O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) já está a otimizar procedimentos para fazer esta espécie de “diagnóstico cego”, que o investigador João Paulo Gomes diz ser o futuro nos laboratórios. O difícil, assume, é filtrar depois tudo o que se encontra.
“É uma metodologia extremamente fina de sequenciação, que tem como princípio básico a sequenciação cega. Temos uma amostra, por exemplo, uma amostra clínica de um hospital para o qual se desconhece (…) qual o microrganismo causador de determinada infeção, e é-nos pedida ajuda para, através da metagenómica, tentarmos perceber o que lá está e que possa ser o potencial causador dessa infeção”, explica o investigador.
Mas o que parece simples, acarreta enormes dificuldades: “É uma metodologia tão sensível que acaba por, de uma forma cega, de detetar mesmo tudo o que está presente nessa amostra. Não só os micróbios que possam ser os causadores da doença, como tudo o que seja contaminante: os micróbios que estejam no ar, ou os que estão a contaminar os reagentes”.
Diz que muitas vezes se identificam centenas de microrganismos numa amostra e que, depois, “é preciso fazer a distinção entre aquilo que possa ser o microrganismo causador da doença e o que está a mais”.
“Essa é a grande dificuldade”, nota, realçando que a metagenómica já deu provas de sucesso: “Conheço alguns exemplos, que envolvem inclusive crianças, em coma, para as quais se tentaram vários procedimentos de diagnósticos específicos, em que os médicos suspeitam de que se trata do vírus A ou a bactéria B, mas todos os testes falharam. Recorreram à metagenómica e conseguiram perceber (…) que uma determinada bactéria seria a causadora".
Foi a primeira metodologia usada para identificar o vírus da ‘monkeypox’: “Todos os grupos tinham alguma pressa em entender qual a sequência genómica do vírus monkeypox que estava a circular porque (…) há linhagens diferentes, o vírus evolui, e havia alguma pressa em perceber qual a sequência genética que estava a causar este surto mundial”, contou, acrescentando: “A técnica mais rápida era a utilização da metagenómica”.
Esta metodologia permitiu não só confirmar que o vírus estava lá, como também determinar a sequência genómica do vírus no seu todo. “Aliás, fomos os primeiros a fazê-lo”, lembra o investigador.
João Paulo Gomes, que coordena o Núcleo de Genómica e Bioinformática do Departamento de Doenças Infecciosas do INSA, explica que nem sempre é possível fazer um diagnóstico dirigido. “Isso apenas é possível quando há suspeita de se tratar do agente A ou B. Quando não sabemos o que procuramos isso não é possível”. E é aí que entra a metagenómica.
É numa máquina um pouco maior do que uma impressora que as amostras entram e ficam um a dois dias, por vezes, para que seja feita a leitura do que ali está. Resulta numa espécie de códigos, que têm depois de ser “arrumados”, como se de um puzzle se tratasse.
O investigador insiste que, por permitir identificar tudo o que está numa determinada amostra, “o resultado final é, por vezes, muito complexo e de difícil interpretação”.
E exemplifica: “Uma amostra biológica que seja colhida de uma ferida na pele, é uma amostra que não vem pura. Além de vir carregada de células humanas, vem também carregada de bactérias e de vírus. Vem carregada de coisas que estão a contaminar e que nada têm que ver com a causa da doença”.
Diz estar convencido de que esta metodologia será, daqui a oito ou 10 anos, “o grande teste de diagnóstico” que vai equipar os laboratórios mundiais e aponta os casos de sucesso já registados na literatura científica.
Por enquanto, tem dois entraves: “Ainda é um bocadinho cara”- “mas os preços descem todos os anos” - e a análise de computadores ”ainda não está avançada o suficiente para que possamos, de forma inequívoca, separar aquilo que interessa daquilo que está a contaminar”.
* Susana Oliveira / Lusa
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