Ao quarto dia de incêndio, as chamas alastraram-se a Silves e começaram a dirigir-se para o Pico da Fóia, o ponto mais alto do Algarve, a poucos quilómetros da vila, apanhando pelo caminho a habitação do casal, em Corte Pereiro.

Apesar de não ter destruído a casa, o fogo propagou-se ao telhado através das altas árvores que rodeiam o terreno, despindo a cobertura da casa e acabou por destruir por completo o anexo onde estavam guardados mantimentos para o inverno, máquinas e alfaias agrícolas.

"Ninguém sabe o que estamos a viver. Levámos uma vida a trabalhar e tínhamos tudo em condições", lamenta Maria Francisca Martins, que diz que desde o incêndio "nunca mais dormiu uma noite em condições".

Logo após o fogo, o casal ainda arriscou dormir umas noites em casa, mas as condições de habitabilidade pioraram e passou a ser impossível ficar lá. Desde que começou a época das chuvas a situação agravou-se, pois chove "em todo o lado".

"Foi pior a chuva agora do que o fogo. O meu marido e o meu genro taparam a casa com plásticos, mas aquilo vai-se tirando e a casa vai rachando. Não tivemos a ajuda de ninguém", desabafa.

A habitação do casal de sexagenários integra o grupo de 52 elegíveis para a obtenção de apoios, mas até agora nada chegou e a angústia vai aumentando à medida que a casa se vai degradando por falta de proteção no telhado.

créditos: LUÍS FORRA/LUSA

"A câmara diz que está à espera, mas nunca mais serve de nada. Pensava que iam fazer alguma coisa", lança Vitorino Inácio.

Enquanto a ajuda para apoio à reconstrução não chega, o casal está a arrendar uma pequena casa a um quilómetro dali, mas é na sua casa que passam a maior parte dos dias, onde deixaram os cães e onde têm grande parte dos seus bens.

Maria Francisca e Vitorino são uma das 66 famílias que estão a ser apoiadas pela Loja Social do município, que presta ajuda alimentar e assegura outros bens não só às vítimas do incêndio como a outras famílias com graves carências económicas.

"A Loja Social começou por apoiar só as vítimas do incêndio, mas depois, devido ao excesso de bens, começámos também a apoiar algumas famílias que têm graves carências económicas", explica à Lusa a vice-presidente da Câmara de Monchique.

Ali, as pessoas podem ir buscar roupa e calçado, todo o tipo de alimentos, produtos de higiene e medicamentos não sujeitos a receita médica, pequenos eletrodomésticos, louças e até mobílias.

Segundo Arminda Andrez, quem teve perda total das habitações poderá depois ter acesso a mobiliário e eletrodoméstos novos, através da Cáritas.

Para quem teve apenas perda parcial, sem direito a apoios, existe ainda a possibilidade de usar materiais de construção doados por empresas nacionais que a autarquia tem armazenados nos seus estaleiros.

Mas a ajuda não chega só de Portugal: desde o início do fogo que um grupo de famílias se uniu na Bélgica e tem enviado remessas de roupa e outros bens em camiões para apoiar as vítimas do incêndio.

Reconstrução de casas em Monchique permanece num impasse seis meses depois 

A reconstrução das casas danificadas ou destruídas no grande incêndio de Monchique, há seis meses, permanece num impasse, havendo casos em que é obrigatório apresentar projetos de arquitetura, o que está a atrasar o processo.

Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara de Monchique reconhece que "o maior problema" é que o grau de destruição de algumas casas está a obrigar a ir além de uma simples reconstrução e a apresentar um conjunto de projetos, que depois ainda têm de ser submetidos a apreciação pelas entidades envolvidas.

"Uma reconstrução mal feita, sem um projeto de estabilidade, pode ser mais rápido, mas pode perigar a vida das pessoas que habitem nessa casa", alerta Rui André, que diz ser preferível que as pessoas façam, pelo menos, os projetos de arquitetura e de estabilidade.

Outro das preocupações do autarca do distrito de Faro tem a ver com um decreto-lei publicado em janeiro que estipula, para a implantação das casas, uma distância mínima de 50 metros do terreno florestal confinante, critério que levou o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) a dar parecer negativo a metade das 52 habitações elegíveis aos apoios.

No entanto, segundo Rui André, boa parte das pessoas que viram as suas casas destruídas ou danificadas nos fogos do ano passado estão "conscientes" de que "é preferível perder algum tempo e fazer as coisas bem feitas do que cometer os mesmos erros cometidos nos incêndios de 2017".

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A construção de casas com materiais mais resilientes, para fazer face aos incêndios, mas também a outras catástrofes naturais, é um dos objetivos da autarquia, que quer lançar um concurso nacional para a criação de um projeto modelo e está a promover a criação de uma bolsa de arquitetos.

"Temos vontade em avançar com um protocolo [com a Ordem dos Arquitetos], já aprovado em reunião de câmara, com o objetivo de criar uma bolsa de arquitetos que possa dar apoio na reconstrução das casas", referiu, esperando que isso possa ajudar a facilitar os processos e a baixar os preços dos projetos.

A Câmara está agora empenhada em fazer a limpeza das bermas e também na criação de faixas de interrupção de combustível, trabalho que está a ser dificultado por alguns proprietários se recusarem a deixar passar as faixas nos seus terrenos e também por objeções das empresas de celulose, que não permitem o corte de árvores.

Maior fogo de 2018 foi em Monchique há seis meses e lavrou oito dias

O verão de 2018 ficou marcado pelo grande incêndio de Monchique, o maior registado no ano passado em Portugal e que durante uma semana não deu tréguas aos bombeiros, consumindo mais de 27 mil hectares de floresta e terrenos agrícolas.

O fogo, que deflagrou há seis meses, em 03 de agosto, na zona da Perna Negra, em Monchique, alastrou primeiro para o Alentejo, tocando o concelho de Odemira (distrito de Beja), sem grande impacto, e logo depois, com mais violência, para Silves e Portimão (distrito de Faro), destruindo ao todo 74 casas.

Aquela área do barlavento (oeste) algarvio já tinha sido castigada por um grande incêndio 15 anos antes, em 2003, mas as consequências do fogo foram significativamente maiores em 2018, com unidades hoteleiras e várias localidades a serem evacuadas, 52 famílias desalojadas e 41 feridos.

Ao longo de uma semana as equipas de socorro direcionaram os esforços para o combate às chamas e salvaguarda das vidas humanas, para evitar mortes como as registadas em 2017 nos incêndios que afetaram o centro do país.

Ao quinto dia de incêndio, as operações passaram a ter coordenação nacional, na dependência direta do comandante nacional da Proteção Civil, depois de terem estado sob a gestão do comando distrital.

As chamas, combatidas por mais de mil operacionais, com a ajuda de helicópteros e outros meios aéreos espanhóis, obrigaram à evacuação de pelo menos três unidades hoteleiras e provocaram 41 feridos, 22 dos quais bombeiros, a maioria devido a inalação de fumos.

Ao oitavo dia de chamas, quando o incêndio foi finalmente considerado controlado, o primeiro-ministro, António Costa, deslocou-se a Monchique para anunciar a elaboração de um programa de reordenamento económico da serra, coordenado pelo município.

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No dia seguinte, em 11 de agosto, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, percorreu várias das zonas afetadas pelos incêndios e propôs uma comissão independente e permanente sob a alçada da Assembleia da República para fazer a avaliação da época de incêndios.

De acordo com o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais (EFFIS), foram consumidos 27.635 hectares de floresta e de terrenos agrícolas, o que correspondeu a 75% dos 36.897 hectares de área total ardida em 2018 em Portugal.

No concelho vizinho de Silves, a área ardida rondou os 10 mil hectares, essencialmente explorações suinícolas e de pecuária, e atingiu o Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, obrigando à retirada de 29 felinos para Espanha.

Segundo as participações feitas por produtores e proprietários à Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, o fogo deixou mortos ou feridos 1.657 animais para criação e um número indeterminado de animais selvagens.

Para restabelecer o potencial agrícola e produtivo, o Ministério da Agricultura anunciou um pacote de ajudas no valor de cinco milhões de euros, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020.

O Governo anunciou igualmente um pacote de 2,3 milhões de euros para a recuperação das habitações e realojamento das 95 pessoas afetadas pelo fogo, no âmbito do programa Porta de Entrada, gerido pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

Contudo, seis meses depois, a recuperação de casas ainda não se iniciou, havendo 52 habitações elegíveis a apoio e tendo sido recebidos, até ao final de janeiro, 17 processos com pedidos de apoio.

Produtores florestais reclamam mais dinheiro na serra de Monchique

Os produtores florestais consideram que os 600 euros por hectare disponibilizados para a reposição do potencial florestal das áreas atingidas pelo incêndio de agosto de 2018 em Monchique “são insuficientes e muito aquém do necessário”.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação de Produtores Florestais do Barlavento Algarvio (ASPAFLOBAL), Emílio Vidigal, considerou que as verbas “atribuídas a pequenos projetos através do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 não pagam o custo da operação, que ronda os cerca de dois mil euros por hectare”.

“As verbas são insuficientes e o processo é extremamente burocrático, o que nos levou a pedir a prorrogação do prazo para a apresentação das candidaturas”, justificou.

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O prazo para a apresentação das candidaturas ao Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) para apoio aos produtores florestais terminava em 31 de janeiro, mas foi prorrogado até ao final do mês de fevereiro.

O presidente da ASPAFLOBAL indicou que já foi explicado “várias vezes ao Governo que os dinheiros disponibilizados por hectare são insuficientes e não são atrativos para que os produtores apresentem candidaturas para cortar a madeira queimada e fazer plantações com outras espécies mais resistentes ao fogo”.

Segundo Emílio Vidigal, neste momento a associação tem concluídas 20 candidaturas, prevendo-se um total de 30 até ao final do mês, “mas são de pequenos projetos, áreas muito residuais”.

“São projetos que temos vindo a incentivar para a retirada de pequenas bolsas de eucaliptos situadas na encosta sul de Monchique, mas falamos de pequenas áreas de dois ou três hectares”, sublinhou.

O dirigente indicou que os trabalhos de retirada de eucaliptos ou árvores ardidas e a plantação de novas espécies - sobreiros, medronheiros, castanheiros - mais resistentes ao fogo “tem um custo de operação muito superior ao apoio concedido, o que desincentiva os produtores”.

“Infelizmente, o incêndio causou uma grande perda na economia florestal do concelho e as medidas florestais estão muito burocratizadas. Tem sido muito difícil responder aos proprietários florestais e vai ser muito difícil repor o potencial florestal”, destacou.

Na opinião de Emílio Vidigal, “houve alguns anúncios por parte do Governo, de disponibilidade para colaborar, mas a colaboração tem sido só em termos de apaziguar, porque em termos concretos as burocracias são muitas”.

A medida PDR2020, referiu, “não é convidativa”, até porque “não é uma medida de exceção de apoio ao incêndio de Monchique, mas, sim, uma medida genérica prevista no quadro comunitário que existe sempre”.

“Isto [os apoios florestais] não é nada específico para o incêndio de Monchique. O máximo de 600 euros por hectare não é atrativo para quem queira tirar eucaliptos substituindo-os por castanheiros ou sobreiros. Se vai gastar dois mil euros por hectare, é um apoio, porque o dinheiro concedido não paga as operações”, concluiu.

*Por Marta Duarte (texto) e Luís Forra (fotos) | LUSA