Natural de Tronco, concelho de Chaves, onde nasceu há 71 anos, António Marto não enveredou pela advocacia, como a mãe, professora, desejava, nem pela carreira militar, como esperava o pai, guarda fiscal. O desejo de ser padre prevaleceu.

Quando, em junho de 2006, tomou posse como bispo da Diocese de Leiria-Fátima, uma colega de escola confidenciou que ‘Toninho’, como era tratado pelos mais próximos, punha-se em cima de uma mesa e com uma bolacha ‘Maria’ nas mãos a fazer o sinal da cruz. Tinha então uns 9 ou 10 anos.

Outra colega recordou nesta mesma ocasião que António Marto vestia um saiote branco da avó e imitava a homília como se estivesse a pregar.

Aos 10 anos, António Marto entrou no Seminário de Vila Real, tendo depois ingressado no do Porto.

Foi ordenado sacerdote em 1971, em Roma, para onde tinha ido estudar na Pontifícia Universidade Gregoriana, e um ano depois começou a investigação para o doutoramento como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, período durante o qual se cruzou com o cardeal Joseph Ratzinger, eleito papa em 2005 e hoje papa emérito.

Após um período em que se dedicou particularmente à formação e ao ensino, António Marto foi nomeado, pelo papa João Paulo II (1920-2005), bispo em novembro de 2000. No ano seguinte já era auxiliar na Diocese de Braga, onde esteve até 2004, ano em que assumiu a Diocese de Viseu.

Nesta diocese esteve cerca de dois anos, até Bento XVI o nomear para bispo de Leiria-Fátima, onde entrou em junho de 2006.

“Chego aqui com muita serenidade e alegria pela missão que me foi confiada”, disse na tomada de posse, ocasião na qual assumiu a importância do Santuário de Fátima, que queria afirmar como “centro de espiritualidade europeia e mundial”.

Quatro meses depois anunciou a alteração dos estatutos do santuário mariano, passando a instituição a ter a partilha de gestão com a Conferência Episcopal Portuguesa. No ano seguinte, outro marco, a abertura da Basílica da Santíssima Trindade.

Em 2010, quando passavam dez anos da beatificação dos videntes Francisco e Jacinta Marto, recebeu, em Fátima, o seu professor Bento XVI. E, em maio do ano passado, no centenário dos acontecimentos de Fátima, acolheu o papa Francisco, que canonizou os videntes Francisco e Jacinta Marto.

Das declarações públicas, sobretudo por ocasião das grandes peregrinações ao santuário, destacam-se as posições em defesa da vida – antes do referendo para a despenalização do aborto, em 2007, classificou este como uma “chaga social” – e no mês passado, quando a Assembleia da República se preparava para votar propostas para a despenalização da eutanásia, defendeu um debate “sereno, sério, esclarecido e esclarecedor, aprofundado e humanizador” sobre a matéria.

Antes, em 2011, quando a crise atingia o país, o futuro cardeal, vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, defendeu que Portugal precisava de uma nova cultura política que afastasse os privilégios partidários e criticou a “obsessão” da atribuição das culpas da crise.

Ainda internamente, a propósito do caso BES, o prelado referiu que “uma economia e uma finança sem ética pode levar à catástrofe e à ruína de um país de que são vítimas, sempre, primeiro os mais pequenos e os mais pobres”.

Já em agosto de 2015, quando se aproximavam eleições legislativas, afirmou que o seu voto era de que a classe política manifestasse que “verdadeiramente tem classe”, que “é capaz de uma política de excelência” que “não se deixa cair no populismo demagógico, na distração do ‘fait divers’”.

Por diversas vezes abordou a questão dos incêndios, sendo que dois meses volvidos sobre a tragédia de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, que provocou em junho de 2017 dezenas de mortos, defendeu ser “preciso despartidarizar" esta problemática, pedindo ao Presidente da República para garantir que o assunto não caia no esquecimento.

A nível externo, há a reter, também, os seus apelos recorrentes à paz em várias regiões do mundo, sobretudo no Médio Oriente, ou as críticas aos testes nucleares da Coreia no Norte, mas também pedidos para uma intervenção internacional face ao “drama” dos refugiados.

Quem com António Marto trabalha destaca a lealdade como uma das suas qualidades, relacionando-a com a nomeação para cardeal.

“Para D. António, a lealdade mais do que uma qualidade é um modo de ser, as suas amizades são construídas e preservadas por relações francas e leais. Os colaboradores sabem que podem contar com uma lealdade inquestionável do seu bispo. A sua nomeação para cardeal, pelo papa Francisco, estará relacionada, certamente, pela sua postura sempre clara e inequívoca de apoio às opções do Santo Padre”, disse à Lusa o padre Vítor Coutinho, chefe de gabinete do bispo e também vice-reitor do Santuário de Fátima.

Vítor Coutinho aponta, ainda, a “proximidade nas relações”, resultado de “uma personalidade marcada por uma humildade com raízes familiares e que sempre procurou manter”, e a fé, “ao mesmo tempo racional e afetiva”.

“Por formação académica tem necessidade de encontrar explicações razoáveis. No D. António, este lado racional convive pacificamente com uma vivência emotiva da fé, que lhe permite viver as diversas facetas da vida a partir de uma reflexão crente, marcada pela profundidade, e por uma esperança, que muitas vezes se exprime num saudável otimismo”, continuou o sacerdote, explicando que “conflitos estéreis, falsidade nas relações humanas, falta à palavra dada” são situações que aborrecem o novo cardeal que, no dia-a-dia, “custa-lhe lidar com a falta de pontualidade sem justificação”.

No dia em que foi conhecida a sua nomeação para cardeal, a 20 de maio, o prelado declarou-se envolvido na reforma da Igreja, que considerou necessária e para levar para a frente.

“Estou envolvido. Acho que era necessário e que é para levar para a frente. E mesmo quando me despedi dele [papa Francisco] aqui em Fátima, disse assim: ‘Santo Padre, a reforma da Igreja é para levar para a frente’. E ele disse-me: ‘Sim, é para levar para a frente’”, afirmou à Lusa o futuro cardeal.

António Marto vai integrar lista de portugueses que aconselham o papa

O bispo da Diocese de Leiria-Fátima é o mais recente português que vai aconselhar o papa Francisco no governo da Igreja Católica, integrando a lista outros cidadãos nacionais com esta tarefa.

O bispo Carlos Azevedo, delegado para os Bens Culturais do Conselho Pontifício da Cultura, considera que “nos últimos tempos nunca houve uma presença tão significativa de portugueses a colaborar com a Santa Sé”.

“Isso deve-se a uma consciência que o Sr. cardeal Saraiva Martins tinha da importância da língua portuguesa e de insistir que Portugal estivesse representado na Santa Sé”, disse à agência Lusa Carlos Azevedo, reiterando que “esta realidade se deve ao exemplo positivo e à insistência” daquele cardeal “com a Conferência Episcopal Portuguesa para que enviasse pessoas para trabalhar na Cúria”.

Sobre a nomeação como cardeal de António Marto, o delegado para os Bens Culturais do Conselho Pontifício da Cultura argumentou que esta “é uma questão pessoal do papa e não de país”.

Por seu turno, o chefe de gabinete do bispo de Leiria-Fátima, padre Vítor Coutinho, afirmou que o futuro cardeal “terá certamente oportunidade de aconselhar o papa, sempre que isso lhe for solicitado”, acreditando ser “provável que seja chamado para integrar alguma comissão no Vaticano”.

“Como cardeal será mais escutado e, nesse sentido, poderá ser mais uma voz portuguesa que chega mais longe no anúncio dos valores do Evangelho”, declarou Vítor Coutinho.

Dois antes da criação como cardeal de António Marto, na terça-feira, foi conhecida a nomeação do padre Tolentino Mendonça como responsável do Arquivo e Biblioteca do Estado da Cidade do Vaticano, numa decisão do papa Francisco considerada de “grande prestígio” para Portugal.

O poeta madeirense, que foi elevado a arcebispo, é atualmente consultor no Conselho Pontifício da Cultura.

Antes, em abril, o bispo José Avelino Bettencourt, que foi chefe do protocolo do papa, foi anunciado como núncio (embaixador) na Geórgia e Arménia, sendo o único português na carreira diplomática da Santa Sé.

Outros portugueses assumem cargos de relevo no Vaticano, como monsenhor António Ferreira da Costa, chefe de departamento na Secção dos Assuntos Gerais da Secretaria de Estado do Vaticano, ou monsenhor Mário Rui Oliveira chefe da chancelaria do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica.

O padre Saturino Gomes, da congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, é auditor do Tribunal da Rota Romana e monsenhor António Saldanha é adido na Congregação para as Causas dos Santos. Igual cargo tem o padre José Manuel Ribeiro, mas na Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.

Periodicamente deslocam-se a Roma para serem ouvidos nas respetivas áreas o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, membro da Congregação para o Clero, e o bispo da Diocese de Bragança-Miranda, José Manuel Cordeiro, que faz parte da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.

Nas mesmas circunstâncias estão o bispo auxiliar de Lisboa Nuno Brás Martins, membro do Dicastério para a Comunicação, e os professores catedráticos Pedro Barbas Homem (consultor da Congregação para a Educação Católica) e Lurdes Correia Fernandes, que faz parte do Comité Pontifício de Ciências Históricas.

Vivem em Roma em instituições eclesiais, mas não ao serviço do Vaticano, mas das suas congregações, da Conferência Episcopal Portuguesa ou do Estado Português, o padre jesuíta Nuno Gonçalves, reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, e o padre José Alfredo Patrício, reitor do Pontifício Colégio Português.

Monsenhor Agostinho Borges é reitor da Igreja de Santo António dos Portugueses e o padre Fernando Matos conselheiro eclesiástico da Embaixada de Portugal junto da Santa Sé.

Em Roma estão também religiosos e religiosas portugueses de diversas congregações que desempenham tarefas de caráter geral nos respetivos institutos, número que está em constante mudança.