O MP, que os acusa dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria, garante que os “arguidos a mataram”.

Segundo o despacho de acusação a que a agência Lusa teve acesso, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança que tinha nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica.

A procuradora entendeu que, apesar de ter sido o pai a provocar as lesões que levaram à morte de Valentina, na Atouguia da Baleia, em Peniche, em maio de 2020, a sua companheira "nada fez para impedir e não tinha nenhum impedimento".

A magistrada considerou que “não é um crime só por quem o praticou, como também por omissão de quem o permitiu”.

“O Sandro [pai] matou Valentina e Márcia [madrasta] não o impediu e não tinha nenhum impedimento. Ambos os arguidos a mataram”, salientou, referindo que o filho de Márcia, de 12 anos, “mentiu a pedido da mãe” e foi submetido ao “ónus de ficar com a menina moribunda no sofá”.

Para a procuradora, não é justificável o casal ter ido à lavandaria, ao café e a Peniche comprar leite, “com a Valentina a agonizar” no sofá.

“Ninguém compreende o que impediu a arguida de pedir ajuda. E o que sente o arguido quando percebe que o coração da filha já não bate? Medo e pânico de ser apanhado. Não sentiu tristeza. Nunca o disse. Sentiu medo de ser preso e de verem o que fez à filha”, realçou.

Além da pena máxima pedida, o MP considera ainda que Sandro deve ser condenado na pena acessória de inibição do poder paternal, não inferior a dez anos.

“Não deverão beneficiar de qualquer atenuante. O modo executante é monstruoso”, rematou.

Também o advogado do pai, Roberto Rosendo, considerou que o seu constituinte deverá ser condenado por homicídio qualificado, mas não nas alíneas do Código Penal, que consideram o ato “pelo prazer de matar” e “agir com frieza de ânimo”.

Antes das alegações finais, foram reproduzidas as declarações do arguido em primeiro interrogatório, que contrariam as suas afirmações em sede de julgamento.

O acusado disse aos juízes que a versão contada em tribunal é a verdadeira e que a outra “foi combinada com a Márcia para que ela não fosse presa e pudesse tomar conta dos filhos”.

No entanto, confrontado pelos juízes com algumas questões, acabou por “escorregar”, como constatou uma das magistradas.

Roberto Rosendo disse que a alteração de testemunho é “responsabilidade do Sandro”.

“Alertei que não o fizesse. Opus-me a que viesse com uma nova versão. Fui bastante transparente com ele”, referindo, admitindo que o seu cliente possa vir a ser condenado na pena máxima, disse aos jornalistas.

Por seu lado, a advogada da arguida, Anabela Branco, defendeu que Márcia não deverá ser condenada por homicídio, mas por “omissão de auxílio”.

“A arguida sempre teve uma postura de quem teve consciência dos atos praticados e do seu resultado e sempre mostrou consciência da sua culpa. Ficou provado que a Márcia tentou proteger a Valentina. Puxou o arguido quando lhe batia e pedia para parar”, adiantou.

A advogado considerou ainda que poderá ter sido “negligenciado o dever de garante da mãe, do pai e do próprio Estado, através da CPCJ [Comissão de Proteção de Crianças e Jovens], que sinalizou Valentina, quando esta fugiu, e depois arquivou o processo”

“A arguida errou, porque não pediu ajuda. Já assumiu esse erro. Tentou fazer aquilo que conseguiu, o resultado não foi o que quis, mas tentou”.

No final das alegações, o pai de Valentina nada acrescentou, enquanto a madrasta da menina pediu desculpa. “Sei que não trago a Valentina de volta. Peço desculpa à mãe da Valentina. Fui cobarde por não ajudar a menina.”

A leitura do acórdão está marcada para 14 de abril.

(Notícia atualizada às 18:55)