Esta segunda-feira, a presidente da Câmara Municipal (CM) de Almada, Inês de Medeiros (PS), afirmou que não se importaria de ir viver para o Bairro Amarelo, também conhecido como Bairro do PicaPau Amarelo, já “amanhã”.

A autarca falava na reunião pública ordinária da Câmara de Almada, na qual foi aprovada a "alteração simplificada da Reserva Ecológica Nacional no Porto Brandão" (Trafaria, Caparica), na zona do Lazareto. "Almada tem este privilégio de ter bairros sociais em espaços absolutamente maravilhosos, com uma vista invejável. Qualquer bairro social da margem norte tem inveja. Eu própria amanhã ia viver para o Bairro Amarelo”, afirmou.

Ainda na segunda-feira, a presidente da CM de Almada disse que as suas afirmações sobre o Bairro Amarelo, no Monte da Caparica, que começou a ser projetado em 1970 e teve conclusão em 17 anos depois, foram descontextualizadas devido ao "aproximar das eleições" e que “a questão da localização de alguns dos bairros sociais de Almada vem em resposta à interpretação direta feita pelo BE”, que dizia: “ansiamos por projetos virados para as pessoas e que sejam também em pontos bonitos, que não sejam guetos”.

“Bem sei que, com o aproximar das eleições autárquicas, a tentação para descontextualizar sistematicamente afirmações que são respostas a perguntas ou interpelações concretas, é grande, e a partir daí tirar conclusões que em nada correspondem ao sentido inicial das palavras”, disse Inês de Medeiros (PS), numa publicação feita na sua página do Facebook.

A presidente também garantiu que “nada do que foi debatido minimiza a preocupação” da Câmara de Almada sobre a “situação social que se vive nalguns destes bairros”, onde existem habitações precárias.

Na SIC Notícias, a autarca frisou que as declarações foram tiradas de contexto e criticou a esquerda: “Acho muito estranho que pessoas que se dizem de esquerda achem que não pode haver pessoas como eu ou como você [o jornalista] a viver ao lado de habitação social porque têm uma conceção de habitação social que tem de ser sempre miserabilista e isolada”, disse a presidente eleita pelo Partido Socialista.

O que dizem os moradores?

A moradora Maria Madalena Furtado não nega à SIC Notícias que do seu andar tem uma vista bonita - "vejo Lisboa toda", mas no que toca a condições, diz que "está tudo velho". "É só miséria", diz, acrescentando que não dá para fazer obras.

Teresa Coelho, presidente da União de Freguesias de Caparica e Trafaria, falou com o mesmo canal e afirmou que "ninguém vive só das vistas" e que o fundamental é "a qualidade de vida": "Estas casas precisam sobretudo de manutenção. Sabemos que a habitação social é construída com o pior que existe - acrescentando que não é quem vive no bairro que estraga as casas.

O Bairro Amarelo tem mais de 30 anos e aloja mais de 13 mil pessoas em 1.058 apartamentos, número do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), instituição à qual as rendas são pagas. Teresa Coelho disse ainda que o IHRU taxava os habitantes pela vista que tinham das casas, "situadas num bom local".

O casal que se mudou há uma quinzena para um T2 no extremo norte do Bairro Amarelo, Rafaela e João, falaram com o jornal Observador sobre a vista para o Tejo: “E de noite ainda é mais bonito, até no mar se veem aquelas iluminações”, explica Rafaela. Vê-se o Cristo-Rei e a Ponte 25 de Abril à direita. Do outro lado, a zona ribeirinha de Belém, o Padrão dos Descobrimentos. Têm uma renda de 200 euros por mês e do pouco tempo que vivem na zona conseguem dizer que "a vizinhança é boa”.

O ex-morador do Bairro Luís Lopes ri-se com as declarações de Inês de Medeiros e convida a presidente a visitar o bairro e diz que a autarca não aguentaria muito tempo a viver numa das habitações, já que há muitos distúrbios - desde pessoas a fazer barulho à noite até vindas da polícia ao bairro. Luís garante ainda outro dado: nem todas as casas têm vista privilegiada.

Já Inês de Medeiros, a presidente da CM de Almada, diz que “não há sítios para morarem pobres e sítios para morarem ricos” e não considera que as suas declarações tenham sido desrespeitosas para os moradores do bairro - “muito pelo contrário”. A presidente diz ainda que os moradores "tem um amor ao bairro, um cuidado com o bairro e uma participação cívica e de cidadania”.

“Essa história é tudo treta, essa senhora não percebe patavina disto, não é daqui, nunca cá veio. Não tem feito nada, mesmo para os jovens. Esse discurso não tem ponta por onde se lhe pegue”, disse ao Observador o morador Ricardo Melo, na entrada do prédio de sete andares, que tem quatro apartamentos por piso e cujo elevador avariou "há meses". Sobre as condições acrescenta: "as redes de Internet são péssimas, porque há puxadas, e as casas estão todas rebentadas, não têm intervenções há anos". O morador garante que em março era para se terem arranjado as janelas, mas não houve concretização devido à Covid-19.

O que não falta na zona onde vive, diz, é respeito entre os moradores, mas também medo, já que se houver um problema com um vizinho que faz barulho se chama a polícia e tudo se resolve logo. "[S]e chamar alguém a GNR, aparece quatro horas depois e armada até aos dentes, como se isto fosse uma favela. Aqui os vizinhos respeitam-se, eu sei lá se a minha vizinha de baixo não tem uma shotgun em casa? Não vou fazer barulho”.

O local que diz ser mais problemático fica para lá da escola, mais no meio do bairro. O vizinho Pedro concorda: é "ali no meio do bairro é que há discussões, porrada”. À parte isso, garante ao Observador que não encontra qualquer problema no bairro social.

O Bairro Amarelo está provido de escola básica, cafés, mercearias, cabeleireiros, um ringue para as crianças jogarem à bola e autocarro para o centro de Almada. De acordo com a IHRU, que gere o bairro, há 68 lojas no bairro, a maioria na zona central, na Rua do Moinho.

Posições de defesa e de não valorização

Em declarações à Lusa, vereador do PSD Nuno Matias, que tem o pelouro dos Espaços Verdes, Ambiente e Energia também concordou que se trata de uma “afirmação descontextualizada num conjunto de afirmações feitas em reunião de câmara”.

Nuno Matias, que também é presidente do PSD de Almada, frisou que, para o partido, o mais importante é "a condição de vida daquelas pessoas”, acrescentando que o "importante não é a vista porque essa não pode ser objeto de requalificação, é a obra que se tenha que fazer seja do lado da administração central, seja da câmara, para que os bairros possam ter um verdadeiro plano de requalificação que possa dar mais dignidade à vida daquelas pessoas”, frisou.

Já o vereador comunista Joaquim Judas disse à Lusa que se tratou de uma afirmação “sem ponderar exatamente quais as interpretações”.

“A senhora presidente da câmara é conhecida por ter, por vezes, declarações levianas, que misturam um certo populismo com algumas atitudes autoritárias que também a caracterizam. Está na mesma linha do que já tinha feito há alguns anos atrás, dizendo que morando em Campo de Ourique viria sempre para a Câmara de Almada de Cacilheiro, mas, como a experiência mostrou, isso não tinha pés nem cabeça”, mencionou.

Neste sentido, indicou que o PCP “não valorizou” esta afirmação, inserindo-a “naquilo que é um estilo e uma forma de estar da senhora presidente”.

“Neste momento o nosso desejo e o que temos trabalhado, mesmo na oposição, é para que se mantenha uma forte intervenção na área da habitação, respondendo às necessidades das pessoas e aproveitando aquilo que é o novo quadro”, referiu.