1 de dezembro de 1948. Um homem foi encontrado deitado de costas na areia, em Somerton Beach, em Adelaide, Austrália, com a cabeça e os ombros apoiados no paredão. Tinha cerca de 1,80m, idade entre os 40 e 50 anos, estava elegantemente vestido e calcava sapatos recém-engraxados.

Na manhã desse dia, duas pessoas que corriam pela praia tropeçaram no corpo — mas várias outras descreveram ter visto alguém com uma descrição semelhante na noite anterior, também ali deitado. Nessa altura, disseram, viram um braço mexer, pelo que não houve necessidade de chamar a polícia.

“Ele estava deitado num lugar bastante público, não era o tipo de lugar que um homem provavelmente escolheria se quisesse ir para um sítio morrer em silêncio", disse a testemunha Olive Neill, de acordo com as notas datilografadas e amareladas do inquérito de 1949.

Contudo, estava iniciado o mistério, conta a CNN. Quem era o homem? Não havia documentos, sinais de violência e a autópsia não ajudou a desvendar aquela morte — mas três testemunhas médicas disseram que esta não era natural.

Os detetives colocaram em hipótese o consumo de um veneno tão raro que poderia matar rapidamente e desaparecer sem deixar vestígios, já que nenhuma substância foi encontrada no seu organismo.

"Acho que a causa imediata da morte foi a insuficiência cardíaca, mas não posso dizer qual o factor que a causou", disse Robert Cowan, analista químico do governo que examinou amostras retiradas do corpo.

Analisado o corpo, Paul Lawson, um taxidermista que foi solicitado para o embalsamar — para a polícia ter tempo de chegar a conclusões e ser elaborada uma máscara de gesso para ficar um registo para identificação futura —, chegou a curiosas conclusões. "Os seus pés tinham características bastante marcantes, sugerindo que tinha o hábito de usar sapatos de salto alto e pontiagudos", disse, frisando que os músculos das pernas eram "altos e bem desenvolvidos, como os encontrado nas mulheres".

Por isso, alguns sugeriram que o homem pode ter sido um dançarino, um comerciante do mercado negro, um marinheiro ou até mesmo um espião. Também não se sabia a sua nacionalidade: algumas pessoas disseram que se parecia com um britânico, apesar de as suas roupas serem claramente americanas.

Agora, investigadores australianos querem recuperar a investigação e trazer respostas quanto ao caso do homem, conhecido por Senhor S ou Senhor Somerton, devido ao local em que foi encontrado o cadáver.

O professor da Universidade de Adelaide, Derek Abbott, ouviu falar do homem de Somerton pela primeira vez em 1995 e passou vários anos a pedir para que o corpo fosse exumado, de forma a que os cientistas pudessem analisar o seu ADN e determinar a sua identidade.

A exumação do corpo aconteceu no mês de maio, no cemitério West Terrace, onde o Senhor Somerton foi enterrado em 1949, junto a uma lápide onde se lê "o homem desconhecido".

No local, o detetive Des Bray disse a jornalistas que a exumação era muito mais do que fechar o arquivo de um dos casos mais intrigantes da Austrália. "É importante que todos recordemos que o homem de Somerton não é apenas uma curiosidade ou um mistério a ser resolvido. É o pai, filho, talvez avô, tio ou irmão de alguém, e é por isso que estamos a fazer isto e a tentar identificá-lo".

"Há pessoas que conhecemos, que moram em Adelaide, e que acreditam que podem ser parentes", disse. "E eles merecem uma resposta definitiva".

Entre essas pessoas está a esposa de Abbott, Rachel Egan, que o professor conheceu após lhe ter enviado uma carta explicando o que o levava a pensar que ela poderia ser a neta do Senhor S. Um único jantar dominado por conversas sobre morte e ADN acabou por resultar em casamento e três filhos — e agora todos esperam para descobrir finalmente a identidade do homem misterioso.

"Quer ele seja parente de um de nós ou não, meio que o adotámos na nossa família, porque foi ele que nos uniu", disse Abbott. "A causa da morte dele não é mais o que interessa. É mais sobre quem era ele e podermos devolver-lhe o nome".

Os restos mortais do Senhor Somerton estão atualmente no laboratório Forensic Science SA, em Adelaide, onde os cientistas estão a determinar a melhor maneira de os analisar, recorrendo ao ADN para tentar encontrar respostas. Contudo, a investigação será agora um processo complicado, devido ao tempo que os restos mortais passaram no solo e também pelo processo de embalsamamento.