O menino nasceu em Valença, Espanha, em 10 de agosto do ano passado, e com pai português e mãe italiana, tinha de ser registado num consulado.

Os pais quiseram que fosse português, para depois poder ter também nacionalidade espanhola, o que não aconteceria se fosse registado como italiano, por falta de acordos nesta matéria entre Itália e Espanha.

Logo após o nascimento do bebé, conseguiram marcar uma ida para outubro ao consulado de Barcelona, onde o pai está inscrito, mas os documentos da mãe que lhes pediram para levar não ficaram prontos a tempo: eram certidões que tiveram de ser pedidas em Itália e depois traduzidas, de forma certificada, segundo as regras especificadas pelas autoridades portuguesas.

Foi quando finalmente conseguem reunir todos os documentos que “começa a saga”, nas palavras do pai de Michele, António Martins, com 42 anos e há 17 em Espanha, à Lusa. Porque, ainda em outubro do ano passado, quando puderam pedir nova visita ao consulado em Barcelona, já não se podia fazer essa marcação por email, mas apenas através da plataforma criada pelo Governo português para os agendamentos em todos os consulados.

Apesar das tentativas diárias e constantes, entre outubro e fevereiro/março deste ano, António nunca conseguiu fazer qualquer agendamento.

Também enviou emails e acabou por ser contactado, telefonicamente, por uma pessoa em Lisboa, que lhe disse quais os documentos necessários para o registo da criança. No início de maio, deram-lhe a data de 28 de julho para ir ao consulado de Barcelona, com o alerta de que depois havia ainda “dois a seis meses” até uma resposta.

“Já desesperados, falámos com um advogado português”, explicou António Martins. Para os pais, contou, a perspetiva de ficar ainda tanto tempo com um filho apátrida era assustadora: a criança já tinha adoecido e foi atendida numa urgência, que tiveram, porém, de pagar, e a partir daí não tinha direito a assistência médica pública, como visitas ao pediatra, medicamentos comparticipados ou vacinas, que tiveram sempre de pagar.

O advogado aconselhou os pais a tratarem do processo em Portugal, o que fizeram, com a ajuda da mãe de António Martins, que primeiro tentou fazer o registo do bebé, mas os serviços disseram que neste caso tinha de fazer antes um pedido de nacionalidade para Michele.

Para este processo, não conseguiram agendar atendimento na região de Lisboa, onde vive a mãe de António Martins, que entregou a documentação no Arquivo Central do Porto, em meados de junho.

A partir daqui, não conseguiam ter informações sobre o andamento do processo, nem online, como era suposto, nem por mail, nem por telefone.

Uma notária amiga da família teve mais sorte e disseram-lhe, por email, que os pedidos de nacionalidade ficam todos na mesma fila de espera e têm resposta por ordem de entrada. Ainda assim, podem ser feitos “pedidos com urgência”, o que a notária fez, via email, invocando a situação de apátrida do bebé, mas a resposta foi que não encontravam o processo e, depois, o silêncio.

Numa ida ao Algarve de carro, e com a ajuda de funcionárias dos Registos de Vila Real de Santo António, que se sensibilizaram com o caso, os pais conseguiram localizar o processo e confirmar, no início de agosto, que não estava perdido, mas mais nada.

Foi no regresso a Valência que António Martins denunciou o caso no Twitter, há menos de uma semana, e entre as muitas mensagens “de tanta gente com as mesmas razões de queixa”, com “processos de anos por resolver”, recebeu uma de uma pessoa que trabalha no Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), em Portugal, que lhe explicou que os pedidos de nacionalidade urgentes “só podem ser feitos por carta registada”.

Foi isso que António Martins fez na sexta-feira passada, quando enviou essa carta, que chegou ao arquivo central do Porto na terça-feira, véspera do dia em que a sua mãe recebeu uma chamada a dizer que tinha sido concedida a nacionalidade portuguesa ao neto.

“Um ano e 14 dias depois de nascer, o meu filho deixou de ser apátrida e menos de uma semana depois de ter feito a publicação no Twitter”, disse António Martins, que não sabe se isso se deveu ao processo que já estava em curso, à carta registada com o pedido urgente ou à exposição que teve a publicação no Twitter em meios de comunicação social.

Aquilo que sabe é que tem a sensação de ter vivido um processo “desesperante” em que aquilo que mais o chocou foi “o desprezo absoluto pelos utentes, ninguém atende um telefone, ninguém dá uma informação”.

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