Josie Andrade, enfermeira portuguesa de 27 anos, trabalha no Centre Antoine Lacassagne, hospital oncológico em Nice e estava na marginal quando um homem avançou com um camião de 19 toneladas contra a multidão, provocando pelo menos 80 mortes e mais de uma centena de feridos.
“Vou ser um pouco sintética, porque cada vez que que falo nisto vivo a situação”, disse ao SAPO quando lhe pedimos para contar o que viu esta quinta-feira, 14 de julho, na marginal do Passeio dos Ingleses, em Nice.
“Eu estava com três amigos, vimos o fogo-de-artifício em frente ao Hotel Negresco”, conta. “Quando acabou, percorremos a avenida do lado em que o camião passou”, tendo depois “atravessado para o outro lado para nos juntarmos a outros dois amigos”. “E, de repente, ouvimos gritos”, diz. “Vi o camião passar a uns dez metros de nós e a parar”, conclui.
Josie abandonou por momentos a nossa conversa, quando regressou, disse: “Desculpe, tenho telemóvel a mil à hora. E já me está a custar estar sempre a falar nisto”, desabafou.
Estóica, deu ao SAPO24 outros pormenores importantes da fatídica noite. “Quando vi o camião fugi para o interior de um hotel [o Palais de La Méditerranée] e subi para o primeiro andar. Fechei-me numa casa de banho com uma miúda de 19 anos. E ficamos lá em silêncio”.
Quando estalou a confusão, Josie separou-se dos amigos. “Mandamos mensagem a toda gente para tentar perceber o que se passava lá fora”. “[Procurei saber] como estavam os meus amigos”, acrescentou.
Ficaram horas no hotel, mesmo sabendo que era seguro sair, preferiram aguardar e contactar as autoridades. “Podíamos sair mas tínhamos muito medo. Entretanto, ligámos à polícia, que nos disse para lá ficar”.
Quando abandonaram finalmente o esconderijo, foram acompanhadas pelos bombeiros até um posto de socorro, onde falaram “com psicólogos” e prestaram “declarações à polícia”. Este processo demorou “umas horas”, conta, sem precisar.
Já em segurança, Josie informou amigos e familiares que estava bem através da rede social Facebook.
“Houve um grande espírito de entreajuda”
Ao longo da conversa, Josie destacou sobretudo o espírito de solidariedade que viu nessa noite. As pessoas “disponibilizaram-se para acolher”, diz, contando que a mãe de uma amiga, também enfermeira e cujo apartamento é perto da marginal, “acolheu pelo menos 20 pessoas em sua casa”.
Além de “um grande espírito de entreajuda”, a enfermeira portuguesa salienta o “enorme respeito pelo trabalho das equipas de socorro”. Na rua, “as pessoas circulam normalmente, estão calmas”, acrescenta.
Questionada sobre a possibilidade de este tipo de atentados extremar posições e fomentar o racismo, responde que “houve alguns comentários”, e que, por um lado “acha que sim”, mas, por outro lado, as pessoas percebem “que é um problema ligado aos extremistas”.
Josie não pôde adiantar muitas informações sobre o funcionamento dos serviços hospitalares, mas sabe que “toda a equipa do bloco” e alguns colegas seus foram contactados para integrar o plano de urgência. O instituto francês do sangue fez, entretanto, um apelo para que as pessoas doassem sangue, adianta.
Quer voltar? “Isto é tudo muito recente”
Quando lhe perguntamos se se sente segura diz: “não posso afirmar que sim”. E sobre voltar a Portugal? “É tudo muito recente. Mas a vida tem de continuar”.
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