Maria Helena, 54 anos, chegou de Luanda em 2011, com insuficiência renal. Com algum o apoio do Governo de Angola, instalou-se numa pensão, nos Anjos, e iniciou tratamentos de hemodiálise, a que se seguiu um transplante.

“Lá em Angola não tem nada disso. Estou aqui porque lá não temos condições de vida. Uns estão a morrer lá em Angola”, conta à agência Lusa, sem largar a máquina de costura em que trabalha uma peça em forma de peixe, num bordado picotado a várias cores.

O lema da Bandim podia ser cor, muita cor. A oficina, que funciona num espaço cedido pela Junta de Freguesia de Arroios, está decorada com a multiplicidade de peças que ali se produzem pelas mãos de Maria Helena e de outras mulheres migrantes.

As formações em costura, num total de cerca de 100 horas cada, visam capacitar as mulheres para trabalharem em coleções desenvolvidas dentro da cooperativa – que são vendidas coletivamente -, mas também ajudá-las a arranjar trabalho como costureiras noutro lugar.

Filha de alfaiate, Maria Helena já fazia alguns bordados em casa e confeciona quimonos para a mãe. Agora, que já sabe “coser bem”, tenciona começar a produzir para vender.

“É bom aprender a fazer essas coisas, é muito bom. E aqui tem pessoas que ajudam, mesmo se precisarmos de um documento e assim”, diz. A viver num quarto “muito pequeno”, a artesã angolana sonha com uma casa e anima-se quando conta que já vendeu peças para o Brasil.

A Bandim formalizou-se há cerca de um ano e meio como projeto independente e tem entre os vários parceiros a Fundação Aga Khan.

Foi através do Governo português e da Rede Aga Khan que Shahnaz, 33 anos, chegou a Portugal como refugiada do Afeganistão, depois de passar pelo Irão, pela Turquia e pela Grécia.

Com formação em economia, aprende agora a coser com novas linhas. Trabalhava num banco e dava aulas de inglês numa escola privada, antes de abandonar o Afeganistão por “motivos de segurança”.

Na Bandim, que frequenta com a irmã, proprietária de uma loja de confeção no Afeganistão, dedica-se a um novo projeto: “Estamos a fazer flores para colocar na roupa, o plano é fazer roupas, por agora”, avança.

“Não tem sido muito fácil, precisamos de apoio e aqui estamos a aprender”, afirma, recordando que no Afeganistão tinha uma família “muito grande” – como é habitual na Ásia -, na qual os mais velhos faziam tudo para os mais novos.

“Na Europa é diferente. Quando tens 18 anos, vais [embora], mas está tudo bem” (risos). No final da conversa corre a mostrar o trabalho que já produziu, aplicações de flores em sacos e vestidos simples.

Milene Pereira, vice-presidente da Bandim, explica que a formação tem vários níveis e que no final, as formandas estão aptas para trabalharem como costureiras noutro lugar, se quiserem.

Milene chegou do Brasil há 20 anos e, aos 50 anos, gere a Bandim com Farhana Akter (presidente), natural do Bangladesh.

É Farhana, 41 anos, que dá conta das dificuldades com que se depara a cooperativa para dar resposta às necessidades das mulheres que a procuram. “Temos 21 nacionalidades e mais de 82 membros”, diz.

A Bandim precisa de apoio financeiro e institucional para poder apoiar as situações familiares que lhe chegam, a vários níveis, embora nem todas as mulheres precisem de dinheiro: “Algumas senhoras vêm só para terem a companhia de outras, porque estão sozinhas”.

O espaço tem sido procurado por estudantes de mestrado e investigadores na área das migrações, o que leva a presidente a considerar que a diversidade cultural e a partilha de saberes que ali se cruzam constitui uma boa fonte de investigação.

É neste sentido que está a desenvolver contactos com investigadores da Universidade Nova de Lisboa na área da Antropologia, com o objetivo de levar a investigação e a educação para a Bandim.

“Muitas pessoas aqui não falam português, nem inglês. Umas só falam línguas africanas ou asiáticas. Juntas criamos algo que é absolutamente único. Às vezes, comunicamos por gestos”, resume a antiga professora de inglês, que em Portugal assume a função de mediadora intercultural e ensina como se fazem os bordados do Bangladesh.

A cooperativa tem também uma preocupação de sustentabilidade, aceita doações de tecidos e trabalha essencialmente com retalhos. Neste momento precisa de “lãs velhas” para o enchimento dos peixes transformados em almofadas e peças decorativas suspensas nas paredes.

Além das peças expostas na montra da oficina, os artigos são vendidos no mercado, do outro lado da rua, e em lojas que comercializam produtos originais.

A Bandim, com oficinas em Lisboa e em Sintra, orgulha-se de acolher ideias, culturas, artes e ofícios de todo o mundo para criar “uma marca de pessoas para pessoas, sob o sol de Portugal”.

* Texto de Ana Mendes Henriques e fotos de Manuel de Almeida , da agência Lusa