No continente africano, houve um tempo em que os meteoritos, esses vagabundos corpos celestes que caem no nosso planeta, eram venerados e adornados como se fossem deuses, na crença de que protegeriam os humanos contra a fome e a guerra. Não resultou. Mais recentemente, houve quem acreditasse que eram uma dádiva divina, capaz de curar maleitas como o VIH/Sida, depois de ingeridos. Uma péssima ideia. No Médio Oriente, há suspeitas de que tenham ajudado a forjar a religião islâmica.
A descoberta, anunciada no início deste mês, fez furor por ser de outro mundo, literalmente. A suspeita já tem muitos anos, mas, de acordo com uma equipa de investigadores italianos e egípcios, já não restam mesmo dúvidas de que a adaga ornamental que estava no túmulo do faraó Tutankhamon, descoberto em 1922, é em grande parte feita de ferro, a que se juntam pequenas quantidades de níquel e cobalto. Ou seja, esta composição de elementos indica que o material a partir do qual se forjou a lâmina veio do espaço, na forma de um meteorito ferroso (um siderito) que caiu na Terra. Ao que parece, por volta do século XIII a.C. – Tutankhamon reinou entre 1332 e 1323 a.C. –, bem antes da Idade do Ferro, os antigos egípcios forjavam objetos a partir do pouco ferro meteórico que encontravam, dando-lhe uma grande importância ornamental.
Os hititas e os sumérios do Médio Oriente, povos contemporâneos dos egípcios de há 3500 anos atrás, também foram dos primeiros a ver a superioridade desta liga metálica extraterrestre, razão pela qual a chamavam de “fogo vindo do céu”. Por sua vez, a palavra egípcia para este tipo de ferro significava “raio do céu”, enquanto para os assírios o termo queria dizer “metal do céu”.
Para algumas tribos africanas, eram deuses de visita pela Terra
Do império romano, na Europa, aos índios Pawnee, na América do Norte, o que não faltam são relatos de civilizações que adoravam meteoritos como se estes fossem deuses, ou então dádivas enviadas por eles.
Em África também há muitos exemplos deste género. Um dos que está documentado é o do meteorito que caiu na região Leste do continente, a 6 de março de 1853. Foi num domingo à tarde que a tribo Wanika, que vivia na região litoral do atual Quénia, viu o céu ser cortado por uma brilhante bola de fogo. O meteorito, que pesava pouco mais de 500 gramas e tinha um aspeto cinzento e ferrugento, foi recolhido da cratera de impacto que se formou na zona de Duruma.
Os Wanika adornaram o objeto e construíram-lhe um templo, de modo a adorarem-no, pois acreditavam que ele era um deus caído do céu, uma entidade sagrada que iria proteger-lhes de todo e qualquer infortúnio.
Contudo, bastaram três anos para que começassem a mudar de opinião. Tudo começou com os ferozes guerreiros da tribo Masai, os quais devastaram as aldeias da região de Duruma e massacraram as suas populações, incluindo os Wanika. Como se isto não bastasse, seguiu-se um período de grande fome, com os anciães dos Wanika a concluírem que a pedra sagrada tinha perdido os seus poderes.
O antigo deus da tribo acabou por ser vendido a um grupo de missionários alemães. Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, um raide aéreo da British Royal Air Force dizimou por completo o Museu de Munique, dentro do qual estava exposto o meteorito. O objeto desapareceu tão depressa como apareceu na Terra.
Mais recentemente, a 14 de Agosto de 1992, centenas de minúsculos fragmentos de um meteorito caíram na cidade densamente povoada de Mbale, no Uganda. Os habitantes escutaram uma forte explosão, com o som a persistir no céu durante algum tempo, como se fosse o barulho de trovoada, e durante dois minutos foi possível ver um rasto de fumo branco e cinzento. A chuva de meteoritos atingiu uma vasta área, tendo atingido diversos edifícios e causado alguns feridos, embora sem gravidade.
Mais uma vez, a superstição veio ao de cima, com alguns residentes de Mbale a recolher os pedaços que encontravam e a ingeri-los, como se fosse um medicamento. Basicamente, acreditavam que tinham sido enviados por um deus com o intuito de os curar do VIH/Sida. Obviamente, o milagre nunca chegou a ocorrer.
No entanto, uma expedição científica conseguiu, nos dias seguintes, encontrar 48 marcas de impacto, provocadas por corpos que pesavam entre 27 quilogramas e 0,1 gramas. Ao todo, recolheram cerca de 426 pedras, as quais pesavam, no total, 108 quilogramas. Estima-se que muito mais tenha ficado por encontrar, pois acredita-se que meteorito inicial tinha uma massa de quase uma tonelada, mas, a 25 quilómetros de altitude, acabou por fragmentar-se e formar centenas de outros objetos, uns mais pequenos que outros.
A Pedra Negra do Islão é um meteorito?
Na cidade de Meca, na Arábia Saudita, podemos encontrar a Pedra Negra, uma das relíquias mais sagradas da religião de Alá, e que, supostamente, terá caído do céu. Os milhões de peregrinos que todos os anos aí afluem podem encontrá-la num dos cantos da Caaba (a ‘Casa de Deus’), uma estrutura cúbica à frente da qual os crentes rezam cinco vezes por dia. De acordo com a tradição islâmica, a Pedra Negra data da época de Adão e Eva, e, quando caiu do céu, era mais branca que o leite, mas os pecados da humanidade tornaram-na preta.
O objeto, sabe-se, já era reverenciada muito antes do nascimento do profeta Maomé e da fé que divulgou, encontrando-se dentro da Caaba juntamente com pedras sagradas de outras cores e centenas de ídolos. Só no ano de 605, após Maomé regressar a Meca e com a destruição dos ídolos existentes no interior da Caaba, é que tornou-se num dos principais símbolos de culto dos muçulmanos.
Nos séculos seguintes, foram vários os que a tentaram destruir, usando os mais variados métodos, mas acabou por ser um disparo de catapulta, durante um cerco à cidade em 683, a parti-la em 15 pedaços: uma moldura em prata foi depois forjada para os manter juntos. Em 930, uma seita herética roubou a relíquia, tendo sido recuperada 21 anos depois. Mas como é que sabiam que era a verdadeira pedra? Ao que parece, a Pedra Negra tem a singular característica de flutuar na água, pelo que bastou fazer o teste.
Para os cientistas, estes relatos históricos fornecem pistas suficientes para se tirarem algumas ilações sobre o objeto de culto. Assim sendo, e apesar de muitos, com base nos relatos míticos, o considerarem um meteorito, existem hoje em dia algumas dúvidas quanto à sua origem. Antes de mais, ele não pode ser de ferro, pois um siderito jamais se fraturaria. Mas também não pode ser um condrito (um meteorito rochoso), porque senão afundar-se-ia na água e não teria resistido aos milhões de mãos que nela já tocaram.
Elsebeth Thomsen, da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, propôs em 1980 que a Pedra Negra mais não é do que um impactito, um material formado a partir da fusão de areia terrestre com um corpo meteorítico, proveniente das crateras de Wabar, na Arábia Saudita (foram encontradas em 1932, por um coronel do exército britânico, enquanto procurava a mítica e perdida cidade de Ubar).
Os impactitos associados a estas crateras são porosos, o que lhes permite flutuar, e feitos de vidro duro, pelo que partem-se se lhes for desferido um forte golpe. Além do mais, têm cristais (vidros) brancos incrustados, o que bate certo com a lenda de que a Pedra Negra era inicialmente branca como o leite. Sendo assim, o que a terá levado a mudar de cor? Caso seja mesmo um impactito, essa alteração dever-se-á à acumulação de óleos provenientes dos beijos e mãos que acariciam o objeto, de forma contínua, há vários séculos.
Não obstante, a teoria de que não é um meteorito está longe de ser consensual. Para complicar tudo, alguns estudos indicam que as crateras de Wabar têm apenas alguns séculos, existindo outros que dizem que as marcas se formaram entre há 6.400 e 9 mil anos. O tira-teimas só será possível se a Pedra Negra for diretamente analisada, algo que, contudo, é capaz de não agradar aos crentes. Por agora, teremos de ficar pelas especulações teóricas.
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