Em resposta hoje à Lusa, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma “a existência do inquérito” resultante de uma participação da PSP de Matosinhos, acrescentando que o mesmo se encontra em investigação.
No dia 01 de março, a PGR tinha já confirmado estar a investigar a atuação daquela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) para averiguar as denúncias de alegados maus-tratos apresentadas, em fevereiro, por um grupo de sócios que afirmam que os “maus-tratos nunca deixaram de acontecer”, situação que é também do conhecimento da Segurança Social, dizem, há mais de um ano.
A PGR não esclarece, contudo, se existem outros inquéritos abertos à atuação do Lar do Comércio.
Já a Câmara de Matosinhos, a quem foi perguntado se tem conhecimento destas denúncias, revelou hoje que desde 2020 “recebeu 38 queixas, proferidas por 32 pessoas”, tendo as mesmas sido “transmitidas ao MP”.
Num esclarecimento adicional, a autarquia detalhou que do número total, 12 queixas, proferidas por sete pessoas, foram apresentadas entre 2021 e 2023.
Naquele ano, mais de 100 idosos daquela instituição foram infetados com covid-19, 24 dos quais acabaram por morrer. A atuação do lar levou o MP a abrir um inquérito já em fase de julgamento onde o antigo presidente da direção e a ex-diretora de serviços respondem por 67 crimes de maus-tratos por situações ocorridas entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020.
Também o inquérito, confirmado hoje à Lusa pela PGR, resulta de uma participação da Divisão de Matosinhos da PSP que, após ter recebido, em julho de 2022, denúncias acerca daquela instituição, elaborou um “Auto de Notícia por crimes contra a integridade física, nomeadamente crimes de maus-tratos, sendo o expediente remetido para a Autoridade de Saúde de Matosinhos, Instituto de Segurança Social e Ministério Público do Tribunal de Matosinhos”.
Na denúncia enviada às autoridades policiais e a que a Lusa teve acesso, o denunciante, familiar de uma utente que morreu infetada por covid-19 pede que “se acabe de uma vez por todas” com “os poucos cuidados de saúde”, com “os maus-tratos”, a “falta de higiene que é alarmante”, a “desorganização constante e o mais importante a desumanização deveras atroz” que se “verifica no Lar do Comércio”.
Na missiva dirigida à PSP, o denunciante afirma ainda que a instituição é avisada das visitas das entidades de fiscalização, acrescentando que desde que são empresas externas ao lar a garantir alguns serviços que houve “agravamento das condições dos utentes, pois a maioria das pessoas que estas apresentam não tem formação na área de geriatria e tratam os utentes como coisas”.
Já este ano, em janeiro, o autor da denúncia relatava que, “além de existirem inúmeros casos de COVID 19 no Lar do Comércio, os utentes desde há duas semanas, que também não tomam banho adequadamente, dado que o problema da Legionella ainda não se encontra resolvido”
“Os supostos ‘chuveirinhos portáteis’ que oportunamente arranjaram para resolver a situação, ficaram como definitivos”, dizia, acrescentando que os mesmos avariaram-se, passando os idosos a “tomar banhos na cama e [a ser] lavados com esponjas à Terceiro Mundo, por funcionários que nada percebem de geriatria e nem competências têm para exercer essa atividade”, o que considera “lamentável”.
Pedidos esclarecimentos adicionais à PSP, a autoridade policial indicou não ter competências de atuação nesta matéria, pelo que comunicou os factos às entidades competentes – Segurança Social, Autoridade Local de Saúde e Ministério Público - que, essas sim, podem solicitar, se assim o entenderem, a colaboração da Polícia de Segurança Pública.
Confrontadas com estas denúncias, até ao momento, apenas a Segurança Social e o Ministério do Trabalho e da Segurança Social não responderam às questões colocadas pela Lusa.
Já a Autoridade de Saúde Local indicou que por ser testemunha em tribunal num processo que envolve o lar em causa, não é “adequado”, nesta fase do processo, “prestar qualquer declaração sobre este assunto”.
Na semana passada, utentes e funcionários denunciaram que há idosos com lugar vitalício a abandonar, perante ausência de condições, a instituição apelidada por alguns funcionários de “casa fantasma” e onde, dizem, se está “a morrer aos bocados por falta de cuidados”.
Confrontado com estas acusações, o Lar do Comércio assegurou serem “falsas e execráveis ultrajes” as acusações de maus-tratos, dizendo tomar todas as medidas para assegurar que “os utentes são bem tratados”.
Na quarta-feira, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) confirmou à Lusa ter realizado uma ação inspetiva às instalações do Lar do Comércio, indicando apenas que “não foi detetada qualquer inconformidade” no âmbito das suas competências.
Segurança Social realizou 58 visitas e uma inspeção ao Lar do Comércio desde 2020
A Segurança Social garantiu hoje que faz acompanhamento técnico de continuidade ao Lar do Comércio, que tem vindo a ser acusado de maus-tratos aos utentes da instituição, adiantando que, desde 2020, foram realizadas 58 visitas e uma ação inspetiva.
“Em setembro de 2022, a Segurança Social realizou uma ação inspetiva ao ‘O Lar do Comércio’. Desta ação, foi elaborado relatório que foi remetido ao Ministério Público”, indica a entidade responsável pela fiscalização aos lares de idosos.
Além da ação inspetiva, acrescenta-se na resposta à Lusa, que “a Segurança Social procede a acompanhamento técnico de continuidade, tendo, neste âmbito, desde 2020, realizado 58 visitas à instituição “O Lar do Comércio”.
O instituto público nada diz, contudo, sobre as conclusões destas visitas ou da ação inspetiva, ou sobre eventuais ações a realizar na sequência das denúncias de maus-tratos conhecidas na semana passada e que levaram o Ministério Público a instaurar um inquérito à atuação do Lar do Comércio.
Por estar em investigação, a Segurança Social escusa-se a comentar a denúncia de um grupo de sócios daquela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que afirma que os “maus-tratos nunca deixaram de acontecer”, - situação que comunicaram ao próprio instituto há mais de um ano – salientando que “não se pronuncia sobre processos em investigação criminal”.
(Notícia atualizada às 20h38)
Comentários