Gostava que os britânicos ficassem na União Europeia e se tivesse poderes transformava já o Brexit em remain. Nuno Melo, cabeça-de-lista do CDS às eleições europeias, receia que, como diz Nigel Farage, a saída do Reino Unido seja o princípio do fim do projeto europeu. “Eles têm um problema, que é o controlo dos fluxos migratórios. Se tivessem restrição de circulação de pessoas, penso que ficariam na UE. Mas não se pode ter tudo”, considera.
É nesta perspetiva de consenso que o PPE, grupo político em que está inserido o CDS, preferiu suspender e não expulsar o Fidesz, liderado pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, a propósito de decisões recentes que colocam em causa a democracia. “Prefiro um Fidesz que se corrija a um que se radicalize, caso contrário o que terá é uma Hungria fora da União Europeia”, garante.
Começámos esta conversa como a acabámos: a falar as transformações políticas dos últimos dez anos na União Europeia.
Já fiz esta pergunta antes: um responsável europeu perguntou a Nigel Farage como vê o futuro das relações entre o Reino Unido e a União Europeia. Respondeu que com a saída do RU não haverá mais UE. Será assim?
É possível, não houve nenhum regime perpétuo, a União Europeia não será a primeira exceção. A questão está em saber por quanto tempo ainda teremos este projecto e, por razões óbvias, a começar pela paz, é desejável que seja longo. Mas, manifestamente, assistimos a uma transformação muito radical da realidade europeia, disso não há dúvidas.
Chegou ao Parlamento Europeu em 2009. Quais as diferenças de lá para cá?
O que era mais ou menos académico em 2009, quando fui candidato pela primeira vez, e nem sequer eram realidades muito nítidas em 2014, são hoje cenários muito surpreendentes que, de facto, põem em crise este projeto tal como o concebemos. O Brexit, para começar, tem consequências: desde a demografia - mais de 60 milhões de consumidores - ao facto de deixarmos de ser a primeira economia, de perdemos o primeiro exército e um aliado estratégico do ponto de vista atlântico. Depois, esta reconfiguração político-partidária, que é muito radical: partidos que somavam 3%, 4%, 5% nas urnas em 2009 ou nem sequer existiam, neste momento disputam e estão no poder. Os partidos tradicionais, que alternaram no poder durante décadas nos principais países da Europa - França, Itália, Grécia, Alemanha e até mesmo em Portugal, com uma solução governativa um pouco insólita - colapsaram.
A direita teve responsabilidades nisso?
Porventura. Mas pela primeira vez, sozinho, o partido que perdeu as eleições governa. Tudo chega mais tarde a Portugal, mas, uma solução governativa em que pela primeira vez em 40 anos o PC e o Bloco - tendo em conta a denominação de origem, que é PSR e UDP (e tiramos daqui o Política XXI) - mandam, não deixa de ser uma inovação. Depois há a ascensão dos extremismos, a dificílima gestão dos fluxos migratórios, muito mais do que a crise dita dos refugiados, que são uma pequena parte desta realidade. Tudo isto faz com que, a prazo, a União Europeia como a concebemos possa estar em risco.
Cresci com as histórias do meu tio avô, que esteve na Grande Guerra, o meu pai esteve em África e a minha geração é a primeira a ser poupada à guerra
Sendo que há uma geração que nasceu nisto…
Que é a que mais se abstém, coisa extraordinária. Em Portugal mais de 80% não votam [18 aos 24 anos]. A minha geração é a última do Império: vivi o fim do Império, tinha nove anos quando aconteceu o 25 de Abril, assisti ao PREC [Período Revolucionário Em Curso], à consolidação da democracia e à entrada na CEE. E mais: cresci com as histórias do meu tio avô, que esteve na Grande Guerra, o meu pai esteve em África e a minha geração é a primeira a ser poupada à guerra. E os miúdos de hoje, os jovens, não têm termo de comparação, são a geração dos direitos adquiridos. E abstêm-se, o que é extraordinário, porque têm oportunidades com que a minha geração nunca sonhou. Acho que em larga medida não votam por comodismo, não querem saber.
Irónico, os que não votam imporem o seu não voto aos que votam e ditarem o futuro de todos?
Sim, o maior partido é a abstenção. É caricato e conclusivo que mais de 60% das pessoas se abstenha em eleições europeias, quando tudo o que nos afeta está cá [Bruxelas e Estrasburgo]. E Portugal é um dos primeiros beneficiários de um projeto que é global e extraordinário, mas que se tem transformado.
Acredito que o federalismo está a matar a Europa
Qual a alternativa, qual o caminho?
Acredito que o federalismo está a matar a Europa. Somos um mosaico, é essa a extraordinária riqueza, somos diferentes até nas nossas personalidades coletivas, o que identificamos num italiano, num inglês, num alemão - e não tem que ver com a raça nem com pele nem com o credo, tem a ver com as caraterísticas enquanto povo. E temos o princípio da subsidiariedade como regra nos tratados que, infelizmente, hoje é tido não como regra, mas como exceção. Há uma certa macrocefalia de Bruxelas, muito mais concentrada em encontrar denominadores artificiais do que em tentar impor os denominadores comuns naturais. O princípio da subsidiariedade só deixa à União aquilo que os países não fazem melhor. Esse caminho, certamente, teria sucesso. Mas, ao contrário, tenta-se impor a todos regras que podem ser tidas ou intuídas como naturais na Finlândia, por exemplo, mas não fazem sentido algum em Portugal.
Por que motivo acontece isso, quem escolhe essa macrocefalia de Bruxelas?
Muitas vezes não é por culpa dos políticos - e esta é a realidade técnica da União: as pessoas estão nos gabinetes e têm de produzir trabalho. Agora estava a falar da questão da hora - votei contra os dois relatórios, o da Comissão e o do Parlamento, que só adiou para 2021. Não é a mesma coisa as crianças irem de noite para a escola ou os trabalhadores da construção civil começarem a pregar pregos de noite. Isto é de uma falta de senso tão evidente, que mostra o caricato de como o federalismo está a matar a Europa. Há imposição de fórmulas em relação aos mais difíceis dossiers, começando pela crise das migrações, quando, porque avaliamos a realidade só pelo nosso filtro, achamos que em Portugal podemos impor visões a quem vive na Alemanha ou na França ou na Áustria ou na Hungria, quando com isso criamos fraturas em relação aos povos. Acredito numa Europa de nações, não acredito nesta vontade de transformar, a prazo, nações em regiões. Até pelo diferente peso político e estratégico dos Estados: representamos 10 milhões em 500 milhões, nunca vamos ser prevalentes, nunca vamos conseguir impor uma visão nossa se for conflituante.
Para ter sucesso a UE terá de parar e recuar e não simplesmente avançar
Não é possível fazer acordos com outros países?
Há situações muito complicadas. Por exemplo, o pacto que será agora negociado das consequências das alterações climáticas e do aquecimento global e da preservação dos recursos aquíferos… Em Portugal esta questão sente-se, desde logo, na gestão dos rios. O que acontece com o rio Tejo, ou com alguns rios em Espanha? Há conflitos à escala regional que a União Europeia dificilmente consegue resolver. De resto, muitos impulsos separatistas têm surgido desde que estamos na União Europeia, a começar pela Espanha. Mas não só. Enquanto a União Europeia cresceu na construção do mercado teve sempre sucesso, porque potenciou oportunidades, transformou o mercado à escala dos países num mercado global de 500 milhões, criou oportunidades de negócio. O mesmo com as quatro liberdades: circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, porque decorre dessa lógica de mercado. Quando tentou adensar politicamente as instituições, começou a ter problemas. Desde Maastricht. As grandes dificuldades da Europa têm a ver com a construção política, e não de mercado. Para ter sucesso a UE terá de parar e recuar e não simplesmente avançar dando meios para resolver os problemas que foram aparecendo e causando esses males.
Falou nos gabinetes técnicos. Tajani também se queixou da burocracia, mas é ele o presidente do Parlamento Europeu.
Mas sozinho não faz nada. O Parlamento Europeu não tem iniciativa legislativa, essa é uma competência do Conselho Europeu e da Comissão Europeia. A Europa é burocracia.
Há uma campanha a decorrer e, ainda assim, pouco se fala dos problemas da Europa. Porquê?
A culpa é, em primeiro lugar, do primeiro-ministro. Em todos os debates falo da Europa e apelo ao voto, mostrando as vantagens do que é hoje a União, do que foi e do que a minha geração não teve. Depois, tenho um partido que está no poder e planta pelo país outdoors a dizer “Somos Europa”, mas que tem um primeiro-ministro que diz que estas eleições europeias têm de ser a primeira volta das legislativas e devem ser uma moção de confiança ao governo.
Nós, principalmente os candidatos dos partidos mais pequenos, temos de dançar a música que nos tocam
Todos dizem isso, Ricardo Araújo Pereira apresentou no programa “Gente que Não Sabe Estar” uma sequência com essas afirmações…
E ele tem muita graça e é simplesmente genial. O ponto é: nós, principalmente os candidatos dos partidos mais pequenos, temos de dançar a música que nos tocam, é mesmo assim. Não vamos ter o primeiro-ministro a querer transformar as eleições numa moção de confiança ao governo achando que nós não trataremos de mostrar que deve ser uma moção de censura a esse mesmo governo. Estou disponível para tratar de questões europeias, só que, note bem, ja fiz uns dez debates sobre a Europa e sobre as eleições europeias e nunca debati com Pedro Marques [cabeça-de-lista do PS]. Quer dizer, já vi o Pedro Marques no Carnaval não sei de onde, já o vi num jogo do Benfica, já vi o no jogo da Selecção a tirar selfies muito divertido, mas nunca o vi a discutir a Europa [esta entrevista foi realizada no dia 16 de Abril] ou Portugal. Debati com Manuel Pizarro, com Margarida Marques, com Carlos Zorrinho, mas Pedro Marques, zero.
Qual o projeto do CDS para a Europa?
Temos vários. Um, de base institucional, que tem a ver com o tal projecto que não é federalista. Somos o único partido europeísta, mas não federalista. Isto tem implicações, por exemplo, naquilo que nos afecta todos os dias em matéria tributária. O CDS rejeita em absoluto a possibilidade da criação de uma máquina tributária em Bruxelas - por alguma razão não subscrevemos (também não fomos convidados, mas não subscreveríamos) o acordo que o PS e o PSD firmaram sobre impostos europeus. A questão tributária é uma reserva soberana dos Estados, sabemos como os impostos começam, nunca sabemos como acabam. Os países não pagam todos os mesmos impostos, o mesmo imposto não vai onerar da mesma forma uma empresa alemã ou um contribuinte alemão e uma empresa portuguesa ou um contribuinte português. Além disso já temos demasiada carga fiscal - e quando em política é preciso imaginar alguma coisa e se termina sempre nos impostos, isso diz tudo.
O CDS rejeita em absoluto a possibilidade da criação de uma máquina tributária em Bruxelas
Os partidos explicaram que não seria um imposto europeu. No fundo, seria algo do género do IVA, mas aplicado a áreas/empresas específicas.
A segunda questão tem que ver com os interesses estratégicos dos Estados, que são realmente muito diferentes uns dos outros e devem ser preservados e salvaguardados, ainda que hoje isso aconteça residualmente no que tem que ver com o direito de veto e com a regra da unanimidade. Actualmente a regra já é a da maioria qualificada, ou seja, na maior parte das matérias 16 países podem definir o futuro da União Europeia. Mas, quando estão em causa direitos vitais, há matérias que estão submetidas à regra da unanimidade e ao direito de veto, como é o caso da adesão dos Estados, das questões da cidadania, da política externa ou fiscal, para dar alguns exemplos. E é curioso perceber que a regra da unanimidade foi criada em 1965, na chamada crise da “cadeira vazia”, quando De Gaulle era presidente da França e, desagradado com uma proposta do presidente da Comissão Europeia, decidiu não se sentar à mesa do Conselho, porque em causa estava uma deliberação que no seu entendimento violava os interesses da França. França, que é a França, percebeu que tem interesses vitais, e Portugal, que é Portugal, acha que não tem interesses vitais.
E o CDS, em que acredita?
O Dr. António Costa está disponível para acabar com a regra da unanimidade. PS e PSD votaram há semanas em Estrasburgo um documento estruturante, “O Futuro da Europa”, em que foram a favor de duas coisas: a criação de impostos europeus e o fim da regra da unanimidade em relação à política fiscal e à política externa. E o CDS acredita a política externa é uma área onde o direito de veto é crucial. O interesse estratégico português é muito singular e resulta da nossa vivência, somos um país com nove séculos e que tem na lusofonia um espaço de influência. Imagine que 16 países têm vontade de decidir sanções - como aconteceu em relação à Rússia por causa da Ucrânia - no espaço da lusofonia, seja ao Brasil, a Angola, a Moçambique ou outro qualquer… Portugal não poderá dizer não. Somos contra o fim da unanimidade em matéria de política externa, o que não invalida que devamos ser muito claros na preservação daquilo que deve ser uma política europeia, aquilo que a Europa faz melhor do que os países.
Quais são as áreas em que o CDS defende exceções?
Veja: hoje, tendo nós diferentes capacidades produtivas por causa da Política Agrícola Comum, temos bons alimentos, a baixo custo, somos auto-suficientes do ponto de vista alimentar e todos podemos ter agricultura independentemente da capacidade competitiva. Ou a Proteção Civil. O novo Mecanismo Europeu de Proteção Civil é uma política europeia óbvia, vai colocar todos os países a ajudarem o país que precisa do ponto de vista das capacitações de intervenção. Sabe-se que normalmente os fogos acontecem no sul da Europa (Grécia, Portugal e Espanha), tal como os terramotos ocorrem em Itália e as inundações em França. As catástrofes estão mais ou menos padronizadas. Por isso já defendi que os mecanismos físicos da proteção civil, as bases do futuro mecanismo, devem ficar no sul da Europa, parte na Grécia, parte na Península Ibérica. A mesma coisa no que tem a ver com os mecanismos da livre circulação de bens, de pessoas, de serviços e de capitais. Há políticas que têm de ser concluídas, por exemplo, em relação à União Bancária ou à Zona Euro. Temos de pensar naquilo que são mecanismos de interesse comum, porque já se percebeu que um país que esteja a gerir mal o que tem que ver com uma determinada realidade comum afeta todos.
Quais são os limites? Quando dá jeito é dos Estados, quando não dá é da União?
Aquilo que queremos e desejamos é um modelo que preserve as vocações soberanas dos Estados, não esta perspetiva em que paulatinamente se vai acabando com a lógica soberana; hoje acabam com o veto, amanhã começam com a fiscalidade a partir de Bruxelas e, a prazo, o que teremos é a impossibilidade absoluta de os países demograficamente menos expressivos valerem para o que quer que seja neste campeonato, como acontece todos os dias aqui nos grupos políticos. Queiramos ou não, olho para a realidade europeia e vejo quem manda, começando aqui no Parlamento.
Muitos dos extremismos acontecem porque as pessoas estão cansadas e não querem essa perspectiva de domínio
Quem manda?
Quem manda nos partidos políticos, de facto, são franceses e alemães. Quem está à frente de todas as coordenações - independentemente de algum rateio - são franceses ou alemães. Portanto, se abdicamos de toda a lógica soberana, o que temos são 500 milhões submetidos a um directório que do ponto de vista macroestratégico pode não respeitar a nossa vocação secular. É por isso que acredito numa Europa de Estados. Muitos dos extremismos acontecem porque as pessoas estão cansadas e não querem essa perspetiva de domínio. Eu acredito numa União Europeia de iguais.
As pessoas costumam pedir-lhe ajuda para resolver problemas? Em que tipo de questões?
Muitas vezes, quase todas as semanas. Ainda esta semana recebi um email extraordinário, que tem a ver com uma violação do Estado português. Se por uma lado quer lançar impostos europeus, por outro não cumpre em Portugal obrigações determinadas pela Europa em relação à fiscalidade no imposto automóvel. Estamos a ser condenados todos os dias a propósito dos veículos importados, porque voltamos a tributar o que já foi tributado no país de origem, violando as regras comunitárias. Mas o Estado português não quer saber.
Estamos [Portugal] a ser condenados todos os dias a propósito dos veículos importados
O que fez e o que costuma fazer nesses casos?
Normalmente interpelo a Comissão, que é um meio eficaz porque dá visibilidade nos países da violação das regras comunitárias. E ter uma resposta de um comissário responsável pelas regras da concorrência a dizer que Portugal está a violar a lei acaba por ter um feedback na comunicação social, e isso, porque os governos também dependem de votos, faz com que alguma coisa mude. Tenho em mãos um caso que tem a ver com a contaminação do rio Zêzere, que abastece Lisboa com toneladas de resíduos altamente perigosos. Todos os dias recebo interpelações.
O que é que já fez pela União Europeia, por Portugal na Europa?
Ui, tanta coisa. Hoje mesmo vai ser votado aquele que é talvez o mais importante relatório da legislatura, que é meu, no combate ao terrorismo. Os seus colegas têm uma relação muito circunstanciada do trabalho dos deputados e, finalmente, por uma vez avaliaram o trabalho dos deputados por aquilo que os deputados fizeram e não por uma fraude que se chama MEPs Ranking, pago por deputados. Mas isso é outra coisa.
Um atentado foi cometido por um refugiado afegão que tinha requerido asilo com 14 identidades diferentes, pela simples razão de que os dados não são cruzados
O que irá mudar com esse relatório?
Este relatório permite ver, ou permitirá, todas as informações que as polícias e entidades como o Frontex, a Europol e outras têm, principalmente de países terceiros, e que não estão em rede - e que têm permitido alguns atentados terroristas na Europa. Vou dar-lhe dois exemplos: na Alemanha um atentado foi cometido por um refugiado afegão que tinha requerido asilo com 14 identidades diferentes, pela simples razão de que os dados não são cruzados na UE.
Mas não era suposto já existir cruzamento de dados?
Mas não há, ainda. Outro exemplo, neste caso um refugiado tunisino que esfaqueou uns polícias em França num destes atentados mais ou menos recentes, tinha requerido asilo com sete identidades diferentes. Estes casos de multi-identidades só surgem porque não há cruzamento de dados. Um atentado na França cometido por cidadãos belgas só aconteceu porque a Bélgica não tinha transmitido à polícia secreta francesa os dados que tinha. Este relatório cria um sistema gerido pelo eu-LISA [Agência da União Européia para o Gerenciamento Operacional de Sistemas de TI de Grande Escala na Área de Liberdade, Segurança e Justiça] que vai permitir que todos os dados sejam cruzados.
Quando será posto em prática?
Vai funcionar a partir de 2021, com sorte, porque o processo legislativo tem destas nuances: o sacrossanto direito da proteção de dados pessoais prevalece sobre questões de segurança básicas. Lá está, no tal conflito de direitos, vencem os mais fortes. Mas depois de meses de negociações com a Comissão e com o Conselho, que nisto eram até mais abertos do que o Parlamento, a directiva foi aprovada. Tenho tido uma intervenção grande na área da Justiça e da Segurança que, porque sou advogado, me é quase natural. Mas também já me passaram pelas mãos relatórios na área da Agricultura, por exemplo.
Disse-me que é responsável por uma mostra de jovens agricultores portugueses…
Há coisas que faço fora do Parlamento, uma delas chama-se “O melhor de Portugal”. Nunca ninguém liga, mas junta 30 mil pessoas durante um fim-de-semana em Bruxelas para comprar a 100 produtores portugueses o que de melhor se faz em Portugal: vinho, azeite, fruta… Ou o Congresso de Agricultores, que junta jovens de toda a Europa, e elege o melhor projeto. Os portugueses ganharam três vezes esse prémio - o último foi Nuno Grave, com um projecto de 70 hectares de amendoal intensivo, em Portel, que cria mais de 80 postos de trabalho de raiz num território que estava por cultivar, ao abandono. Com fundos comunitários. Foram coisas feitas por mim e passam ao lado, mas se quiser dou-lhe uma relação escrita de todo o meu trabalho durante a legislatura e ficará impressionada.
De onde lhe vem o gosto pela agricultura?
Tive a sorte de viver a família em sentido lato, não só na lógica pai, mãe e filhos - somos quatro irmãos -, mas também tios e primos, que eram como irmãos. E tive uma infância de um tempo que acabou, uma infância livre, em que trepava às árvores, tinha a minha espingarda de pressão de ar e ia para o campo apanhar fruta. Talvez porque a minha infância foi sempre muito ligada à terra, e a minha família sempre teve quintas, o meu sonho de sucesso era um dia comprar minha terra. O meu primeiro dinheiro foi para comprar uma quinta perto de Braga - que ainda estou a pagar -, que não é grande, com uma casa decrépita, que tive de recuperar. E que replica, nesses poucos hectares, aquilo que foi a minha infância e onde tenho os meus filhos sempre que posso - tenho gémeos de sete anos, sou um pai velho, mas no momento certo. E fazem o que eu fazia: brincam na rua, sujam-se, sobem às árvores, apanham fruta. Não sei se vai fazer alguma diferença ou sequer se está cientificamente comprovado que faça os miúdos mais felizes, mas tomam banho num tanque de pedra como eu tomava, com água a cair da mina e fria de morrer.
Voltando um pouco atrás, o que é o MEPs Ranking e qual é a fraude?
Pois, o problema é esse, ninguém sabe exatamente quem está por trás desse ranking que avalia a atividade dos deputados europeus. Há um ano que estou à frente em vários aspetos, mas depois venho cá em baixo no fim da tabela. Escrevi um email a pedir que me dissessem quem está por trás do ranking e quem o financia. Recusaram-se a responder sobre o financiamento. Mas logo depois aconteceu o milagre da multiplicação: pela primeira vez, fui para o meio da tabela.
Quantos deputados quer o CDS eleger?
Eu espero que dois, o que seria repetir 2009 - o que é bom, porque para elegermos dois deputados hoje precisamos de mais votos com a mesma repartição. Mas noto o partido melhor na rua do que que em 2009, quando tínhamos sondagens que nos davam 2,7% e zero deputados. Agora estamos nos 7% ou 8% nas sondagens, dois deputados.
Se Pedro Santana Lopes tivesse vencido o congresso do PSD, estava agora com os dedos em V a dizer PPD/PSD
Desde o início desta conversa não mencionou uma vez outros partidos que não o PS e o PSD. Porquê?
Referi-me aos partidos com representação parlamentar que, como o CDS, têm uma visão europeísta e em relação aos quais temos de nos distinguir para que as pessoas percebam que o CDS tem muitas coisas em comum com o PSD e o PS, mas tem também diferenças. E quis traçar algumas diferenças, desde logo em relação ao PSD, com quem estivemos coligados. Além disso, não confundo novos partidos com dissidências do PSD. O Aliança é criado por Pedro Santana Lopes, não obedece a uma vocação original de um novo partido à direita. Se Pedro Santana Lopes tivesse vencido o congresso do PSD, estava agora com os dedos em V a dizer PPD/PSD, como disse durante 40 anos. Não acredito no milagre da transfiguração política.
Dos novos, em quem acredita?
Surgiu um partido que acredito que vai crescer nas urnas, o PAN, por causa desta humanização dos animais - sentida desde logo por quem vive nas cidades e nunca viveu no campo, não teve essa experiência. Penso que entre os partidos mais novos será o que terá maior margem de crescimento. Ao mesmo tempo, em democracia devemos ser suficientemente prudentes e perceber o que se está a passar na Europa, onde novos partidos acabam por substituir velhos partidos, que se achava que ficariam para todo o sempre.
As tais transformações de que também fala no início…
Em França, o PS de François Mitterrand, que foi tantas vezes governo, teve 6,4% dos votos na últimas presidenciais. O Partido Republicano está esfrangalhado, quem manda é Macron, com uma realidade mais ou menos inorgânica, e já foi Marine Le Pen a vencer as europeias. Em Itália, quem manda hoje é Salvini, e o Movimento 5 Estrelas, outra realidade inorgânica - que nesta lógica de cidadania funciona pelo WhatsApp - tem maiorias. O Força Itália, do centro direita e que governou tantos anos, mas também os socialistas - Renzi cometeu um erro crasso com o referendo que o matou -, teve de ir buscar Berlusconi, com 82 anos. Na Grécia, o Pazok, partido socialista helénico que governou sempre, a par do Nova Democracia, foi substituído pelo Syriza. Em Espanha, o Vox teve o resultado que teve e o Podemos fragilizou largamente o PSOE, que só conseguiu chegar ao governo numa fórmula de geringonça ainda mais absurda, porque foi feita com independentistas catalães e etarras. Na Alemanha, o AfD entrou no parlamento pela primeira vez depois da crise dos refugiados e de uma vez só meteram 92 deputados no Bundestag. Tudo está a mudar e achamos que estas coisas não chegam a Portugal, mas também em Portugal as coisas estão a mudar.
O que é possível fazer para evitar extremismos?
Nada é garantido nem estático. O que temos de fazer, parece-me, é saber dar respostas concretas a problemas concretos das pessoas, para que elas, sentindo-nos, possam continuar a acreditar que há no grupo da moderação quem possa ajudar a mudar as coisas. Senão, vão procurar respostas no insólito e no extremismo.
O que me leva a perguntar como é que o CDS convive com o partido de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, no PPE e se é suficiente a suspensão do Fidesz?
Quem tem noção saberá que Viktor Orbán [primeiro-ministro da Hungria e líder do Fidesz] combateu o domínio soviético na sua génese. A sua entrada para o PPE como um dos partidos que representa a liberdade foi mais do que natural. O Fidesz convive e concorre com o Jobbik, partido fascista húngaro, cujo líder foi acusado de antissemitismo e que tem três eurodeputados. É preciso entender que a Hungria esteve dominada pelo comunismo e, na sua libertação, virou à direita e, em alguns casos, à extrema-direita. O PPE nasce das famílias cristãs europeias, mas não basta entrar, é preciso cumprir. Com esta alteração, na qual o grupo não se revê, o PPE fez o que o grupo socialista não fez em relação a casos mais graves, como a Roménia ou Malta - honrosa exceção para a deputada Ana Gomes, do PS: chamou a atenção e votou uma censura pedagógica.
Prefiro um Fidesz que se corrija a um que se radicalize, caso contrário o que terá é uma Hungria fora da União Europeia
O que é uma censura pedagógica?
Ativámos o artigo 9.º e o Fidesz está suspenso e a ser monitorizado até às eleições europeias. O objetivo é que o trajeto que está a seguir - em relação ao domínio dos tribunais, à não autonomia universitária, ao controlo da imprensa na Hungria - seja corrigido. Enquanto isso, nenhum dirigente do Fidesz pode participar nas atividades do Parlamento Europeu. Mas, como disse antes, na Roménia a democracia está em risco e os socialistas não fizeram nada. Pelo contrário, a comissária europeia para a Política Regional, Corina Cretu, responsável pelos fundos, fez um vídeo de apoio à candidatura do cabeça-de-lista do PS, Pedro Marques, o que viola o código de conduta. O CDS já interpelou o presidente da Comissão e está à espera de resposta. Quanto ao Fidesz, está suspenso até à decisão do Comité de Sábios. Pode acontecer até querer sair do PPE, eu não estranharia. Mas o CDS foi o primeiro partido a pedir através de carta uma explicação sobre o que se está a passar. Mas prefiro um Fidesz que se corrija a um que se radicalize, caso contrário o que terá é uma Hungria fora da União Europeia. Não queremos mais um Salvini ou uma Le Pen.
E a ideia de que o Vox possa integrar o PPE?
O partido homólogo do CDS em Espanha é o Partido Popular. Mas o Vox faz parte da ala conservadora do PPE, o presidente do partido era pai da juventude do PP no País Basco. Depois, não tenho de aceitar rótulos que se apliquem à direita e não à esquerda, é tão trágico o crescimento da extrema-direita como o da extrema-esquerda.
Comentários