De acordo com o conceito da União Europeia (UE), lobby ou representação legítima de interesses, "compreende todas as ações desenvolvidas com o objetivo de influenciar a formulação política e o processo de decisão das instituições de soberania do Estado", explica Maria Domingas Carvalhosa, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Comunicação (APECOM).

O lobby é dirigido a um grupo de stakeholders [partes interessadas] "reduzido e bem definido, que integra o poder executivo, o poder legislativo, a Presidência da República e as autoridades administrativas, bem como a administração local do Estado", diz.

O papel dos lobistas é o de defender os interesses do grupo que representam e contribuir para a elaboração de políticas públicas. Essa pressão pode ser feita no sentido de beneficiar o próprio grupo, o que abre a hipótese de não estar sempre sujeita às melhores intenções.

Segundo Luís de Sousa e Susana Coroado, investigadores Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o lobby "é por vezes percecionado como uma forma dissimulada de corrupção devido à sua natureza opaca e muitas vezes mal regulada".

Maria Domingas Carvalhosa concorda que "com o tempo, o termo lobbying ganhou um sentido pejorativo", sendo comum ser confundido "com crimes de tráfico de influências ou de corrupção". No entanto, o lobbying "não é mais do que uma forma de participação dos cidadãos e das organizações no processo democrático", explica.

A diretora defende que "uma participação, quando regulada, deverá ser efetuada de uma forma transparente e visível". E acrescenta que "com transparência, regras e processos pré-definidos na representação legítima de interesses a democracia sairá beneficiada de várias formas".

O artigo de Luís de Sousa e Susana Coroado corrobora esta ideia e explica que "parlamentos, governos e até mesmo reguladores recorrem à prática do lobby" para consulta sobre variados domínios de políticas públicas.

Maria Domingas Carvalhosa destaca o contributo da representação legítima de interesses na garantia de "menos corrupção, menos prevaricação e menos tráfico de influências, porque tudo é feito às claras e em todo o momento os processos são escrutináveis".

Além disso, estes processos permitem que se conheça "quem pediu o quê, a quem, e com que argumentos". E acrescenta: "Tudo é escrutinável, tudo é verificável, tudo é passível de ser consultado e a pegada legislativa, regulamentar ou decisória é conhecida", pelo que é preferível que seja conhecida.

Com o lobby regulado, "teremos uma democracia mais forte", que incentive a participação e permita que a "transparência e o mérito das decisões sejam apreciados objetivamente", defende. Mas, por alguma razão, Portugal ainda não conseguiu chegar a um consenso em relação à sua regulamentação.

Em Portugal

A discussão sobre o lobbying na Assembleia da República tem décadas, mas ainda não está regulado. A APECOM, "após mais de uma década de espera pela legislação, lançou, em março de 2024, a autorregulação e um Manual de Boas Práticas a que já aderiram mais de quatro dezenas de consultoras", conta a representante.

Em outubro de 2024, na Assembleia da República, o Partido Social-Democrata propôs a criação de um “Código de Conduta para as relações entre representantes de interesses legítimos e entidades públicas”. As entidades registadas como podendo desenvolver atividades de lobbying passariam a “indicar sempre essa qualidade em todos os contactos e correspondência trocada com as entidades públicas”, mas a proposta acabou por ser vetada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Margarida Mano, presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade, lembra que regulamentar o lobbying permite tornar o processo mais transparente, mas "não é a regulação que vai evitar situações de um mau exercício das funções públicas", diz em entrevista ao Público.

Contudo, "a regulamentação do lobbying é importante para evitar influências indevidas, manter a transparência dos processos e a integridade dos processos de tomada de decisão", lembra Maria Domingas Carvalhosa. Na sua opinião, "uma regulamentação eficaz contribui para promover a confiança do público, criar um ambiente mais justo e reforçar a legitimidade democrática na elaboração de políticas públicas".

Um documento de responsabilização que já existe é o código de conduta da Assembleia da República, que indica que os deputados "podem aceitar convites para eventos oficiais ou de entidades públicas nacionais ou estrangeiras e por entidades privadas até ao valor máximo estimado de 150 euros". Todas as ofertas que forem recebidas após perfazerem esse valor, devem ser registadas e apresentadas.

Qual a melhor solução para regular a representação de interesses?

A APECOM defende que deve ser feito um "registo único, online e gratuito, por questões de eficiência e transparência", que, tal como sugere o PAN, esteja na Entidade para a Transparência, que funciona na esfera do Tribunal Constitucional. De acordo com a associação, esta inscrição tem de ser feita numa só plataforma - "tem de haver uma centralização para poder haver responsabilização".

A par disso, sugere que "é preciso haver registo de quem representa interesses. É uma atividade profissional honrosa, que requer profissionais dedicados, competentes e qualificados". De acordo com Maria Domingas Carvalhosa, só assim será possível tomar decisões "mais qualificadas e mais informadas".

A diretora acrescenta que a inscrição nesta plataforma implicaria a indicação de um documento "que comprovasse o mandato (devidamente reconhecido nos termos da Lei) para a representação de interesses", acessível para consulta pública.

Neste sentido, o lobby passaria a ter o papel de escrutinar e detetar possíveis incompatibilidades com o exercício do mandato parlamentar ou de outra função pública.

Na Europa

Na base da regulamentação do lobbying está o Registo de Transparência, uma plataforma onde "quem quer estabelecer contactos de influência com entidades/altos funcionários públicos" tem de estar registado.

O Registo de Transparência europeu é uma base de dados que detém informação sobre os "representantes de interesses" - organizações, associações, grupos e trabalhadores públicos ou privados - que realizam atividades para influenciar a política e o processo decisório da UE.

Na UE, as entidades não podem ser recebidas se não estiverem inscritas na plataforma de registo de transparência, o que reforça a vontade de regular a atividade.

A Comissão Europeia reconhece que o lobbying é parte integrante do processo democrático e, por isso, define um conjunto de limitações e recomendações no âmbito da sua regulamentação, segundo explica Maria Domingas Carvalhosa:

  • Ter transparência, integridade e seguir um comportamento ético nas práticas de lobby para manter a confiança pública e garantir condições equitativas;
  • Estabelecer a obrigatoriedade de registo de atividades de lobbying e alargar o âmbito do seu registo;
  • Garantir que existem medidas eficazes para regular e monitorar as atividades de influência;
  • Implementar códigos de conduta específicos para o lobbying de forma a orientar as práticas éticas e profissionais dos representantes de grupos de interesses e promovendo a transparência e a integridade nos processos;
  • Definir de forma clara as diferentes formas de influência utilizadas pelos lobistas.

No Parlamento Europeu, o registo de transparência original, criado em 2011, consistia num sistema voluntário de inscrição de entidades que procuravam influenciar o processo de tomada de decisão da UE.

Dois anos depois foi aprovado um novo acordo entre o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia sobre o registo de transparência para organizações e trabalhadores independentes que participam na elaboração e na execução das políticas da União Europeia.

Apesar da existência deste acordo, o Parlamento Europeu continuou a insistir no desenvolvimento de um registo obrigatório para lobistas que interagem com as instituições da UE, de forma a conseguir supervisionar a atividade de lobby e garantir a transparência dos processos de decisão.

Além destas recomendações, o código de conduta dos deputados europeus determina que "os deputados ao PE devem abster-se de aceitar, no exercício das suas funções, presentes ou benefícios similares, a não ser que o seu valor aproximado seja inferior a 150 euros e sejam oferecidos por cortesia". Este valor deve ser declarado e registado publicamente no registo de presentes.

*Edição por Ana Maria Pimentel