“Sobre os acontecimentos de quarta-feira no Capitólio em Washington usaria as mesmas palavras do Presidente eleito Joseph Biden, um ataque sem precedentes às instituições democráticas da América”, indicou Augusto Santos Silva no decurso de uma conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo turco Mevlut Çavusoglu, na fase final da sua deslocação oficial a Lisboa.

“Felizmente, as instituições da América derrotaram esse assalto, a vitória de Biden foi confirmada pelo Congresso, de acordo com a Constituição e a lei dos Estados Unidos. O que aconteceu ontem em Washington foi um episódio muito triste, mas foi objetivamente ultrapassado pelo Presidente eleito”, prosseguiu o chefe da diplomacia portuguesa, que também sublinhou “um ponto de viragem nas relações entre a União Europeia e os Estados Unidos”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia revelou a “preocupação” com que o seu Governo seguiu os acontecimentos na sequência da invasão do Congresso por apoiantes do Presidente cessante Donald Trump, com um balanço de quatro mortos e dezenas de feridos e de detenções.

“Ficámos verdadeiramente preocupados, não apenas para nós mas também para a Europa e o mundo, no final prevaleceu o bom senso e estamos satisfeitos por ser garantida uma transição suave do poder em 20 de janeiro”, indicou Mevlut Çavusoglu, que na sua deslocação também se reuniu com o primeiro-ministro António Costa.

Na agenda dos diversos encontros, destacaram-se a relações bilaterais, incluindo no plano económico e comercial, e a agenda europeia e internacional, em particular a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, e a relação entre a UE e a Turquia. Neste âmbito, terá ficado assente a realização em 2021 da 2.ª Cimeira intergovernamental Portugal-Turquia, cinco anos após a primeira iniciativa.

A situação de tensão no Mediterrâneo Oriental e o rescaldo do conflito no Cáucaso do Sul entre o Azerbaijão e a Arménia, dominaram o período de perguntas e respostas, sempre em inglês.

Mevlut Çavusoglu assegurou que a Turquia está empenhada numa “partilha” equitativa dos recursos do Mediterrâneo, mas lamentou que diversos países da União Europeia (UE) que integram o Conselho do Mediterrâneo Oriental, “incluindo a Grécia e alguns outros, ignorem a Turquia e os direitos dos cipriotas turcos, tenham excluído a Turquia de todas as iniciativas”, apesar de Ancara se demonstrar “muito paciente”.

“Após sermos excluídos, iniciámos as nossas próprias atividades legítimas”, numa referência à suas ações de prospeção de hidrocarbonetos nas plataformas continentais que são reivindicadas pela Grécia, e pela República de Chipre, a ilha dividida desta região estratégica.

“E também protegendo os direitos dos cipriotas turcos”, justificou, numa alusão à autoproclamada República Turca de Chipre do Norte (RTCN), apenas reconhecida por Ancara.

O governante turco criticou a “escalada vinda da UE em nome da famosa solidariedade europeia”, que implicou a aplicação de diversas sanções a Ancara, mas ressalvou “uma nova oportunidade para o diálogo” com todos os países da região.

“A Turquia propôs uma conferência multilateral sobre o Mediterrâneo Oriental, partilhámos as nossas ideias e propostas com Josep Borrell [Alto Representante da UE para a Política Externa] e todos os países da região deveriam participar, não apenas do Mediterrâneo Oriental, e os países que possuem empresas no Mediterrâneo Oriental”, recordou.

Nesta perspetiva, confirmou o prosseguimento dos contactos com a UE, com o objetivo de “alcançar um entendimento e garantir um eventual acordo ou uma partilha igualitária entre todos os Estados”.

Numa referência ao bloqueio das negociações sobre o problema de Chipre e as perspetivas de reunificação da ilha, Çavusoglu argumentou com “as negociações que mantivemos durante 52 anos sobre um projeto de federação, os diversos planos, e todos foram rejeitados pelos cipriotas gregos”, e admitiu a solução de dois Estado separados, em oposição a uma federação bicomunal e bizonal, defendida pela ONU e pela liderança da República de Chipre (a “parte grega” a ilha) e Estado-membro da UE.

“A solução de dois Estados não é apenas a nossa ideia. Foi inicialmente proposta pelo líder cipriota grego [o atual Presidente] Nikos Anastasiades, que defendeu por diversas vezes a solução de dois Estados”, asseverou, para reafirmar que os cipriotas gregos “não querem partilhar” nada com os turcos.

“Será necessário concordar naquilo que vamos negociar. Por isso propus um encontro informal 5+1 [as três potências garantes, Turquia, Grécia e Reino Unido, a liderança cipriota grega e os líderes cipriotas turcos, e ainda as Nações Unidas], a ONU concordou, e onde veremos se existem bases para as negociações”, disse.

Numa referência ao recente conflito entre a Arménia e o Azerbaijão em torno do enclave arménio do Nagorno-Karabakh, o chefe da diplomacia de Ancara não escondeu o “apoio” fornecido a Baku, apesar de desvalorizar cumplicidades históricas.

“Apoiámos o Azerbaijão não por sermos uma nação e dois Estados, mas porque tinha um direito legal e moral. Os territórios azeris estavam sob ocupação há mais de três décadas, e o grupo mediador de Minsk não conseguia resolver este problema”, sustentou.

Após recordar que o Azerbaijão “venceu a guerra”, garantiu que “não necessitaram de um grande apoio da Turquia, foram suficientemente fortes para recuperar os seus territórios”, mas manifestou disponibilidade “para qualquer tipo de acordo”.

“Agora, existe um cessar fogo entre o Azerbaijão, Rússia e Arménia, que apoiamos, a Federação da Rússia deslocou uma missão de manutenção da paz, e após o acordo existe a possibilidade em aplicar as decisões sobre o centro de observação conjunto, e o seu objetivo é observar o cessar-fogo”, prosseguiu.

“Espero que desta vez a Arménia não viole o cessar-fogo e respeite todos os acordos, para a normalização nas nossas relações, e garantir uma paz duradoura no Cáucaso do Sul”, salientou.

As relações entre a Turquia e a Rússia e a sua disputa de áreas de influência regionais mereceu uma resposta pragmática do ministro turco.

“Na Síria, a Rússia e a Síria têm estado em campos opostos, mas temos trabalhado em conjunto. Também na Líbia, onde a Rússia apoia [o marechal rebelde Kalifa] Haftar, e nós estamos envolvidos com o Governo legítimo. Mas trabalhamos em conjunto, para garantir a paz, um cessar-fogo na Líbia. No Nagorno-Karabakh, também trabalhamos em conjunto para garantir o cessar-fogo”, destacou.

Já o ministro dos Negócios Estrangeiros português, e numa referência à situação nessas regiões em disputa, frisou a função particular da diplomacia portuguesa — e quando Portugal assume até finais de junho a presidência semestral do Conselho Europeu.

“Somos bons ouvintes e queremos escutar as diversas perspetivas, para compreender a situação. No que diz respeito ao Nagorno-Karabakh, também apoiamos o cessar-fogo para que o assunto seja resolvido em termos políticos. No século XXI, não é aceitável que as nossas divergências sejam resolvidas pelo uso da força que provoque milhares de baixas”, defendeu.

Uma posição idêntica face ao conflito na Líbia, com um “apoio ao cessar-fogo e a perspetiva das Nações Unidas”, e na região do Mediterrâneo Oriental.

“Em relação ao Mediterrâneo Oriental, exprimimos a nossa solidariedade com os Estados-membros da UE, mas estamos muito contentes em observar os passos positivos já adotados e que vão prosseguir, e que permitirá aos líderes da UE que se reúnem em março, ao abordarem a situação no Mediterrâneo Oriental, concluírem que é possível garantir uma agenda positiva e a estabilidade e segurança nessa região”, assinalou ainda Augusto Santos Silva.

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