A entrevista surge no meio de um autêntico alvoroço de notícias sobre a Cambridge Analytica, uma empresa de dados alegadamente ligada à campanha do presidente norte-americano Donald Trump, que teve acesso a informações de cerca de 50 milhões de utilizadores do Facebook sem que estes tivessem dado o seu consentimento para tal.

Zuckerberg, aos 33 anos, prefere geralmente expor-se via Facebook, nomeadamente em publicações na sua página oficial. Rara é a vez que concede entrevistas. Mas a situação atual assim o exigia. Afinal, deu-se um silêncio quase ensurdecedor que durou seis dias desde que a história desencadeou um autêntico frenesim após ter sido publicada pelo britânico The Observer. À CNN, nesta madrugada, começou a conversa pedindo desculpa.

"Foi uma grande quebra de confiança e lamento muito que isto tenha acontecido ", disse Zuckerberg a Laurie Segall, uma jornalista que acompanha os feitos do Facebook há 10 anos. "Temos a responsabilidade básica de proteger os dados das pessoas", continuou.

Não é caso para menos. O escândalo levou a uma descida das ações em bolsa e o homem que criou a rede social foi inclusivamente convocado por uma comissão parlamentar britânica e pelo Parlamento Europeu para se explicar.

Todavia, enquanto o mundo ficou turbinado em debates sobre dados, de Zuckerberg não havia qualquer reação. Foi preciso esperar até ao início da noite desta quarta-feira, em que quebrou o silêncio numa publicação na sua página, catalogando o incidente como sendo uma "quebra de confiança" entre a rede social e os seus utilizadores.

"Temos a responsabilidade de proteger os vossos dados pessoais e, se não conseguimos fazê-lo, não merecemos servir-vos. Tenho trabalhado para perceber exatamente o que aconteceu e como garantir que isto não volte a acontecer. A boa notícia é que as ações mais importantes para evitar que esta situação se volte a repetir, já foram tomadas há anos. Mas também cometemos erros, há mais a fazer", escreveu.

A empresa afirmou-se "escandalizada por ter sido enganada" pela utilização feita com os dados dos seus utilizadores e disse que "compreende a gravidade do problema".

Zuckerberg sentiu-se enganado e na entrevista à CNN, fazendo uma retrospeção dos acontecimentos, admite que "existiu um erro claro" em trabalhar com a Cambridge Analytica. E que no Facebook "temos de ter a certeza que não nunca mais cometemos um erro destes".

De seguida, assumiu que vão entrar em contacto com todos aqueles afetados e tentou descansar os mais preocupados sobre futuros deslizes idênticos. "E, doravante, quando identificarmos aplicações que façam esquemas semelhantes, nós vamos garantir que vamos avisar as pessoas também", revelou.

Eleições passadas e futuras

"Se me tivesses dito, em 2004, quando estava a arrancar com o Facebook, que grande parte da minha responsabilidade, atualmente, seria ajudar a proteger a integridade de eleições e interferências de outros governos... Eu, hum, não ia acreditar que isso seria algo que iria ter que lidar 14 anos mais tarde", contou num momento da entrevista.

Este pequeno desabafo de Zuckerberg levou a que a jornalista questionasse se o Facebook desempenhou ou não um bom trabalho na ingerência russa/notícias falsas durante as eleições norte-americanas de 2016. À pergunta, respondeu que se fez um trabalho "bom o suficiente". No entanto, era claro que nesse ano "não estávamos por cima num número de coisas que devíamos estar; fossem as notícias falsas ou a interferência russa".

O que não quer dizer que, na sua opinião, não tivessem sido alcançados progressos desde então. Para isso, para além de fazer referência às eleições francesas, recordou a vitória democrata no Alabama, um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos, naquela que foi a eleição mais disputada de 2017 no país.

"Mas, aquilo que vimos uns meses mais tarde, durante as eleições francesas, numa altura em que já dispúnhamos de melhores ferramentas de AI, foi que se conseguiu um trabalho muito melhor em identificar bots russos  — basicamente interferência russa — algo que tínhamos antecipado antes do período de eleições e ficámos muito mais satisfeitos com os resultados", disse.

Embora tenha acrescentado que, na realidade, "isto não é nada de transcendente. O que eu quero dizer é que há muito trabalho que precisamos de fazer para garantir que seja difícil a nações como a Rússia interferir e para garantir que os trolls e outros indivíduos não espalhem as notícias falsas".

Portas abertas ao Congresso

Mark Zuckerberg deixou a porta aberta para ir testemunhar perante o Congresso norte-americano, algo que nunca fez. "A resposta rápida é: ficarei feliz em ir, se for a coisa correta a fazer", disse.

Depois, explicou: "Testemunhamos regularmente no Congresso sobre um vasto número de tópicos; uns com perfil mais importante, outros não. E o nosso objetivo é prestar um melhor trabalho trabalho possível, levando a maior informação que se conseguir. Mas só se vê uma pequena parte dessa atividade. O que nós tentamos fazer é enviar a pessoa no Facebook que tem o maior conhecimento sobre aquilo que o Congresso quer saber. Se esse sou eu, então estarei feliz por ir. É que existem pessoas cujo seu único trabalho é focarem-se numa área. Mas se existir um tópico onde sou a única autoridade, então faz sentido que seja eu a ir", disse.

Só que no final daquela declaração pareceu ter um pouco de hesitação. E foi essa pequena hesitação que levou à jornalista interromper e esclarecer que as pessoas tinham interesse em que fosse o próprio e nenhum dos seus representantes a falar sobre o assunto. "É a cara do Facebook. Representa a marca e elas querem é ouvi-lo a si".

Tal se verificando, Zuckerberg deu nova explicação:

"É por isso que estou a fazer esta entrevista. Porque quando vamos testemunhar temos de perceber qual é o objetivo. E isso não é um motivo para existir um momento de media — ou pelo menos não é suposto. Penso que o objetivo é facultar ao Congresso tudo aquilo que este precisa para que faça o seu trabalho que é muito importante. E nós só queremos enviar a melhor pessoa para o fazer. Paralelamente, concordo que de facto existe um elemento de responsabilidade em que considero que eu devia de fazer mais entrevistas — por mais desconfortante que seja para mim fazê-las na televisão. Penso que é uma coisa importante enquanto disciplina para aquilo que estamos a fazer. Eu devia de estar disponível para responder a questões difíceis dos jornalistas", disse.

O legado para as filhas

Zuckerberg falou também do que é ser pai e como isso o afetou. Quer enquanto homem, quer no modo como leva agora o seu dia-a-dia no trabalho.

"Aquilo que eu pensava que era o mais importante, de longe, era ter o maior impacto no mundo que me fosse possível. Agora, apenas me importa construir algo que faça com que as minhas filhas que vão crescer tenham orgulho em mim. É o tipo de filosofia que me guia neste momento a este ponto; quando vou trabalhar em muitas coisas difíceis durante o dia e vou para casa, pergunto-me apenas: será que minhas meninas vão ter orgulho do que fiz hoje?".

O Facebook tem estado no centro de uma vasta polémica internacional com a empresa Cambridge Analytica, acusada de ter recuperado dados de 50 milhões de utilizadores da rede social, sem o seu consentimento, para elaborar um programa informático destinado a influenciar o voto dos eleitores, favorecendo a campanha de Donald Trump.

Nos Estados Unidos, os procuradores de Nova Iorque e de Massachusetts e a Comissão Federal do Comércio anunciaram que vão investigar o caso.