"Porque ficaram comigo? Talvez porque eu precisasse de uma mãe, talvez porque precisassem de uma filha, talvez tivessem perdido os seus filhos, talvez por serem boas pessoas, talvez simplesmente tenha tido sorte. Não sei", declarou Rena Quint, agora com 84 anos, quatro filhos, 22 netos e 30 bisnetos.
Sentada ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa, no sofá de uma sala de hotel em Jerusalém, prosseguiu: "Só sei que tive seis mães e que só me lembro de duas. Das outras, incluindo a minha mãe biológica, não me lembro".
A sua história está contada no livro "A filha de muitas mães: a sua infância terrível e vida maravilhosa", que Rena Quint ofereceu ao Presidente da República e à secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro.
Antes, na mesma sala de hotel, o chefe de Estado conversou com outro sobrevivente do Holocausto, Haim Roet, nascido em 1932, em Amsterdão, que era o filho mais novo de uma família e escapou com o apoio da resistência holandesa, escondido numa aldeia, com outras crianças, com identidade falsa.
"Eu fui o último, eu fui o número seis, com três irmãos e duas irmãs. Isso é importante para a história da minha família", disse Haim Roet ao Presidente da República.
Mais tarde, a Cruz Vermelha juntou-o novamente aos pais, que também conseguiram sobreviver, e mudaram-se depois para Israel. Haim Roet é casado, com três filhos e oito netos, e iniciou o projeto evocativo "Para todas as pessoas que existem nomes", de recitação pública de nomes de vítimas judaicas do Holocausto.
Rena Quint, igualmente filha mais nova, teve uma história diferente: "Eu estive praticamente por conta própria entre os três e meio e os nove anos e meio. Eu sou a única sobrevivente da minha família".
No entanto, ressalvou: "Eu nunca estive sozinha. Estive sem o meu pai, sem a minha mãe, sem os meus irmãos, mas as pessoas sempre me ajudaram, e ainda ajudam. Não teria conseguido sozinha".
Nascida em Piotrklow, na Polónia, com o nome de Freida 'Freidel' Lichtenstein, quando os nazis invadiram a cidade, a sua mãe e irmãos mais velhos foram deportados para o campo de extermínio de Treblinka, onde foram assassinados.
Inicialmente, ficou com o pai num campo de trabalhos forçados, fazendo-se passar por um rapaz: "Como resultou, não sei". Depois, separou-se do pai, mas ele pediu a uma mulher, professora, que olhasse por ela.
Foi uma das suas "muitas mães" que a ajudaram nos vários lugares por onde passou, até à libertação do campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, onde foi encontrada viva, em abril de 1945.
A seguir à guerra, na Suécia, para onde foi levada com outros órfãos, teve "outra mãe", que lhe deu o certificado de nascimento e o nome da sua filha e a levou para os Estados Unidos da América.
"Acho que foi um anjo que Deus mandou, mas nos Estados Unidos da América ela morreu, depois fui adotada por uma família americana, por isso falo como uma americana", relatou Rena.
Residente em Israel desde 1984, tornou-se voluntária no Yad Vashem, o instituto para o estudo e a preservação da memória das cerca de seis milhões de vítimas do genocídio nazi e das numerosas comunidades judaicas destruídas durante esse período na Europa.
Considera-se sortuda pela vida que teve, pelo "homem maravilhoso" com quem se casou, e quando vê as imagens expostas no museu do Yad Vashem pensa: "Eu estava lá e não acredito, é difícil de acreditar. Como é que os alemães puderam fazer aquilo?".
"Espero que a minha mãe esteja a ver lá de cima que eu estou no Orient Hotel com o Presidente de Portugal, com pessoas de Portugal, que eu tenho filhos, netos e bisnetos, que falo inglês, que estou viva", afirmou Rena, perante Marcelo Rebelo de Sousa, no final do encontro.
"E, sabem que mais, também espero que Hitler esteja a ver lá de baixo. Ele pensava que nenhum homem, mulher ou criança sobreviveria, e aqui estamos nós. Em Israel, estamos vivos, somos livres", acrescentou, observando: "Estamos à espera de ter um Governo".
O Presidente da República espantou-se: "Ainda acompanha a política?". Rena Quint respondeu: "Certamente".
Por: Inês Lima (texto) e António Cotrim (fotos) enviados da agência Lusa
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