É bastante triste. Eu vou-me desenrascando. Já estou meio habituado às dificuldades", disse.
Depois, apontando para o Caminho do Lombo, lançou um desafio: "Já desceu este caminho ali? Convinha descer, porque por aí abaixo é que está uma desgraça. Se descer, vai ver a tristeza que está por aí abaixo. Tem muita gente sem nada."
Os incêndios que na segunda semana deste mês atingiram a Madeira afetaram sobretudo o concelho do Funchal, onde fizeram três mortos e um ferido grave, centenas de desalojados e deslocados, bem como prejuízos em bens públicos e privados avaliados pela câmara municipal em cerca de 61 milhões de euros.
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