No encerramento da sessão solene de abertura do ano judicial, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa apontou o "prestígio social da justiça" como um dos cinco desafios deste setor e destacou as alterações remuneratórias aprovadas na anterior legislatura como "um passo significativo, embora limitado" nesse sentido.

"Alguns espíritos se chocaram com o ser possível a magistrados terem estatuto remuneratório superior ao de primeiro-ministro e mais próximo do de Presidente da República. Não consegui compreender o racional - como se diz agora - de tais perplexidades", declarou, sem mencionar ninguém.

O chefe de Estado sustentou que "não é possível, ao mesmo tempo, criticar o anterior estatuto dos magistrados por depreciar o seu papel social, e atacar o novo e, aliás, contido reajustamento por significar menorização de outros titulares de órgãos de soberania de base eletiva".

"No contexto vivido, valorizar as magistraturas ou, pelo menos, parcialmente as magistraturas, era premente. Ainda que sabendo que outras áreas de funções de soberania, como as Forças Armadas e as forças de segurança, ficariam expectantes perante mais acentuadas discrepâncias", acrescentou.

No caso dos titulares de órgãos de soberania eleitos, para o Presidente da República, "é indesejável o reajustamento" das suas remunerações em tempos como os atuais, que descreveu como "largamente incertos e de impossibilidade de elevação de estatuto generalizado de titulares de cargos ditos políticos".

"Os titulares de cargos políticos teriam e terão de esperar. Não por uma razão de clima popular adverso, razão essa tão do gosto de generalizações hoje mais correntes, nem em homenagem a sondagens de impopularidade, que essas têm chegado surpreende mas inequivocamente a todas as funções do Estado, mas porque o bom senso determinava que quem mais é sujeito pelo voto ao escrutínio popular mais deve dar o exemplo de contenção e comedimento", defendeu.

Na sua intervenção, de cerca de vinte minutos, o chefe de Estado realçou também a importância do "prestígio institucional" da justiça.

"Um Estado de direito democrático forte e virado para o futuro exige uma justiça que prime como valor, uma justiça que se afirme como sistema, e uma justiça que mereça respeito e consideração como protagonistas desse sistema. E para isso instituições e pessoas que as sirvam vistas como pilares de garantia da dignidade humana, da equidade, da certeza, da confiabilidade", disse.

No seu entender, "este desafio é o primeiro e basilar" para o setor judicial e um segundo desafio é "ir ajustando o sistema de justiça ao tempo e ao espaço em mudança acelerada", com "instituições diferentes ou instituições mais flexíveis".

"Terceiro desafio, necessariamente ligado a este, é o do prestígio social da justiça como sistema e como seus servidores na dimensão do respetivo estatuto funcional", prosseguiu.

O Presidente da República elencou como quarto desafio a "convergência dos parceiros da justiça" e como quinto desafio mudar "o modo como os portugueses a veem", para que passe a ser encarada como prioridade.

"É uma tarefa como a de Sísifo? É, tenho recordado amiúde. Vamos desistir dela? Não vamos. Dela desistir é desistir do Estado de direito democrático", concluiu.