Em entrevista à agência Lusa, Pedro Soares, que não se vê como principal rosto do movimento Convergência, recusa “qualquer expectativa de disputa de lideranças” do BE, mas é um dos nomes que mais se destacam entre os mais de 60 militantes que, descontentes com o rumo político e interno do partido, convocaram o encontro nacional Convergência, que decorreu há duas semanas em Lisboa.

“Nós não queremos cavar trincheiras. Ao contrário de cavar trincheiras como alguns têm feito, nós queremos retirar trincheiras, retirar muros, abrir espaço de diálogo porque nós temos uma perspetiva do Bloco que tem a ver com a sua matriz”, resume.

Na visão do antigo deputado do BE, com o fim da 'Geringonça', a direção de Catarina Martins deve agora assumir “com toda clareza” que o partido é “uma oposição influente, que faz propostas, que procura que haja mudanças e que influencia a governação”.

Uma das preocupações da Convergência – e que aliás motivou a criação deste movimento - prende-se com as recentes saídas de vários militantes do partido, porque “o descontentamento sobre determinadas situações que se vivem dentro do Bloco não podem dar origem a mais saídas, a mais sangramento”.

“É necessário criar uma esperança dentro do BE, a esperança de que o Bloco se vai manter como uma força plural, que as divergências internas não são perseguidas, que os camaradas que têm essas divergências não são tidos como heréticos, que não vai haver cordões sanitários à volta de movimentos que queiram discutir e debater as coisas”, sublinha.

Para Pedro Soares, fundador do partido, “o erro da campanha” para as legislativas foi o facto de as propostas e bandeiras do BE “terem ficado submersas no debate” se os bloquistas queriam ou não um novo acordo com o PS.

Ao longo da entrevista, o membro da articulação nacional da Convergência oferece sempre resistência ao rótulo de “oposição interna” e quando, questionado sobre o porquê, explica: “em termos teóricos, nós não estaremos de acordo com todas as decisões tomadas pela direção e portanto seremos oposição, mas nós preferimos não utilizar essa terminologia porque ela de facto tende a extremar posições”.

Apesar das críticas, Pedro Soares – um dos 80 membros da Mesa Nacional do BE, eleito então pela moção liderada por Catarina Martins – assume estar “de acordo com muitas das coisas que a direção atual do Bloco faz” e mostra “orgulho” na forma como a líder “tem conseguido afirmar e prestigiar” o partido, mas considera que “não chega”.

“O Bloco é demasiadamente importante para se fechar e ter um comportamento que, de algum modo, mimetize o comportamento tradicional dos outros partidos”, critica, considerando que o partido “não se pode fulanizar”.

O bloquista condena também “um certo autocentramento”, sendo um dos objetivos da Convergência “resgatar a ideia do partido-movimento” e a pluralidade fundadora do partido.

Confrontado com a resposta da direção do partido sobre o momento em que aparecem as críticas em relação à 'Geringonça', Pedro Soares lembra que já “em 2016 os dirigentes do Bloco levantaram essa questão” e que isso “é público”.

“A Marisa Matias fez declarações públicas sobre essa matéria em que dizia claramente que era preciso repensar os acordos das esquerdas (…) Nas reuniões da direção nacional subsequentes a essas declarações, vários dirigentes, um deles fui eu, coloquei a necessidade de confrontar o PS, o Governo com um novo caderno de encargos”, contrapõe.

Este foi, aliás, um dos motivos que o levou a não ser candidato a deputado nas últimas legislativas, depois de ter estado na fotografia da primeira reunião que deu origem à 'Geringonça', ter sido coordenador autárquico e ter até assumido uma das pastas-bandeira dos bloquistas, a habitação.

“Este meu posicionamento crítico não era bem visto por alguns setores dentro do Bloco e portanto eu acho que, em coerência, o que tinha que fazer era não continuar no Parlamento e manter a minha atividade política e cívica”, justifica.

Confrontado sobre se tinha sido o facto de ter dado como morada a sede do partido em Braga que determinou o seu afastamento da atual direção, Pedro Soares considera que se trata de “pura intriga”, rejeitando ter tido qualquer benefício.

“Eu sei que isso internamente foi aproveitado por algumas pessoas, mas eu nem sequer quero pronunciar-me sobre isso porque eu recuso, assim como recuso a fulanização, também recuso a intriga, que eu acho que é deplorável e eu não quero entrar nesse caminho”, assegura.

 BE deve permitir especialidade no Orçamento do Estado, mas demarcar-se no final caso PS não mude

O ex-deputado bloquista Pedro Soares defende que o partido deve viabilizar o Orçamento do Estado na generalidade, mas considera que, se o PS “mantiver a arrogância” e não se aproximar da esquerda na especialidade, o BE deve demarcar-se.

O antigo deputado do BE considera que o partido “deve estar interessado em fazer” o debate do Orçamento do Estado para 2020 (OE2020) na especialidade porque, caso não o fizesse, o PS diria sempre que teria estado disponível para acolher propostas dos bloquistas e isso “nunca chegaria a ser comprovado”.

“O Bloco tem interesse, para a melhoria das condições de vida das pessoas e de toda a sociedade, que esse debate seja feito na especialidade”, argumenta.

Assim, para Pedro Soares, o BE “deve permiti-lo”, viabilizando o documento na generalidade.

“Agora, eu devo dizer com toda a clareza que eu acho que, de acordo com o programa eleitoral do Bloco de Esquerda, com aquilo que é a orientação política definida na última convenção, há aqui uma linha divisória clara entre o nosso [programa] e o Partido Socialista”, ressalva.

No entanto, para o membro da articulação nacional da Convergência, “se tudo no essencial se mantiver, se o Partido Socialista mantiver esta arrogância que já se tinha vindo a manifestar nos dois últimos anos da 'Geringonça'”, o Bloco “não tem outra alternativa que não demarcar-se deste Orçamento de Estado”.

“Aliás já foi dito pela direção do Bloco que tudo estava em aberto, todas as três possibilidades estavam em aberto e uma delas de facto é de votar contra porque o Bloco de Esquerda não pode ficar comprometido com um Orçamento de Estado que é precisamente o contrário de tudo aquilo que o Bloco tem vindo a defender em termos da sua orientação política”, avisa.

Para Pedro Soares, é claro que ou os socialistas têm “um outro tipo de comportamento de aproximação à esquerda” ou, de facto, “em nome da clareza e da higiene política neste país, cada partido terá que tomar uma posição clara sobre este orçamento”.

“A Mesa Nacional do Bloco irá reunir-se no princípio de janeiro e estaremos nesse debate para definir o posicionamento, e a Convergência quer participar nesse debate e, como é óbvio, será solidária com a posição que a direção tomar”, garante.

Pedro Soares é um dos 80 membros eleitos para a Mesa Nacional bloquista.

Este órgão máximo entre convenções reúne-se no dia 4 de janeiro para analisar a proposta de OE2020 apresentada pelo Governo, devendo ser decidido o sentido de voto do partido na generalidade.

[Notícia atualizada às 10:15]