"O Dr. Abimael Guzmán faleceu, a Marinha informou a sua esposa Elena Yparragurre sobre a morte", disse o advogado Alfredo Crespo por telefone à AFP. "Não sei a que horas ocorreu a morte. Ela pediu às autoridades que entregassem os restos mortais", acrescentou.
A autoridade penitenciária afirmou em nota que a morte de Guzmán ocorreu "no sábado, 11 de setembro, aproximadamente às 06h40 (12h40 de Lisboa) no Centro de Detenção de Segurança Máxima da Base Naval de Callao (...) devido a complicações com o seu estado de saúde".
A esposa de Guzmán está presa na penitenciária Virgem de Fátima, em Lima, condenada à prisão perpétua por terrorismo. Era a número dois no Sendero Luminoso.
A morte do líder guerrilheiro foi anunciada um dia antes do 29º aniversário da sua captura, em 12 de setembro de 1992. "Faleceu o líder terrorista Abimael Guzmán, responsável pela perda de incontáveis vidas dos nossos compatriotas. A nossa posição de condenação do terrorismo é firme e inquebrável", tuitou o presidente do Peru, Pedro Castillo.
“Somente na democracia construiremos um Peru de justiça e desenvolvimento para o nosso povo”, acrescentou Castillo, um professor rural eleito presidente pelo Peru Livre, partido marxista-leninista.
“A morte terá muitas consequências porque o Sendero Luminoso vai se desmoronar, ele era um semideus para os seus seguidores, o Sendero praticamente desintegra-se assim”, analisou o ex-coronel da polícia Benedicto Jiménez, que liderou a captura de Guzmán em 1992 numa casa em Lima.
O ex-professor universitário de filosofia, que sofreu problemas de saúde em julho, passou os seus últimos 29 anos na prisão por ter sido o responsável intelectual de um dos conflitos mais sangrentos da América Latina, com 70 mil mortos e desaparecidos em duas décadas (1980-2000), de acordo com dados da Comissão da Verdade e Reconciliação, de 2003.
Guzmán terminou os seus dias como o prisioneiro mais famoso do Peru, sem concretizar o seu plano de reproduzir no país com sangue e fogo o modelo do seu ícone, o chinês Mao Tsé-tung. A causa e os detalhes de sua morte não foram divulgados.
O líder cumpria pena de prisão perpétua no presídio de segurança máxima da Base Naval de Callao, próximo a Lima, mas seria transferido para um presídio comum nos próximos meses.
Guzmán abraçou o maoísmo e os métodos do líder cambojano Pol Pot e forjou a imagem de um revolucionário duro e implacável disposto a ordenar o massacre dos habitantes de um povoado nos Andes peruanos como punição por não apoiá-lo.
Em 2006, durante um julgamento cujas audiências duraram mais de um ano, uma das suas facetas desconhecidas foi revelada quando o seu tenente Oscar Ramírez, o camarada 'Feliciano', o acusou de ser um "covarde" e de não conseguir puxar o gatilho de uma arma.
"Um covarde, alcoólatra e um chorão", disse 'Feliciano', que liderou uma facção radical do Sendero Luminoso que continuou a guerra após a prisão do seu líder, desrespeitando a sua ordem de acabar com o conflito.
Abimael Guzmán ganhou destaque quando, no início dos anos 1960, deixou a cadeira de filosofia na Universidade San Cristóbal de Huamanga, em Ayacucho, região do sudeste do Peru onde a pobreza se tornou uma marca indelével.
Em Ayacucho criou e promoveu o seu partido, cuja tarefa era "construir o comunismo ao longo do caminho luminoso de José Carlos Mariátegui" (pensador peruano, criador do Partido Socialista do Peru). Daí a origem do seu nome.
Guzmán cultivou o culto à personalidade e aqueles que o conheciam deviam tratá-lo como "presidente Gonzalo". A arma de Guzmán era sua própria interpretação do marxismo, que transformou os seus seguidores em fanáticos das suas ideias.
O "grande salto à frente" começou em 1979, quando passou à clandestinidade e anunciou que estavam reunidas as condições para fazer uma revolução do campo à cidade.
Em 17 de maio de 1980, trocou os livros por dinamite. Naquele dia marcou o Peru com fogo. Sendero iniciou a luta com um ato simbólico: queimou urnas em uma cidade andina às vésperas da eleição que encerrou 12 anos de ditadura militar.
A organização foi considerada responsável pela Comissão da Verdade e da Reconciliação (CVR) pela morte de cerca de 69.000 pessoas no Peru, na sequência das suas ações armadas.
Nos últimos anos, diversos ramos políticos do Sendero Luminoso, de ideologia maoista, sugeriram um indulto a e libertação de Guzmán e de outros líderes deste grupo após a conclusão do processo de “reconciliação”, mas a proposta foi ignorada pela generalidade das formações políticas e pela sociedade civil.
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