“Em termos práticos não vejo este mandado a ser executado, a não ser em caso de mudança de regime político ou de queda de Putin e de o Governo russo, numa tentativa de normalizar as relações com o Ocidente dizer ‘nós estamos dispostos a entregá-lo’. O que também acho muito difícil que venha a acontecer. Mas que é importante em termos nem que seja só simbólicos, é”, disse Filipe Marques, juiz de direito e ex-presidente da Associação dos Magistrados Europeus para a Democracia e Liberdade (MEDEL, sigla em francês).

À margem do XII Congresso dos Juízes Portugueses, que termina no sábado no Funchal, Madeira, o ainda membro da direção da MEDEL disse que “será difícil” a execução do mandado, desde logo porque o Tribunal Penal Internacional (TPI), que o emitiu, “não tem meios para executar os seus próprios mandados de detenção”, estando dependendo da vontade dos Estados em executá-los.

Num paralelismo com o antigo presidente do Sudão, Omar al-Bashir, sobre quem ainda impendem mandados de detenção internacionais e em relação ao qual, referiu Filipe Marques, houve manifestação de disponibilidade do Governo sudanês para colaborar com as instâncias internacionais, o juiz diz que não acredita que isso seja possível com Vladimir Putin.

“Não estou a ver, com toda a sinceridade, nenhum Estado a executar um mandado de detenção quando o Presidente Putin for a uma reunião internacional, que agora não tem ido a muitas porque normalmente não é convidado, mas não estou a vê-lo a ser detido à chegada a algum país onde vá em visita de Estado. […] É claro que todos os Estados estão em pé de igualdade, mas sabemos que não é a mesma coisa […] e podemos imaginar o que seria a reação da Rússia se Vladimir Putin fosse preso à chegada a algum Estado”, disse.

As dificuldades de execução do mandado prejudicam inclusivamente o avanço do processo dentro do TPI, explicou Filipe Marques, que referiu que apenas na presença do arguido pode ser concluída uma acusação e ser feito um julgamento.

“Enquanto não se entregar voluntariamente ou o mandado de detenção não for executado o processo não avança”, disse.

No entanto, acrescentou, só o facto de ter sido emitido este mandado “já é muito relevante” e mesmo não podendo ter na base considerações políticas, o facto de necessariamente assentar em indícios fortes da existência dos crimes tem “efeitos políticos”.

O TPI emitiu hoje um mandado de detenção contra Putin e outro dirigido a Maria Alekseyevna Lvova-Belova, comissária para os Direitos da Criança no Gabinete do Presidente da Federação Russa, por deportação ilegal de crianças ucranianas, ação definida como um crime de guerra.

Um relatório sobre o Programa Sistemático da Rússia para a Reeducação e Adoção de Crianças da Ucrânia, lançado, em fevereiro, pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária da Escola de Saúde Pública de Yale (HRL), estima em mais de seis mil os menores ucranianos colocados em 43 campos de reeducação ou orfanatos russos após a invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de fevereiro de 2022. O relatório admite que o número pode ser bastante maior.

A organização não-governamental (ONG) Human Rigths Watch (HRW) estima, num outro relatório, que milhares de crianças ucranianas que viviam em orfanatos foram transferidas à força para a Rússia ou para territórios ocupados.

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