Em causa está o desagrado da população vareira quanto ao facto de o novo modelo do Governo para gestão dos serviços de saúde deixar de referenciar os utentes de Ovar para o hospital de Santa Maria da Feira, que, no concelho contíguo e a poucos quilómetros, tem sido a unidade de referência para a população vareira desde a abertura dessa unidade clínica em 1999. Já os hospitais de Aveiro e Coimbra, associados à nova ULS, situam-se a distâncias muito maiores e obrigam a deslocações com portagem.

“Não quero morrer no caminho” foi, por isso, uma das mensagens pintadas nos cartazes e faixas que acompanharam o percurso entre a estação de comboios e o tribunal, juntamente com frases como “Ovar está de luto”, “Demissão do ministro da Saúde” e “Ovar não pode ser moeda de troca”.

Sara Terra, porta-voz da marcha organizada pela plataforma cívica “Coração Vareiro”, refere que essa última mensagem alude ao que muitos consideram a única explicação possível para a “situação inadmissível e inexplicável” que se está a viver em Ovar.

“Se todos os partidos políticos, entidades públicas locais e habitantes jovens e menos jovens concordam que não faz sentido a população de Ovar deixar de ir para os hospitais da Feira-Gaia e passar a ir para os de Aveiro-Coimbra, isso significa que quem está no Governo, quando subiu ao poder, deixou de representar a vontade de quem os elegeu e está a sacrificar os ovarenses devido a interesses relacionados com o Hospital de Aveiro”, defende.

Profissionais de saúde que participaram no protesto e conhecem o plano de negócios da ULS de Aveiro garantem que não há justificação técnica para a mudança que o Governo quer implementar em janeiro e Sara Terra concorda: “Não há nenhum argumento válido para deixarmos de ser atendidos no Hospital da Feira, seja ao nível da gestão económica, da eficiência administrativa, de oferta de cuidados de saúde ou da qualidade dos serviços prestados”.

Se a população se sente de luto é, aliás, pelo que a porta-voz da marcha considera a “sucessiva discriminação” da rede local de saúde face à oferta dos territórios vizinhos: “Estamos sempre a perder valências e não percebemos o critério. São João da Madeira só tem 22.000 habitantes e reabriu a Urgência do seu hospital; Ovar tem 55.000 habitantes, no verão duplica essa população devido à época balnear e continua com a Urgência fechada”.

A incompreensão é idêntica quanto aos centros de saúde do concelho, já que “a Câmara de Ovar andou a pagar com verbas municipais as obras nas unidades de Arada e Maceda, e elas continuam encerradas”.

Para Alcina Frade – que tem 80 anos, regressou às duas da manhã de uma ida às Urgências de Gaia e às 10:00 já estava na estação de comboios à espera que a marcha começasse – estas decisões só podem estar a ser tomadas “por um bando de malucos, que não sabe o que anda a fazer”.

Antes de a marcha “cívica e apartidária” organizada pela plataforma Coração Vareiro começar, já mais de 700 pessoas tinham assinado um manifesto apelando a que o Governo reverta a decisão de referenciar a população vareira para a ULS de Aveiro, integre os cuidados de saúde primários e hospital de Ovar na ULS do Entre Douro e Vouga (com sede na Feira), e legisle no sentido da “referenciação hospitalar de Ovar a Norte” – o que Sara Terra quer ver “por escrito”, para evitar “a ilusão de que o utente pode escolher onde ser atendido”.

Tendo em conta a contestação gerada pelo facto de, no início do processo, a Câmara de Ovar se ter manifestado a favor da ULS de Aveiro enquanto membro da Comunidade Intermunicipal da Ria de Aveiro (CIRA), ao final da manhã já mais de 2.000 pessoas tinham subscrito a petição que apelava à realização de “um referendo local para integração do Município de Ovar na Área Metropolitana de Aveiro e consequente saída da CIRA”.