Nascida com 35 semanas e três dias através de cesariana, a bebé - uma menina com 2,5 quilos - foi dada à luz no Hospital Universitário de São Paulo, que realizou o procedimento em 2016, reporta agora a prestigiada revista médica.

Sete meses após o nascimento, a menina e a mãe encontravam-se de boa saúde, estando a bebé com 7,2 quilos e a mamar regularmente.

Foi a primeira vez, após uma dezena de tentativas fracassadas nos Estados Unidos, República Checa e Turquia, que um transplante de útero a partir de uma doadora morta permitiu um nascimento.

Desde a primeira doação de útero a partir de uma mulher com vida, em 2013, na Suécia, foram realizados 39 transplantes, dos quais 11 permitiram dar à luz.

"O recurso a doadoras falecidas poderá ampliar consideravelmente o acesso a este tratamento" por parte das "mulheres que sofrem esterilidade de origem uterina", declarou o doutor Dani Ejzenberg, que dirigiu o procedimento no Hospital Universitário de São Paulo.

O doutor antevê boas perspetivas, pois "o número de pessoas dispostas e comprometidas a doar órgãos depois da morte é muito maior do que de dadores vivos, proporcionando uma população de potenciais dadores muito mais vasta.” Para além disso, esta alternativa apresenta "várias vantagens em relação a um útero de uma doadora viva: o número potencial de doadoras é maior, o custo é menor e evita riscos para a doadora viva".

Ejzenberg realçou, contudo, que nesta fase, ainda é necessário comparar os efeitos e benefícios entre úteros doados por doadoras vivas e mortas, sendo que a técnica pode ser refinada e aperfeiçoada.

Até o momento, "a única gravidez decorrente de um transplante de útero retirado post mortem havia ocorrido em 2011, na Turquia", resultando num aborto espontâneo, recordou o doutor Srdjan Saso, do departamento de obstetrícia do Imperial College de Londres.

Para o professor Andrew Shennan, obstetra do Kings College de Londres, o procedimento "abre o caminho para a doação post mortem, como já é o caso para outros órgãos", o que "permitirá às mulheres que não podem (...) engravidar sem depender de doadoras vivas ou de mães de aluguer".

Os especialistas estimam que a infertilidade seja um problema que afete entre 10 e 15% dos casais em idade reprodutiva à escala mundial, sendo que neste grupo, uma em cada 500 mulheres tem problemas uterinos. Antes dos transplantes serem possíveis, as únicas hipóteses de ter um filho eram por adoção ou barriga de aluguer.

Procedimento de longa duração

A operação de transplante foi realizada em setembro de 2016. A mulher que recebeu o útero é uma psicóloga de 32 anos e nasceu sem o órgão devido ao síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser de que padece. Antes do transplante, a mulher submeteu-se a uma fecundação in vitro (FIV).

O útero foi retirado de uma mulher de 45 anos que morreu por um derrame cerebral e doadora de vários outros órgãos (coração, fígado e rins), de fator Rh O+.

O procedimento, descrito na The Lancet, envolveu ligar não só veias do útero doado, como também artérias, ligamentos e canais vaginais com a destinatária. A operação durou dez horas e trinta minutos e foi seguida por um tratamento imunossupressor para evitar a rejeição.

Cinco meses depois do transplante, a equipa Ejzenberg reportou que o útero não mostrou sinais problemáticos em relação ao novo corpo, que os exames de ultrassonografia estavam a dar sinais normais e que a recetora estava a ter uma menstruação regular.

Os óvulos deste útero, previamente fertilizados e congelados, foram implantados sete meses depois da operação e 10 dias depois a recetora tinha gravidez confirmada.

A gravidez decorreu sem dificuldades e a bebé nasceu após quase 36 semanas de gestação, no dia 15 de dezembro de 2017, em estado ligeiramente prematuro mas considerado oportuno pelos médicos para se evitar complicações.

A bebé pesava então 2,550 quilos e estava em perfeito estado de saúde. O útero foi retirado durante a cesariana para permitir a suspensão do tratamento imunossupressor.

A criança e a mãe tiveram alta em apenas três dias.

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