Marcelo Rebelo de Sousa disse esta terça-feira que "Aristides de Sousa Mendes mudou a história de Portugal e projeta Portugal no mundo".

O reconhecimento do cônsul português, "um justo entre as nações", é motivo de "respeito e veneração na Europa, América, África, Ásia, onde quer que haja descendentes daquelas e daqueles que [Aristides de Sousa Mendes] ajudou a salvar".

“Recordando-nos, nas palavras de Paulo, que não há judeu nem romano nem grego nem outros mais. Isto é, não há raças, etnias, religiões, culturas, civilizações que sejam umas mais do que outras, e que não mereçam todas e todos o mesmo respeito da dignidade da pessoa, da sua indestrutível natureza, da sua inexpugnável diferença”, defendeu. “Que se sucedam ou não os modismos de cada época, os valores essenciais não mudam: essa justiça natural que nenhuma lei ou ordem iníquas de uma ditadura ou de um ditador podem apagar”, vincou.

Para o Presidente da República, "Aristides de Sousa Mendes serviu com coragem extrema, provação pessoal e familiar e exemplar humildade [os valores essenciais que não mudam] na sua mais notável expressão".

E, por isso, "Portugal, curvando-se perante a sua personalidade moral, eternamente grato, hoje o recorda e homenageia".

Assim, "aqui, [no Panteão Nacional] entrou Aristides de Sousa Mendes e aqui permanecerá até ao fim dos tempos, se os tempos tiverem fim", disse Marcelo.

Marcelo lembrou que, ao entrar no Panteão Nacional, Aristides de Sousa Mendes, partilha “a homenagem pátria com tão diferentes escritores como Camões, Almeida Garrett, João de Deus, Guerra Junqueiro e Aquilo Ribeiro, ou tão opostos presidente da República quanto Manuel de Arriaga, Teófilo Braga, Sidónio Pais e Óscar Carmona. Todos, aqui consagrados antes da democracia”.

Em democracia, continuou, no Panteão foram acolhidos “Humberto Delgado, Amália Rodrigues, Sophia de Mello Breyner Andresen e Eusébio da Silva Ferreira”.

O Presidente prosseguiu, questionando “o que será que distingue os homenageados durante a democracia dos celebrados depois dela” e “o que aproxima tão diferentes consagrados deste tempo democrático”.

“O que distingue os homenageados de outrora e os de hoje são duas realidades. Eram só homens. São hoje homens e mulheres. Eram só personalidades das letras e chefes de Estado. São hoje vultos dos mais variados domínios da vida nacional. Os tempos mudaram. Há mais vida para além da literatura e da política, e mais cidadania do que a dos homens, mostrando a diversidade da sociedade portuguesa”, sustentou.

Quanto ao que aproxima os consagrados atuais, Marcelo apontou para “dois traços comuns”.

“Mudaram a história de Portugal e projetaram Portugal no universo. Todos eles disso mesmo tendo ou não o exato entendimento. Na política, na música, na escrita, no desporto, na diplomacia ao serviço da vida e da liberdade”, acrescentou.

Esta cerimónia acontece 67 anos após a morte do antigo cônsul de Portugal em Bordéus.

Nascido em 19 de julho de 1885, na aldeia de Cabanas de Viriato, concelho do Carregal do Sal, Viseu, Aristides de Sousa Mendes morreu em abril de 1954, no Hospital Franciscano para os Pobres, em Lisboa.

Pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, Aristides assume funções como cônsul em Bordéus, França, onde viria a desobedecer às ordens vindas do Governo português liderado por António de Oliveira Salazar. Em 1939, Portugal emitiu uma diretiva apelidada de “Circular 14”, que condicionava a emissão de vistos aos refugiados por diplomatas portugueses, sem autorização prévia.

Aristides de Sousa Mendes salvou milhares de judeus e outros refugiados do regime nazi, emitindo vistos à revelia das ordens da ditadura – a maioria entre 12 e 23 de junho de 1940 - o que lhe valeu mais tarde a expulsão da carreira diplomática, acabando por morrer na miséria.

Em Portugal, em abril de 1988, a Assembleia da República decretou, por unanimidade, a reintegração, a título póstumo, na carreira diplomática do ex-cônsul em Bordéus, reconhecendo-se também o direito a indemnização reparadora aos herdeiros diretos.

O grupo de trabalho responsável por definir o processo de concessão de honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes foi constituído em outubro do ano passado, contando com representantes de todos os partidos (exceto Chega) e familiares do antigo cônsul.

Este grupo de trabalho surgiu no seguimento da aprovação, em julho de 2020, de um projeto de resolução proposto pela deputada não inscrita Joacine Katar Moreira – na altura ainda deputada do partido Livre.

A recomendação em causa – que não tem força de lei - pretende homenagear o antigo cônsul português na forma de um túmulo sem corpo, não implicando assim a habitual trasladação para o Panteão Nacional.

Desta forma, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira propunha que o corpo continue no concelho de Carregal do Sal (distrito de Viseu), terra onde nasceu e viveu Aristides de Sousa Mendes, preservando a importância cultural e económica que a presença do corpo tem no turismo da região.