A explosão destruiu por completo o segundo andar de um prédio de 11 pisos deste bairro situado a curta distância da baixa de Beirute, do parlamento e de várias instituições governamentais libanesas, e onde se encontravam sete profissionais da Autoridade Islâmica de Saúde, dois dos quais paramédicos, provocando estragos enormes nas habitações mais próximas e também nos edifícios vizinhos.

“Não há nada aqui, só estas pessoas que ajudam as outras”, comentou no local à agência Lusa um residente que se encontrava em casa, no bloco imediatamente atrás do edifício bombardeado, apontando para um colete refletor que a explosão projetou para a rua e que pertencia a uma das setes vítimas identificadas pela organização.

“Parece não haver limites para Israel”, acrescentou.

O morador de Bashoura de 19 anos, que pediu para não ser identificado, contou à Lusa que, cerca da meia-noite se encontrava em casa a seguir pela televisão a jornada da Liga dos Campeões de futebol, quando escutou a explosão que partiu as janelas do seu apartamento e fugiu para a rua.

Vídeos divulgados após o bombardeamento mostram vários moradores em fuga, afastando-se do bairro em carros e ‘scooters’ a alta velocidade, à medida que o fogo ia consumindo o prédio bombardeado em Bashoura. Segundo a agência estatal libanesa de notícias, foi usada uma bomba de fósforo neste ataque, uma arma de uso proibido contra instalações civis.

Desde a intensificação dos ataques israelitas contra o movimento libanês aliado do Irão, apenas o bairro de Kola tinha sido atingido no centro de Beirute — e pela primeira vez desde a guerra de 2006 -, quando um bombardeamento matou quatro pessoas na madrugada de segunda-feira, das quais três supostos elementos da Frente Popular de Libertação da Palestina.

Os raides aéreos, que há mais de uma semana acontecem numa base diária, são dirigidos habitualmente contra as zonas predominantes xiitas nos arredores da capital, sobretudo no grande subúrbio sul de Dahieh, um bastião do Hezbollah que também sofreu vários bombardeamentos na madrugada e dia de hoje, após avisos das Forças de Defesa de Israel para que os moradores abandonassem as suas residências

“Aqui não houve aviso nenhum”, segundo o morador de Bashoura, uma área de Beirute controlada pelo Hezbollah e pelo movimento de resistência Amal, outro grupo armado xiita libanês, cujas bandeiras verdes são visíveis nos postes do bairro, que, tal como em Dahieh, é de acesso bastante condicionado a pessoas estranhas e onde uma equipa de repórteres belgas foi violentamente agredida por residentes ao chegar ao local da explosão.

No rescaldo do bombardeamento, dois deputados do Hezbollah deram uma conferência de imprensa junto do prédio atingido, falando aos jornalistas sobre uma camada de destroços e de cinza, com palavras de condenação a Israel por este ato descrito como “selvagem, criminoso e terrorista”.

Amin Sherri, deputado do grupo armado xiita, lamentou que Israel use as suas forças armadas para atacar profissionais de saúde, mas ao mesmo tempo comentou que “não há nenhuma surpresa”, depois de ações semelhantes contra civis na Faixa de Gaza, durante a guerra travada no último ano entre Israel e o seu aliado palestiniano Hamas, e que diz serem replicadas no Líbano desde a escalada de confrontos nas últimas duas semanas.

Já na quarta-feira, o Hezbollah tinha permitido o acesso de jornalistas ao seu bastião em Dahieh, onde na semana passada um ataque israelita matou o seu líder histórico, Hassan Nasrallah, para mostrar edifícios bombardeados nos dois dias anteriores, alegadamente de utilização civil, incluindo as instalações do canal televisivo religioso e cultural Al-Sirat, também ligado ao movimento xiita.

“Os jornalistas estiveram lá ontem. Viram algum míssil ou algum tipo de armamento?”, questionou hoje Amin Sherri, em alusão ao argumento das forças israelitas de que os seus ataques são “precisos e cirúrgicos” e dirigidos contra “alvos terroristas” do Hezbollah, ao que o deputado rebate, observando que, no bombardeamento da última madrugada, “ficou clara uma campanha sistemática de intimidação programada” por Telavive.

No seguimento do último bombardeamento no centro de Beirute, o ministro da Saúde Pública do Líbano, Firas Abiad, considerou que os ataques israelitas que atingiram instalações e trabalhadores de saúde constituem uma violação do direito e dos tratados internacionais, e declarou que “este é um crime de guerra, não há dúvidas sobre isso”.

No mesmo sentido, hoje em Bashoura, outro deputado do Hezbollah, Ibrahim Al-Moussawi, afirmou que o Líbano “enfrenta um inimigo brutal e criminoso que viola os direitos humanos”, palavras reforçadas pelo seu colega parlamentar, Amin Sherri, ao referir que “a ameaça de Israel não afeta apenas um partido ou um grupo”, mas diz respeito ao “objetivo claro expressado por [primeiro-ministro israelita, Benjamin] Netanyahu de mudar a realidade estratégica na região” do Médio Oriente, com auxílio de armamento norte-americano.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, descreveu hoje uma situação terrível na assistência a vítimas, com três dezenas de instalações de saúde encerradas no sul do Líbano e cinco hospitais parcial ou totalmente evacuados em Beirute.

A OMS indicou que 28 profissionais de saúde foram mortos no Líbano nas últimas 24 horas e apelou para um cessar-fogo.

“Quando houver um acordo de cessar-fogo, trabalharemos de acordo com o mesmo, mas a primeira e a última palavra são apenas para o terreno”, afirmou o deputado Amin Sherri, numa referência aos primeiros combates terrestres no Líbano após Israel ter iniciado esta semana uma incursão militar no país.

Israel e Hezbollah estão em confronto desde o ataque do Hamas contra Israel, em 07 de outubro do ano passado, tendo as forças israelitas intensificado as suas ações militares no Líbano nas últimas duas semanas, com um balanço de quase dois mil mortos no país onde, de acordo com as autoridades de Beirute, acima de um milhão de pessoas estão deslocadas.