É acordar e abrir os olhos. Enxergar o mundo e segurar com as pernas a força de pôr de pé o que somos. Deixar a água cálida lavar o sono; deixar o turco áspero secar a noite. Viver parece simples se reduzido à rotina matinal. Mas se simples fosse a vida, se nada contra ela ocorresse, não estava este texto a ser escrito.

O dia abre. Está calor. A temperatura bate nos 30 ºC, não há vento em Setúbal. É sábado. Na cama, amortalhado nos cobertores, está Rodrigo. Tem 24 anos e a vida nas mãos. Quando pega na agulha, marca de modo indelével a pele dos outros. Não é artista nato, mas artista feito, artista de trabalho, dedicação. Esforço.

Esforço. Força, aquilo que naquele momento lhe falta. Está deitado na cama, afogado no edredão. Acordou maldisposto. Já ontem esteve a vomitar. De manhã a náusea persiste.

Persistência. É quase uma obsessão. A higiene, a limpeza. A saúde. Rodrigo sempre foi muito organizado. Metódico e arrumado. Quando era criança, ninguém lhe entrava no quarto. Nem a empregada. Se ela lá fosse e mexesse sequer na ponta de um atacador, ele notava logo. A perspicácia era-lhe inata.

Se tabelas houvesse que definissem o que é ser normal, Rodrigo dificilmente encaixaria nelas. Era um miúdo muito certinho. E com uma fixação pela higiene. Era ele quem limpava o quarto, com desinfetantes. Quando chegava a casa, fosse a que horas fosse, lavava a sola das sapatilhas, antes de entrar no quarto. Pousava-as junto da cama, com os atacadores enlaçados. Tinha sempre cuidado com tudo.

Incluindo com a alimentação. No preâmbulo da adolescência, estava mais gordinho do que queria estar e, por iniciativa própria, sem ordens de ninguém, decidiu fazer uma dieta. Tudo o que comia era saudável e preparado por ele.

Ele sabia de si. Sabe de si. Ligeiramente hipocondríaco, sempre que sente que algo está desequilibrado, acorre ao hospital. Faz exames, exames, exames, exames.

Carolina é pouco mais nova que Rodrigo. Ambos têm um filho, de três anos. Ela está de saída. Vai almoçar a casa da mãe. Rodrigo não pode ficar aqui assim. Desde que soube que ia ser pai, que as coisas se desequilibraram.

Estava em Inglaterra, num congresso dedicado à arte da tatuagem, quando recebeu a notícia: ia ser pai. Pai. Ia ter um filho. Um rapaz. Veio-lhe uma ansiedade. Um pânico. Um ataque que de tal modo o afetou, que foi para o hospital.

Desde aí, os ataques sempre sucediam. Era acompanhado por uma psicóloga e por uma psiquiatra. Estava medicado.

Quando foi pela primeira vez à psicóloga, mostrou que não tinha segredos. A clínica aconselhou-o a entrar sozinho, mas Rodrigo não tem nada a esconder. “O que tiver de falar, falo à frente da minha mãe”.

A mãe que sabia de tudo. E compreendia tudo. Sabia o que ele fazia à noite, sabia que ele era um rapaz normal, como os outros rapazes da idade. Bebia, fumava, fumava marijuana — que apesar de não ser um comportamento normal, não deixa de ser comum. Não tinha segredos. E a relação com os pais permitia-lhe essa confiança.

“Sabes, pai, dá-me a sensação de que já fiz tudo.” Era uma conversa banal. Rodrigo falava com o pai, em casa, umas semanas antes deste sábado quente. “Já não tenho mais nada para fazer”, diz o jovem. A mãe, que o ouviu, responde: “Estás parvo? Então, eu, com a idade que tenho, e o teu pai, com a idade que tem, todos os dias aprendemos; seja aquilo que for, cada dia que passa, estamos sempre a aprender”.

“Não, mãe, não me estás a entender”, responde. “Parece que já fiz tudo, não tenho objetivos, já aprendi o que tinha de aprender, já fiz o que tinha de fazer”.

O pai, porém, entendeu-o. “Tu vê lá”, disse-lhe. “Não te esqueças de que tens um menino com três anos, tu vê lá…”. “Achas!? Estás parvo, alguma vez…”, atira o jovem.

Esta manhã, porém, algo descompassou. Poderá ser por causa da alteração nos medicamentos. Poderá ser do calor. Poderá ser disto, ser daquilo. Poderá ser; poderá não ser. A partir desta manhã, todas as perguntas nascem. Se foi disto ou daquilo. Se foi por causa disto ou daquilo.

Nós, que hoje olhamos para esse dia 14 de julho de 2015, não sabemos do que foi. Sabemos indícios, pequenas pistas que apontam caminhos. Mas não temos como ter certezas. Tampouco será esse o objetivo deste texto.

“Elsa, ligue para o seu filho, ele não está bem. Ontem vomitou à noite. Voltou a vomitar hoje de manhã. Está ali enrolado no edredão”.

Carolina telefona para a mãe de Rodrigo e conta-lhe o que se passa. A sogra, Elsa, diz-lhe que está a chegar ao café de que é proprietária, em Setúbal, e que já fala com o filho.

A relação entre Carolina e Elsa não é fácil. Ela quer que o companheiro se autonomize, que crie um estúdio próprio, que deixe talvez de ser tão agarrado à família. Elsa, por seu lado, acusa-a de estar a tentar afastar Rodrigo da família. De o pressionar. De o fazer ser outro.

Entre os dois jovens também há problemas ocasionais. Uns dois meses antes deste sábado, Rodrigo separou-se da companheira. Estiveram separados um par de semanas, em maio.

Rodrigo foi com os pais para a Comporta, passar uns dias. Uma noite chegou lá, enfiou-se a escrever. Uma pequena carta, numa folha de papel, escrita a tinta negra e dobrada. Posta numa das gavetas da cómoda do quarto da mãe.

Por essa altura, já Rodrigo retornara aos sonhos. Mantinha as ansiedades, as angústias, mas os sonhos que não tinha, os objetivos que não via, regressados se exibiam. Objetivos para a carreira, para a família, para a relação com Carolina, na altura tremida. Dias depois, o jovem regressou a casa. À família que estava a construir com Carolina. Voltou para ela, para o filho.

Agora são 10:48. Rodrigo atende o telemóvel:

— Então, Rodrigo, o que se passa contigo?
— Não sei, mãe. Estou assim, muito mole.
— Queres que eu fale com a psiquiatra? Como ela te alterou a medicação, até pode ter de haver nova alteração.
— Liga lá a ver o que ela diz.
— Mas olha, não vais ficar em casa. Despacha-te, está muito calor. Vens até aqui acima ter comigo enquanto eu ligo para a senhora. Bebes um chá e comes uma torrada. Se vomitares… Bom, alguma coisa há de ficar e ao menos estás ali comigo.
— Está bem, então eu vou aí ter contigo.

Rodrigo demora-se. Sempre se demorou. Não é hoje que isso há de ser estranho. Elsa, prossegue, por isso, com a vida. Tem um café, na alta de Setúbal, e é lá que espera pelo filho. Foi nesse café que Rodrigo cresceu. Elsa abriu-o tinha o filho mais novo cerca de dois anos.

Já passa das onze. Chega Jorge, o filho mais velho de Elsa. Com ele vem a mulher e a filha pequena. Passam pelo café antes de irem para o estúdio, na baixa da cidade. Elsa diz que Rodrigo está a chegar. Passou mal a noite, mas está a chegar.

“Liga aí ao mano”, diz Jorge para a mãe. São 11:24. Jorge fala com o irmão num canto do café. Fala baixinho. É impercetível o que vai dizendo. Ouve-se, porém, o epílogo: "Então vá, o mano fica aqui à tua espera, não vais ficar fechado em casa. Vem aqui ter e depois vais para o estúdio com a gente, mesmo que não trabalhes, ao menos estás ali connosco”, diz Jorge, antes do fim da chamada.

Rodrigo e Jorge são inseparáveis. Para Rodrigo, o irmão mais velho é tudo. É amigo, é pai. É um exemplo. Sete anos mais velho, Jorge sempre foi um artista. Rodrigo seguiu-lhe as pisadas. Hoje é quase tão bom como o irmão. Os amigos são os mesmos, o estúdio também.

Enquanto esperam, Jorge recebe uma chamada. Telefonam-lhe do estúdio. Tem lá um cliente à espera. Entre esperar e fazer esperar, Jorge parte para a baixa. Depois Rodrigo vai lá ter.

Estamos perto do meio-dia. O telefone de Rodrigo toca. É Carolina, a ver como está. Falaram, riram. O jovem diz-lhe que está a sair de casa. Vai ter com a mãe.

Todavia, a caminho da mãe, Rodrigo muda o destino. Muda de estrada, de trajeto. Escolhe outra via. A certa ou a errada, só ele o sabe. São 12:12. Rodrigo está a pagar a portagem na Ponte 25 de Abril. A cancela levanta-se, o carro avança.

Tinha 24 anos.

Os olhos que não viram e as respostas que não vêm

As causas que levam alguém a pôr termo à vida são geralmente atribuídas a perturbações mentais tratáveis, como a depressão. Elsa, contudo, queria uma resposta mais concreta. Hoje, passados quase três anos desde a morte do filho, já deixou de procurar culpados. Antes, julga que todos os que estavam à volta de Rodrigo tiveram a sua parte da culpa — por não terem visto.

Elsa não mudava nada no passado. Se pudesse, tinha trabalhado menos para estar mais tempo com os filhos. Tinha ido à cómoda, tinha lido a carta, escrita um par de meses antes de tudo e arrumada, como um grito mudo, numa gaveta na Comporta.

Rodrigo não deixou instruções. Elsa não encontra premonições. Olhando para trás, liga alguns indícios a algumas evidências. Mas parecem faltar sempre peças.

Todavia, a maior parte das pessoas que decide pôr termo à vida deixa avisos. Premonições. E Rodrigo fê-lo. As conversas com o pai, a ideia de que não havia mais nada para fazer. E a perceção que o pai teve de que o filho podia estar a ponderar o suicídio são alertas, alertas que nunca devem ser menorizados pela comunidade.

A isso junta-se uma necessidade de tratar a depressão, que é uma doença e não um estado de espírito. Os especialistas apontam para muitos casos de depressão mal tratada que, por certo, contribuem para o suicídio.

A primeira coisa que vem é o choque. Elsa não acreditou que o filho se tinha atirado. Naquela ponte era impossível. Ele nunca a atravessava; tinha medo de o fazer. Sempre que iam a Lisboa tinha de ser outra pessoa a conduzir. Na ponte não; na ponte era impossível.

Quando estava a caminho da esquadra da PSP, na praça das portagens, desenhava na cabeça outros cenários, Acreditava que ele tinha tido um acidente. Que estaria no hospital. Que ferimentos teria? Precisaria de um órgão? Seria ela compatível para lho poder doar?

Até lá chegar, a hipótese parecia impossível. Depois, desabou. Sobranceiro, o Cristo Rei ergue-se. Os braços abertos velam o rio e a cidade, na outra margem. Daquele lado, Elsa cravava na mente cada instante. O instante em que lhe deram os pertences do filho; o momento em que lhe entregaram o carro.

Ainda hoje guarda a roupa com que Rodrigo morreu. É dos poucos pertences com que ficou. Carolina diz ter fotografias, vídeos. Mas nunca os passou para a mãe do ex-companheiro.

Numa caixa, Elsa vai guardando os indícios do filho que encontra. Por vezes, quando a abre, a roupa ainda lhe cheira ao sangue com que ficou manchada. Lava-a. Repete.

Como foi possível alguém que tinha medo daquela ponte escolhê-la para acabar com a vida? Poderá ser que, naquela altura, já os pensamentos de suicídio lhe passassem pela cabeça.

A semente provavelmente já lá estava. É isso que explicam os especialistas a quem apresentámos esta história.

Depois do suicídio de Rodrigo, todos procuraram explicações. Carolina disse a Elsa que Rodrigo não estava a tomar a medicação. Todavia, a autópsia mostrou o contrário. O jovem estava a tomar um medicamento específico para o tratamento da depressão e o sangue mostrava a presença da substância em “doses terapêuticas”.

Elsa fez e refez o caminho da casa de Rodrigo, na baixa de Setúbal, à ponte 25 de Abril, que liga Almada a Lisboa. A distância fá-la pensar em como o jovem não foi capaz de desistir. De seguir para ao pé dela, como prometera a Carolina, Jorge e a ela própria.

Acredita que algo se terá passado, entre a última chamada de que há registo, às 11:45, e a hora em que o jovem atravessou as portagens, na entrada da ponte, às 12:12.

Carolina diz que Rodrigo lhe ligou por volta dessa hora. Que ouviu vento, somente isso. Percebeu que algo estava errado.

Os registos telefónicos porém, mostram que nenhuma chamada foi feita a partir do telemóvel de Rodrigo nesse dia. Registadas estão apenas as duas chamadas de Elsa, às 10:48 e às 11:24; e a chamada de Carolina, ao meio-dia menos um quarto.

Todavia, na psicologia do suicida, a engrenagem poderia estar de outra forma. As últimas chamadas que recebeu — da mãe por quem tinha uma amor imenso; do irmão, que via como modelo, como amigo, pai e tudo; e da companheira, mãe do filho — podiam ter nele já a força de um adeus.

Isso explica a viagem — de Setúbal a Lisboa — sem desistência. Sem olhar para trás. Sem ver o céu azul, o calor a bater. O sol a brilhar, a faiscar nos frisos dos carros que passam. O vento suave, a música no rádio. Nada disso, nada dessa beleza quotidiana se manifestou. Porque a decisão já estava tomada. Ponderada. Aceite.

Quando isso acontece, um véu de cegueira cobre a cara do morto anunciado. Como uma droga, uma embriaguez que omite a verdade. Que omite o mundo real, aquele que passa ao lado do universo que nasceu na mente do suicida.

As razões por que a decisão foi tomada, são desconhecidas. Podíamos consultar todos os psicólogos de Portugal; todos os psiquiatras. Todos os médicos de todas as maleitas do homem podiam olhar para este relato. E nenhum deles podia dizer com ciência a razão por que Rodrigo escolheu morrer.

Numa enigmática mensagem publicada na rede social Facebook, poucos meses depois da morte de Rodrigo, Carolina diz saber o porquê. Sabe-o porque Rodrigo a procurou para explicar tudo.

A Elsa, Carolina nunca explicou que justificação era essa. A relação entre as duas complicou-se depois da morte de Rodrigo. A frágil teia da relação que tinham, desmoronou.

A Elsa, falta-lhe a resposta. Nas horas a seguir à morte do filho, lembrou-se da carta escrita na Comporta. Deu indicações para que a fossem buscar. Ao lê-la, percebeu que algo estava errado já naquela altura. Não sabe o quê. Não tem uma explicação, sequer um detalhe que sirva de prenúncio ao que Rodrigo fez.

“Todos os dias acordo e penso porquê; porquê eu, será que errei, como mãe, como pessoa?”

Acha que a Carolina sabe a resposta? “Que escreveu, escreveu”.

Quase todos os dias

Saber ao certo quantas pessoas se suicidam na ponte é um trabalho complicado. As fontes contactadas pelo SAPO24 escusam-se a dar números concretos. E de diferentes entidades chegam diferentes números — nunca oficiais.

Histórias como a de Rodrigo repetem-se. Jovens rapazes, aparentemente bem com a vida, decidem morrer na ponte. Carlos Céu e Silva, psicólogo, é autor de um livro precisamente com esse nome Morrer na Ponte, onde junta mais do que um caso. Mais do que um testemunho. Com um padrão que se parece repetir.

Foi um dos psicólogos que ouvimos para perceber por que tomam os jovens esta decisão. E, sobretudo, ali. A verdade é que a cada quarenta segundos uma pessoa morre no mundo. Em Portugal, há, oficialmente, três suicídios por dia. São 1.200 por ano.

Os pais dos rapazes e raparigas que morrem na ponte, pedem medidas de segurança. Redes, por exemplo. Redes como a congénere norte-americana, a Golden Gate, em São Francisco, prevê instalar, num investimento de milhões. Na ponte sobre o Tejo, explica a Infraestruturas de Portugal, não estão previstas soluções como a que vai ser aplicada na Califórnia.

A Lusoponte não comenta. A empresa, que detém a concessão das travessias rodoviárias da Ponte 25 de Abril e da Ponte Vasco da Gama, diz que nada diz. Teresa Oliveira, responsável pela comunicação empresarial, explica ao SAPO24 que a empresa não fala do assunto.

No que toca a números oficiais, a Infraestruturas de Portugal remete para a PSP. Tal como o Ministério Público. A Polícia Marítima e o Hospital Garcia de Orta idem. Mas até ao momento a Polícia de Segurança Pública não respondeu em concreto a essa pergunta.

Numa resposta enviada por correio eletrónico, em novembro do ano passado, o gabinete de imprensa da direção nacional da PSP esclarece que “a Ponte 25 de Abril é permanentemente monitorizada pela PSP, que mantém uma equipa em permanência no posto existente na zona da praça das portagens, e pela Lusoponte, entidade gestora daquela infraestrutura”.

A polícia diz não poder, porém, explicar os procedimentos e demais medidas preventivas usadas naquela estrutura.

Insistimos em dezembro para saber o número concreto de vítimas, porém, até ao momento, não obtivemos resposta.

Na Califórnia, a Golden Gate vai ter uma rede

Na Califórnia, a postura é diferente. Enviaram todas as informações que pedimos. Prestaram todos os esclarecimentos. A política parece mesmo ser essa: identificar o problema; alertar para o problema; procurar soluções. E solucioná-lo.

Em 2016, 39 pessoas puseram fim à vida naquela ponte. 184 foram impedidas pelas autoridades que vigiam a Golden Gate.

Antes das barreiras físicas, as autoridades norte-americanas tinham já implementado outras medidas preventivas.

Como ajudar alguém em risco?

A comunidade pode ter um papel relevante na prevenção do suicídio. É importante ter a consciência de que a maior parte das pessoas que se suicidaram avisaram antes e que, portanto, nunca deveremos menorizar um aviso de suicídio.

Todas as pessoas que tenham ideias de suicídio devem procurar apoio imediato e a família deve lutar por esse apoio. Recorde-se a necessidade de tratar a depressão, que é uma doença e não um estado de espírito — e é tratável. Existe uma urgência de psiquiatria com atendimento imediato em muitos locais e que em todos os distritos há um serviço de psiquiatria com consultas.

Caso tenha pensamentos suicidas ou conheça alguém que revela sinais de alarme, fale com o médico assistente. Se sentir que os impulsos estão fora de controlo, ligue 112.

Outros contactos:

SOS Voz Amiga
Lisboa (atendimento das 16 às 24h)

21 354 45 45
91 280 26 69
96 352 46 60

SOS Telefone Amigo
Coimbra
239 72 10 10

SOS Estudante
Coimbra
808 200 204

Escutar - Voz de Apoio
Gaia
22 550 60 70

Telefone da Amizade
Porto
22 832 35 35

A Nossa Âncora
Sintra
219 105 750
219 105 755

Departamento de Psiquiatria de Braga
Braga
253 676 055

Brochura do INEM
Ler aqui.

Em 1993, o sistema de telefones de emergência que acompanha o traçado das autoestradas foi atualizado para passar a incluir linhas de apoio a pessoas à procura de se lançar da ponte. Foram instalados 11 telefones, assinalados, desde 2006, por placas que indicam “Aconselhamento de Crise. Há esperança, faça a chamada. As consequências de saltar desta ponte são fatais e trágicas”.

Estes telefones são usados não apenas por potenciais suicidas, mas também por testemunhas que alertam as autoridades.

Para além dos telefones, desde 1996 há patrulhas pelas bermas da ponte. Inicialmente feitas a pé, são agora compostas por unidades a bicicleta, com elementos treinados para a prevenção de suicídio. Sublinhe-se que, ao contrário da ponte portuguesa, a Golden Gate tem acesso pedonal livre.

Também alguns dos funcionários da ponte, inclusive da manutenção da estrutura, têm formação especial para lidar com pessoas potencialmente suicidas. A isto junta-se um circuito fechado de televisão, instalado logo nos anos 1960, para monitorizar o trânsito, que ajuda a direcionar os meios de socorro.

Assim, o que é preciso para que mude alguma coisa na ponte sobre o Tejo? “Que lhes toque a eles”.

“Isto se calhar ainda nada foi feito porque ainda não tocou aos filhos de alguém que esteja mesmo lá em cima. Porque se calhar se tocasse isto já tinha mudado”, atira Elsa.

“Enquanto toca ao teu filho... Eu nem te conheço… Coitadinha, faleceu-te o filho. E a vida continua para mim. Mas quando nos toca a nós... Já não é bem assim.”

“Quase todos os dias alguém se atira dali. É porque não é de vez em quando, é muito”, acredita Elsa. “A gente sabe que se a pessoa o quiser fazer, se não for ali é noutro lado. Mas pelo menos ali não é.”

Miradouro custou 5,3 milhões de euros

Das seis perguntas enviadas, a Associação de Turismo de Lisboa (ATL), que durante quinze anos terá a gestão do miradouro montado no pilar 7 da estrutura, respondeu apenas a duas. Esclarece o custo do equipamento — 5,3 milhões de euros, “metade dos quais assegurados pela taxa turística e o restante pelo Turismo de Lisboa” — e a responsabilidade pela sua gestão.

A empresa gere o miradouro, “arrecadando as receitas e assegurando todas as despesas, nomeadamente de manutenção e funcionamento” do equipamento. Para além disso, a entidade paga também à Infraestruturas de Portugal “uma renda anual de 90 mil euros”, esperando “recuperar o seu investimento no final do período de 15 anos”.

Sobre os estudos prévios, medidas preventivas e procedimentos para a eventualidade de os visitantes serem testemunhas de uma tentativa (ou consumação) de suicídio no tabuleiro da ponte, Pedro Moreira, diretor de marketing e atrações da ATL nada disse.

Epílogo

De Carolina sabíamos apenas indícios. Indicações avulsas. Encontrámo-la. Sorri. “Olá, estou a fazer um trabalho sobre a Ponte 25 de Abril e contaram-me a história do Rodrigo”. Carolina deita os olhos ao chão. Não quer falar do assunto.

A ciência do suicídio é delicada. No jornalismo, existem regras tácitas, regras implícitas, a prevenir que se fale do assunto — ou como falar do assunto. Nos livros de estilo, os formulários que guiam as redações, há sempre um ponto a alertar para o perigo de divulgar quando alguém se suicida. A própria Organização Mundial de Saúde dá conselhos para o tratamento deste tipo de informação. Porque os estudos mostram uma relação entre a publicidade a estes casos e a imitação — sobretudo dos métodos.

O resultado acaba por ser uma espécie de vazio. Uma falsa sensação de que não há suicídios; que quando os há são episódicos. Esporádica revolta de uma mente que se perdeu. Um pensamento a mais que empurrou a alavanca e espoletou a morte.

Mas ele existe. Existe e deixa marcas indeléveis nos que não morrem. Nas famílias. Nas mães que ficam sem filho; nos filhos que ficam sem pais. Nas dúvidas e incertezas. Nas culpas que todos apontam, que todos julgam ter.

A Direção Geral de Saúde (DGS), no Programa Nacional para a Saúde Mental, a que o SAPO24 teve acesso, defende a necessidade de levantar o véu. Defende ações de prevenção do suicídio. Falar nele.

Porque a mortalidade relacionada com a saúde mental deve-se quase exclusivamente ao suicídio. Uma “morte que afeta sobretudo pessoas com doenças mentais graves”, porém “na sua maioria tratáveis (depressão major e perturbação bipolar) e integra o grupo das mortes potencialmente evitáveis, desde que o diagnóstico da patologia de base seja realizado em tempo útil e a abordagem terapêutica eficaz”, diz a DGS.

Ainda assim, na imprensa, são raras as notícias sobre o assunto. O código mantém-se. Há uma linha fina entre a necessidade de dar luz a um problema e a invasão da dor destas famílias. Vale a pena romper luto adentro por uma entrevista? Vale a pena arriscar um aumento no número de suicídios por uma reportagem?

Por isso, este texto não tem fotografias. Os ícones podem levar a uma espécie de glorificação de um ato que não é de glória, mas de perturbação profunda. Por isso os nomes deste texto são fictícios. A história, essa, é real. E semelhante a tantas outras. Histórias de jovens que, na ponte que há entre duas margens de Portugal, escolhem desligar-se da vida.

O Rodrigo morreu aos 24 anos. Deixou um filho de três anos, uma companheira, uma família. E uma vida aparentemente bem sucedida — mas o sucesso não acalma o fracasso interior. Se a ponte não existisse, talvez o fizesse noutro lado. Se a ponte tivesse uma rede, talvez o fizesse noutro lado. Mas pelo menos não era ali.

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