De acordo com o relatório de uma auditoria ao acesso a cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que incidiu no triénio 2014-2016, neste período ocorreu “uma degradação do acesso dos utentes a consultas de especialidade hospitalar e à cirurgia programada”.

Nessa data, “ocorreu um aumento do tempo de espera no acesso a consultas de especialidade, que constituiu um entrave ao acesso às consultas hospitalares no SNS”, lê-se no documento.

Segundo os auditores, “o aumento do tempo médio de espera para a realização de uma primeira consulta de especialidade hospitalar de 115 para 121 dias interrompeu a tendência de redução dos tempos que se observava desde 2011”.

O TdC indica que “os pedidos de consulta, cuja prioridade deveria ser determinada por um profissional médico, no hospital, no prazo de cinco dias, permaneceram em 2016, em média, entre 10 dias na Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte e 53 dias na ARS do Algarve, sem uma prioridade associada, demora que constitui um risco para a saúde dos doentes”.

De acordo com o Tribunal de Contas, “o Sistema Consulta a Tempo e Horas, gerido pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), não dispõe de informação completa e fiável, que garanta o respeito pelos tempos máximos de resposta aos utentes do SNS”.

Em 2016, este sistema “cobriu apenas 34% do total de primeiras consultas de especialidade hospitalar realizadas no SNS (1.117.912 de 3.478.511 consultas)”.

“Ao não ser universal”, o sistema “não garante a todos os utentes as mesmas condições de acesso”, concluíram os auditores.

O relatório prossegue, afirmando que “as diminuições verificadas em 2013 e 2016 no número de utentes a aguardar primeira consulta de especialidade hospitalar não traduzem uma melhoria efetiva do acesso, resultando de procedimentos administrativos de validação e limpeza das listas de espera, centralizados na ACSS”.

“A falta de fiabilidade dos indicadores prejudica em especial a utilização desta informação, pelos médicos e utentes, na escolha do hospital de destino aquando da referenciação para uma primeira consulta hospitalar, no âmbito da medida introduzida em 2016 de Livre Acesso e Circulação do Utente no SNS”, lê-se no documento.

Para o TdC, “as medidas centralizadas, desenvolvidas pela ACSS, em 2016, de validação e limpeza das listas de espera para primeiras consultas de especialidade hospitalar, incluíram a eliminação administrativa de pedidos com elevada antiguidade, gerando melhorias nos indicadores de acesso”.

“Foram dadas instruções pela ACSS às unidades hospitalares, no sentido de serem recusados administrativamente pedidos de consulta com tempos de espera muito elevados e ser promovida uma nova inscrição a nível hospitalar, produzindo resultados falsos sobre o tempo de espera efetivo do utente”.

Segundo o Tribunal de Contas, existiu “um elevado número de erros de integração da informação que se mantêm por meras razões burocráticas, uma vez que os dados disponíveis no sistema de informação central não coincidem com os registos efetuados pelos hospitais”.

“A ACSS transferiu para os hospitais o ónus de verificação e validação da informação, com uma elevada carga administrativa associada, que provocou consideráveis constrangimentos ao normal desenvolvimento dos trabalhos em cada entidade”, prossegue o documento.

Em matéria de cirurgia programada no SNS, o relatório aponta para “uma degradação” no triénio 2014-2016, a qual se traduziu no “aumento da lista de espera em 27 mil utentes (mais 15%), do tempo médio de espera em 11 dias (mais 13%) e do incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos (de 7,4% em 2014 para 10,9% em 2016).

“A produção cirúrgica do SNS no triénio (1.679.153 cirurgias programadas) não deu resposta à procura (1.982.941 novas inscrições de utentes para cirurgia), pelo que a lista de espera aumentou 15%. Esta tem vindo a crescer desde 2012 (26% até 2016), invertendo a tendência de descida verificada entre 2006 e 2010”.

Segundo o documento, “a tendência de evolução do tempo médio de espera dos utentes operados apresenta uma inflexão em 2010, passando a crescer cerca de 2,1 dias, em média, ao ano”.

“Este aumento reverteu parcialmente o ganho que havia ocorrido entre 2006 e 2010 (de 147 para 78 dias, em média um decréscimo de 17,4 dias ao ano). O maior aumento anual, de 6 dias, ocorreu em 2016”.

O incumprimento dos Tempos Máximos de Resposta Garantida (TMRG) nos utentes operados aumentou no triénio e foi maior nos casos mais prioritários.

Em 2016, nos doentes com doença oncológica (8.621 utentes), quase 20% foram operados para além do tempo que seria recomendável.

Os auditores concluíram que “a capacidade de resposta dos hospitais do SNS na doença oncológica deteriorou-se face a 2014, ano em que o incumprimento havia sido de 16%”.

O relatório aponta ainda para uma “produção cirúrgica insuficiente face à procura e a não transferência para outros hospitais, nos prazos legalmente previstos, dos utentes que permaneciam em lista para além dos tempos máximos definidos, constituíram entraves ao acesso à cirurgia programada no SNS”.

Em 2016, lê-se no documento, “a ACSS interrompeu, por razões burocráticas, a transferência automática e regular dos utentes em Lista de Inscritos para Cirurgia (LIC), o que agravou o tempo de espera, condicionando o direito de acesso aos cuidados de saúde dos utentes”.

“No último trimestre de 2016, num período de apenas 23 dias (entre 03 e 26 de outubro) foram emitidos 49.495 vales cirurgia e notas de transferência, 60,5% do total de emissões do ano. Nos anos anteriores (2014 e 2015), a emissão de vales cirurgia e notas de transferência ocorreu, como seria expectável, ao longo de todo o ano”.