A associação surgiu em 2016, quando um grupo de utentes, familiares e cuidadores de saúde sentiu falta de uma unidade fora do meio hospitalar que servisse como resposta para a reintegração na sociedade, o que acabou por se materializar em 2018, ano em que começou a desenvolver trabalho no terreno, depois de ser integrada no projeto social Habitus, da Câmara de São João da Madeira.

Neste momento, a associação que conta com três casos de sucesso em pouco mais de um ano, acompanha 34 pessoas e tem 20 em lista de espera, porque nem todos os que sofrem de doenças ou perturbações mentais podem integrar a Mentemovimento, sendo necessário passar por um processo de referenciação, uma das competências de Oriana Pinto, psiquiatra no departamento de saúde mental do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga (CHEDV) e sócia fundadora da instituição.

“Não orientamos para aqui [associação] pessoas que estão num estado agudo, desorganizadas do ponto de vista do pensamento, com instabilidade emocional ou em risco para si e terceiros. Quem vai para os cuidados continuados são pessoas que já passaram por fases assim e agora estão numa fase em que há necessidade de ver quais são as capacidades e competências que ficaram bloqueadas ou precisam de ser estimuladas, porque existe capacidade de recuperação”, disse.

Na tarde em que a Lusa visitou o espaço, os utentes participavam numa aula de expressão musical na qual criaram o postal de Natal para partilhar nas redes sociais. Há mais de meio ano na associação, Angelina Santos, de 45 anos, dedilhava na guitarra as notas de uma melodia natalícia, num regresso aos tempos em que a vida ainda não tinha dado “muitas voltas”.

“Tenho conhecido imensas pessoas, tenho tido muitas oportunidades a nível de espetáculos e convívios. Isso é muito bom para mim porque vivo sozinha, estou isolada. Estar aqui ajuda-me a ter um propósito para sair de casa. Queria ver se recuperava a vontade de pintar e voltar ao mundo das artes, aqui tenho conseguido isso”, afirmou.

Doente oncológica desde 2006 e desempregada desde então, a pintora autodidata saiu do Porto – onde chegou a realizar exposições – para se aproximar da família numa altura em que a saúde se deteriorou e deixou a pintura, de frequentar o meio e de “ter vontade”.

“Tenho recuperado o ânimo aos poucos. Não é à toa que saí de casa num dia como hoje, faço-o pelo convívio com as pessoas e a ajuda que me é fornecida aqui. [Problemas com saúde mental atingem] todas as pessoas e quase ninguém se apercebe. É um ato de coragem pedir ajuda. Estas associações como a Mentemovimento existem para nos ajudar, não é vergonha nenhuma procurar [ajuda]”, sublinhou.

Aulas de expressão musical e informática, exercício físico – como pilates ou expressão corporal – ou atividades culturais são algumas das ofertas da instituição, que faz ainda o acompanhamento individual de cada utente e também reuniões com famílias ou cuidadores.

“Através do projeto, temos a possibilidade de desenvolver oficinas sócio-ocupacionais com monitores. Estamos em constante modificação das atividades para ir ao encontro dos diferentes interesses e necessidades dos utentes”, disse Ana Ferreira, terapeuta ocupacional e monitora que faz o acompanhamento.

Há grupos terapêuticos, nos quais é lida uma notícia positiva e é feita uma análise e discussão sobre a mesma, grupos de relaxamento, que procuram dotar os utentes de diferentes estratégias e competências para lidar com a ansiedade e o stress, ou grupos de estimulação cognitiva e de psicoeducação para familiares.

“O grupo de psicoeducação multifamiliar surge da necessidade dos familiares ou cuidadores em terem um espaço privado para falarem sobre as suas fragilidades e fraquezas. Tentamos trazer algumas competências e estratégias para que possam ajudar no cuidado com o outro e com o próprio. Acontece, muitas vezes, os cuidadores ou familiares também ficarem doentes por causa da tarefa ser complexa e complicada”, explicou a psicóloga Inês Pimentel, responsável por este grupo e que compõe a dupla de monitoras.

A psiquiatra Oriana Pinto indicou que o objetivo é que esta seja “uma unidade socio-ocupacional para a comunidade”, “aberta aos cidadãos, independentemente de haver perturbações do foro mental”.

“A ideia é que isto funcione, não como um braço do departamento ou do hospital, mas como uma entidade autónoma e independente. É óbvio que tem de haver esta ligação [com o hospital], especialmente em situações com utentes ou cidadãos que estejam a ter acompanhamento em ambos os lados, mas tem de existir a noção de que esta estrutura funciona, independentemente e autonomamente, com um projeto próprio e integrado dentro daquilo que são os cuidados continuados”, apontou.

Apesar da fase embrionária, as responsáveis não escondem o objetivo a curto prazo de querer transformar a associação numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), de forma a garantir a estabilidade da mesma, mas, enquanto isso não acontece, vão continuar a promover ações de sensibilização nas escolas municipais e a desenvolver parcerias culturais.