Uma das figuras mais marcantes da indústria, o alemão, tratado frequentemente por "Kaiser", desenhava para a Chanel, para a qual trabalhou durante 36 anos, e para a Fendi, casa italiana de alta costura, para além da sua própria marca, lançada em 1984.
Ainda não se sabem as causas de morte, mas há várias semanas que se especulava quanto ao estado de saúde de Lagerfeld, que foi forçado a perder o desfile da Chanel do passado dia 22 de fevereiro no Grand Palais, em Paris.
Na altura, um funcionário tinha anunciado que Lagerfeld participaria no segundo desfile, que acontece logo após o primeiro, mas tal não aconteceu. "Lagerfeld, que se sentiu cansado, pediu a Virginie Viard, diretora de estúdio da casa, para representá-lo e cumprimentar os convidados", informou a empresa num comunicado.
As reações do mundo da moda já se começaram a fazer surgir, com Donatella Versace a dedicar-lhe um post na rede social Instagram. Na legenda à fotografia dos dois, a matriarca da Versace escreveu "Karl o teu génio tocou a vida de tantos, especialmente a minha e a de Gianni [Versace, irmão de Donatella assassinado em 1997]. Nunca nos vamos esquecer do teu talento incrível e inspiração infindável. Estávamos sempre a aprender contigo".
Nascido em Hamburgo em 1933, Karl Otto Lagerfeldt - que mudou o apelido para "Lagerfeld" com o intuito de torná-lo "mais comercial" - sobreviveu à 2ª Guerra Mundial protegido numa propriedade da sua família na Baviera, recebendo aulas de um tutor francês.
Já nessa altura, como lembra a emissora Deutsch Welle, o alemão demonstrava um caráter atípico, preferindo museus a ir à escola, gostando de desenhar no sótão de sua casa e mostrando fascínio por pintores franceses. "Adorava tudo o que era francês... era aonde queria ir e foi por isso que aprendi francês enquanto criança," disse a Gero von Boehm no documentário de 2014 a si dedicado, "Deutschland, deine Künstler: Karl Lagerfeld".
A sua francofilia levou-o mesmo para Paris em 1954, marcando esta mudança o início da sua carreira. Um casaco de lã por si desenhado chamou a atenção de Pierre Balmain, tornando-se assistente durante três anos daquele que foi um dos mais marcantes estilistas do pós-guerra, em Paris.
No início da década de 1960, começou a trabalhar como designer independente de moda, fazendo criações para várias casas de moda em simultâneo. Em 1964, Karl Lagerfeld começou a trabalhar com a Chloe, relação que se manteve durante vinte anos, um ano antes do início da sua relação com a Fendi.
Foi, contudo, quando foi para a Chanel em 1983 que ganhou dimensão internacional, sendo que no seu primeiro ano, como o The Guardian cita, passou a "trabalhar 16 horas por dia e a estar encantado por fazê-lo". Sob a sua liderança artística, a casa de alta costura, mais sexy e irreverente, recuperou o lugar de destaque no panorama da moda que começara a ficar ameaçado desde a morte da sua fundadora, Coco Chanel, em 1971.
Ao longo de 30 anos, foi reinventando a Chanel a cada estação. As coleções foram apresentadas em cenários que reconstituiam supermercados, galerias de arte ou a rua, algo que tornava os desfiles um sucesso nas redes sociais.
Entre outras colaborações, com marcas como a Wolford, a Diesel, a Volkswagen ou a Coca-Cola, destaca-se a relação com a H&M: o alemão foi o primeiro designer de moda de renome a ser convidado pela marca sueca, para criar uma coleção cápsula, composta por 30 peças e posta à venda em 2004.
A sua vida privada era tão secreta quanto o seu perfil era notório, com os seus fatos pretos, óculos escuros e cabelo branco arranjado em rabo de cavalo a contribuirem para um estilo inconfundível. "Sou como uma caricatura de mim mesmo, e gosto disso", terá dito a respeito da persona pública que criou, considerando que esta máscara era "um carnaval de Veneza que dura todo o ano".
A sua mudança de visual, no início da década de 2000, com a perda de 42 quilos, levou-o a publicar um livro “The 3D Diet”, que, de acordo com informação divulgada no 'site' de Karl Lagerfels, “vendou dezenas de milhares de cópias em todo o mundo”.
Na altura, afirmou que tinha perdido tanto peso para ter “uma boa cintura” e conseguir entrar nas peças criadas por Hedi Slimane.
No plano amoroso, Lagerfeld manteve uma relação com Jacques de Bascher até à morte deste em 1989, causada por SIDA. O amor incondicional que sentia pelo "dandy" parisiense levou-o a uma relação de simultânea amizade e rivalidade com outro génio da moda, Yves Saint Laurent, que também se envolveu amorosamente com de Bascher.
Dono de um caráter tão genial quanto controverso, Lagerfeld sempre foi um íman de polémicas. Desde considerar a cantora Adele "um bocadinho gorda demais" até dizer, no rescaldo do movimento #metoo, que as modelos que levantaram denúncias de assédio sexual deviam "juntar-se a um convento", passando pela guerra aberta com a associação PETA pela sua utilização de pele animal - algo que deixou de fazer no ano passado - o estilista nunca se coibiu de fazer observações tão espirituosas quanto corrosivas.
Para além da moda, Lagerfeld expandiu o seu pendor criativo para várias outras áreas, sendo também fotógrafo, criando campanhas de publicidade, realizando curtas-metragens para várias casas de moda e desenhando hotéis pelo mundo.
Em 1999, abriu uma livraria em Paris, a 7L e, um ano depois, lançou a editora literária Editions L7, especializada em fotografia, em particular.
Considerando-se um workaholic, o "Keiser" disse odiar lazer à exceção de ler livros. "Sou uma pessoa feita para trabalhar, se esboçar é considerado trabalho. Tenho muita sorte em estar a fazer o que faço em condições para lá de perfeitas", disse à publicação Women’s Wear Daily em 2008.
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