Esta e outras alterações climáticas são uma ameaça crescente para as pessoas que já fogem de guerras, de violência e de perseguições, refere um relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), hoje divulgado, segundo o qual três quartos das pessoas deslocadas à força em todo o mundo vivem em países fortemente afetados pelas mudanças do clima.

Metade desse total, adianta o documento, está em locais afetados tanto por conflitos como por graves riscos climáticos, como sejam a Etiópia, o Haiti, Myanmar, a Somália, o Sudão e a Síria.

O relatório, designado “Sem Fuga: Na Linha da Frente das Alterações Climáticas, Conflitos e Deslocações Forçadas — até 2040” e elaborado em conjunto com 13 organizações especializadas, instituições de investigação e grupos liderados por refugiados, avisa que “os choques climáticos estão a interagir com os conflitos”, empurrando aqueles que já estão em perigo para situações ainda mais terríveis.

As alterações climáticas expõem os deslocados e refugiados a “uma combinação letal de ameaças, mas sem financiamento e apoio para se adaptarem”, refere.

“Para as pessoas mais vulneráveis do mundo, as alterações climáticas são uma dura realidade que afeta profundamente as suas vidas”, afirmou o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi.

“A crise climática está a provocar deslocações em regiões que já acolhem um grande número de pessoas desenraizadas por conflitos e insegurança, agravando a sua situação e deixando-as sem nenhum lugar seguro para onde ir”, lamentou, citado no relatório.

O ACNUR dá como exemplo da situação o Sudão, onde um conflito devastador obrigou milhões de pessoas a fugir, incluindo 700 mil que atravessaram a fronteira para o Chade. Este país, lembra a agência da ONU, acolhe refugiados há décadas, mas é um dos países mais expostos às alterações climáticas.

Ao mesmo tempo, muitos dos que fugiram dos combates, mas permaneceram no Sudão, correm o risco de serem ainda mais deslocados devido às graves inundações que assolaram o país.

Outro exemplo é de Myanmar, onde 72% dos refugiados procuraram segurança no Bangladesh, país cujos riscos naturais, como ciclones e inundações, são classificados como extremos.

“Na nossa região, em que tantas pessoas foram deslocadas durante tantos anos, vemos os efeitos das alterações climáticas diante dos nossos olhos”, disse Grace Dorong, ativista climática e antiga refugiada, que vive no Sudão do Sul.

“Espero que as vozes das pessoas neste relatório ajudem os decisores a compreender que, se não forem abordadas, as deslocações forçadas — e o efeito multiplicador das alterações climáticas — irão agravar-se. Mas se nos ouvirem, também podemos fazer parte da solução”, defendeu a ativista.

O relatório destaca também que o financiamento para mudanças climáticas não está a conseguir chegar aos refugiados, às comunidades de acolhimento e a outras pessoas em países frágeis e devastados pela guerra.

Por isso, a capacidade de adaptação desses países aos efeitos das alterações climáticas está a deteriorar-se rapidamente, acrescenta.

Atualmente, os Estados extremamente frágeis recebem apenas cerca de 2 dólares por pessoa em financiamento anual para adaptação, um valor muito aquém dos 161 dólares por pessoa atribuídos nos Estados não frágeis.

“Quando o investimento chega aos Estados frágeis, mais de 90% vai para as capitais, enquanto outros locais raramente beneficiam”, denuncia ainda o ACNUR.

As conclusões do ACNUR são publicadas durante a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que está a decorrer em Baku, Azerbaijão, até dia 22, e constituem a base de um pedido de aumento do financiamento para problemas climáticos a fim de conseguir que os fundos cheguem aos mais necessitados.

A agência para os refugiados insta ainda os Estados a protegerem as pessoas deslocadas à força que enfrentam a ameaça adicional de desastres climáticos, e a darem-lhes, e às comunidades que as acolhem, uma voz nas decisões financeiras e políticas.

“A emergência climática representa uma profunda injustiça”, sublinhou Grandi.

“As pessoas forçadas a fugir, e as comunidades que as acolhem, são as menos responsáveis pelas emissões de carbono, mas pagam o preço mais elevado. Os milhões de dólares em financiamento climático nunca lhes chegam e a ajuda humanitária não consegue cobrir adequadamente o fosso cada vez maior”, sublinhou o alto-comissário da ONU.

“As soluções estão ao nosso alcance, mas precisamos de medidas urgentes. Sem recursos e apoio adequados, as pessoas afetadas ficarão presas”, concluiu.