Em 1931, o primeiro exemplar do jornal privado Notícias de Cabo Verde noticiava, com destaque e uma fotografia, a chegada do novo governador Amadeu Gomes Figueiredo ao território.

O jornal custava um escudo e foi fundado por Manuel Ribeiro de Almeida, empresário de sucesso na ilha cabo-verdiana de São Vicente, com uma particular paixão pelas artes e ideias.

O número um explicava, no editorial, o programa do Notícias de Cabo Verde: “Fazer a propaganda e a defesa da nossa terra e lutar pelo seu progresso material e moral”.

A publicação durou 31 anos, com uma periodicidade instável, e relatou nas suas edições a história de um Cabo Verde que lutava contra a fome, num mundo atravessado por uma guerra mundial, e ilustrado com muitas fotografias das principais figuras de um Portugal que ainda queria ser imperial.

Como a edição de 23 de junho de 1939, com uma primeira página preenchida com a fotografia de Óscar Carmona, a propósito da visita do chefe de Estado português ao arquipélago cabo-verdiano.

O Notícias de Cabo Verde foi o primeiro a relatar alguns acontecimentos marcantes da história deste país africano, como a revolta de Nhô Ambrôze, uma manifestação em 1934 de um grupo que percorreu várias ruas da cidade do Mindelo, ostentando um pano preto a servir de bandeira, contra a miséria e a fome.

Também noticiou o "Desastre da Assistência" na cidade da Praia, em Santiago, uma catástrofe que ocorreu em 1949, quando a parede dos Serviços Cabo-verdianos da Assistência ruiu, matando 232 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, que ali acorriam por terem fome.

Em mais de um quarto de século, as edições deste jornal deram conta do início e fim da Segunda Guerra Mundial, a luta do arquipélago contra a malária, escreveram sobre as figuras nacionais e locais, com destaque para a cidade do Mindelo, em São Vicente, onde era feito, sublinhando as visitas das mais altas personalidades ao território.

Ao longo destas edições, que estão reunidas em três volumes A3, de capa rija e cor verde com letras douradas, encontram-se textos e poemas de nomes sonantes da literatura cabo-verdiana, como Osvaldo Osório, Armando Vieira, Jorge Miranda Alfama e Mário Fonseca.

A publicidade dava igualmente conta de produtos e negócios no território e na metrópole, assinalava efemérides, como o primeiro centenário do Mindelo (1838 – 1938), com direito a primeira página e edição especial, ao nível do conteúdo e do papel.

O jornal foi impresso na sociedade de Tipografia e Publicidade, fundada por Manuel Ribeiro de Almeida, na qual foram impressas publicações emblemáticas, como a revista Claridade (1936), no âmago de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana.

A última edição do Notícias de Cabo Verde foi à estampa em 28 de agosto de 1962, sob a direção de Raul Ribeiro, irmão de Manuel Ribeiro de Almeida, e a principal notícia era a visita a Cabo Verde do então ministro do Ultramar, Adriano Moreira.

A filha de Raul Ribeiro, Helena Neto, proprietária da inédita coleção de jornais, tem a ambição de que estes exemplares sejam vistos pelo maior número de pessoas e desloca-se esta semana ao Mindelo, onde vai oferecer a coleção à biblioteca municipal.

“A ideia é permitir que as obras sejam consultadas, porque não sou eterna, já tenho esta idade” (87 anos), disse à agência Lusa Helena Neto, conhecida como Milene Neto, e que gostaria que os jornais fossem microfilmados para poderem estar disponíveis para todos e para sempre.

Helena Neto, conhecida como Milena, vive em Portugal desde os 10 anos . Cresceu a ver um álbum “muito especial” elaborado pelo pai, Raul Ribeiro, que foi o último diretor do jornal Notícias de Cabo Verde (1931 – 1962) e era um apaixonado pela fotografia.

As fotos inéditas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral: “O meu pai foi o primeiro a abrir a porta do avião”

Fotografias inéditas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral na ilha cabo-verdiana de São Vicente, tiradas há mais de cem anos por Raul Ribeiro e também na posse da filha vão igualmente ser oferecidas ao arquipélago.

O álbum que Milena Neto guardou até hoje é de cartão e cada página apresenta três a quatro fotografias da aventura dos dois portugueses que, em 1922, realizaram com sucesso a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

A ilha de São Vicente, onde Milena Neto nasceu, foi a segunda paragem da viagem de Gago Coutinho (cartógrafo/navegador) e Sacadura Cabral (piloto), que saíram de Lisboa em 30 de março de 1922, com destino às Canárias, tendo como meta final o Brasil.

Voaram 800 milhas desde as Canárias até São Vicente (Cabo Verde), onde os esperavam uma comissão de honra, de que fazia parte o pai de Milena Neto.

“O meu pai foi o primeiro a abrir a porta do avião”, contou a filha de Raul Ribeiro, o autor da reportagem fotográfica, com as imagens devidamente legendadas.

As fotografias relatam a passagem e estadia dos dois aviadores no Mindelo, onde repararam o hidroavião “Lusitânia”, mostrando imagens do aparelho, populares a observar os aventureiros e marinheiros da Armada a guardarem o avião.

Uma das fotografias mostra Gago Coutinho e Sacadura Cabral a regressarem de uma sessão solene na Câmara Municipal e a entrarem no Palácio do Governo, onde ficaram hospedados.

Outras imagens retratam a dupla a sair do Palácio para um chá em casa do cônsul inglês, bem como Sacadura Cabral à conversa com um mecânico e pessoal da aviação marítima.

Helena Neto gostaria que o álbum tivesse sido entregue antes, nomeadamente no ano passado, que assinalou os cem anos após o feito, muito comemorado em Cabo Verde, mas só agora conseguiu este propósito.

Recorda que achava graça estudar esta travessia na escola, pois tinha em casa um relato muito especial da viagem, que irá entregar ao presidente da Câmara Municipal do Mindelo na próxima semana, tendo o objetivo de o mesmo ser exposto na Biblioteca Municipal.