“Não me lembro de ver a Praça 8 de Maio, [em Coimbra], tão cheia como esteve hoje só de um setor, só com professores”, começa por dizer o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) ao SAPO24, num momento em que a manifestação tinha terminado e os professores ainda se mantinham no local.

Ao sétimo distrito de greve, mais de três mil professores se juntaram na Praça 8 de Maio, esta terça-feira, em Coimbra, para exigir “respeito” por uma profissão que dizem estar a ser desconsiderada há anos.

Em conversa com o SAPO24, Mário Nogueira congratulou-se com a forte presença dos colegas professores e lançou os números do dia que, em termos de adesão, foi de 95% no distrito.

“O que lhe posso dizer é que a greve está a crescer e o governo não pode ficar alheio a este movimento de professores. Estamos a falar de 95% de adesão [à greve], aqui em Coimbra". Segundo o secretário-geral da Fenprof, “foi a maior [manifestação de professores] de sempre no distrito de Coimbra".

“Nós só chegamos a este ponto de protesto e greve porque o ministério até hoje decidiu empurrar para a frente a resolução dos problemas”.

“Está montada uma grande luta de professores e só espero que, na próxima reunião, o ministro da Educação e o governo percebam que é necessário fazer alguma coisa”, antecipou o secretário-geral.

Sobre a negociação em curso, Mário Nogueira diz que “o governo teve de alterar uma ou outra medida pedida pelos professores, no entanto, fizeram-no de forma desastrosa”. No último encontro com o ministro da Educação, João Costa, estiveram em cima da mesa questões que vão desde a contagem do tempo de serviço, ao sistema de vinculação de professores, passando pela incapacidade por doença ou pela aposentação.

Greve dos Professores - Mário Nogueira (FENPROF)
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof em Coimbra créditos: Manuel Ribeiro/Sapo24

“O documento que a tutela nos entregou na última reunião, depois de analisado, mostra má vontade”, considera.

Olhando para a vinculação de docentes, reitera que o objetivo da Fenprof é que se encontre uma solução que não permita "ultrapassagens”, mas antes uma normalização da situação, “de forma horizontal”.

“O ministro arranjou uma norma de vinculação de professores que, segundo diz, apanhará 10.500 professores. Todos os que tenham três anos de serviço e que, este ano, tenham o horário completo. Isso pode parecer bom, porque 10.500 é um bom número. Mas é uma norma que poderá vincular professores com três anos de serviço que este ano tenham o horário completo e deixar de fora professores com 15 anos de serviço que tenham menos uma hora”, explica. Trata-se de uma "ilusão" e vai "resultar em ultrapassagens”, avisa o sindicalista, reiterando que é uma medida injusta para quem tem mais tempo de docência.

"Um professor com 30 anos de serviço, que deve estar a chegar ao 9º escalão, não pode estar no 4º à espera de uma vaga. Eles têm que perceber isto."

No que diz respeito às quotas para acesso a escalões superiores na carreira, Mário Nogueira diz que “o governo vem falar das vagas para os 5º e 7º escalões, aumentando o número de vagas ou o número de pessoas que passam com 75% para o 5º, e 58% para o 7º". Mas, "feitas as contas, são os atuais 50% e 33%, acrescidos das quotas de 25%. Ou seja, se houver 25% de quota para o 5º, não há 25% para o 7º”, calcula o sindicalista. Isto “porque as quotas são gerais para os escalões todos e não escalão a escalão", elucida. “O que quer dizer que mais do que uma manobra de ilusionismo, é uma vigarice. Está a dizer-se uma coisa que depois esconde a verdade”, reitera o dirigente sindical.

“O Ministério da Educação, ao fazer estas manobras que criam ilusão, mostra que está pressionado e que percebeu que tem de fazer qualquer coisa. Mas como não o quer fazer, procura disfarçar. Só que, depois, as pessoas olham para o que é apresentado e obviamente levantam o tapete para ver o que está debaixo e descobrem que é o mesmo que já lá estava”.

“Portanto, o Ministério da Educação e o governo que se cuidem. Têm de ter mais respeito pelos professores e têm de valorizar esta profissão. Um professor com 30 anos de serviço, que deve estar a chegar ao 9º escalão, não pode estar no 4º à espera de uma vaga. Eles têm que perceber isto. Os professores ficam para trás, estão a perder anos de serviço, mais do que os 10 anos que já perderam”.

Com nove organizações sindicais envolvidas, esta greve começou no dia 16 de janeiro e prolonga-se até dia 8 de fevereiro, de modo a passar por todos os distritos do país.

Mário Nogueira salienta que é urgente valorizar a profissão dos professores cujos salários não dão para pagar as despesas de deslocação a 300 ou 400 quilómetros. “Vou dar-lhe um exemplo: uma colega do Porto que foi colocada em Cascais e não foi trabalhar onde foi colocada porque não tinha dinheiro para ir para lá e ficou no desemprego. Isto não pode ser”, sublinha.

"Se os jovens não vão para professores e os outros jovens que já o são abandonam a profissão, que escola queremos?”

“A profissão deve ser valorizada. A questão é essa. Repare, nós acabamos o primeiro período com 25 mil alunos sem todos os professores. O segundo período com mais de 40 mil sem todos os professores. E este número só não é brutalmente elevado, porque este ano aumentou, em 60%, o número de diplomados não profissionalizados que estão nas escolas. Se não fosse o recurso a estes colegas eu nem sei qual era o número de alunos sem aulas”.

“Portanto, sabendo o governo que se aposentaram 2.400 professores no ano passado e entraram em novos cursos menos de metade, que só agora em janeiro e fevereiro se vão aposentar mais 500 professores, nem sei qual será o número, no final de 2023, mas será mais do que três mil”, estima.

“No final da década, nos últimos dois/três anos, foram mais de 4 mil professores que se aposentaram. Se os jovens não vão para professores e os outros jovens que já o são abandonam a profissão, que escola queremos?”, questiona Mário Nogueira.

O secretário-geral da Fenprof alerta que “o futuro da escola está em causa” se a profissão não for valorizada, e lembra que nem sequer estão a exigir “privilégios extra”, mas apenas “tratamento igual”.

“Por exemplo, no caso da contagem de serviço, pedimos que [o Ministério da Educação] nos trate da mesma maneira que tratam os professores na Madeira. Que nos tratem da mesma maneira que tratam outros setores da função pública. Queremos que se pague aquilo que está na lei, no estatuto da carreira docente”, frisa.

Questionado sobre o que poderá resultar destes protestos que se prolongam no tempo, Mário Nogueira tem "esperança que haja bom senso por parte do governo” e reconhece que muitos dos problemas “não se resolvem de hoje para amanhã”, mas espera que o Ministério da Educação “deixe de adiar o problema, que deixe de adiar a discussão”.

"Se houver um único dia que os professores trabalharam e que fique por contar, a luta não vai parar.”

“Apresentamos ao Ministério da Educação, em agosto último, uma proposta que ia no sentido de termos um protocolo para a legislatura e que ao longo da mesma fossem, progressiva e faseadamente, se revolvendo os problemas. O Ministério da Educação, até hoje, nunca deu resposta, vai sempre adiando a discussão. E, portanto, pedimos ao ministro da Educação que pegue ponto por ponto na proposta negocial e que a calendarize. Há algumas que são prioritárias, que podem ficar resolvidas já, há outras que tem de o ser ao longo dos anos, dado o custo financeiro que têm”.

“Nós só chegamos a este ponto de protesto e greve porque o Ministério até hoje decidiu empurrar para a frente a resolução dos problemas”, explica.

"O que não aceitamos é que haja um aspeto que fique por resolver, por exemplo, o tempo de serviço. Se houver um único dia que os professores trabalharam e que fique por contar, a luta não vai parar”, avisa o dirigente da Fenprof.

Questionado sobre o movimento STOP, que se formou recentemente, Mário Nogueira reconhece a sua agenda própria, mas desejava que estivessem todos juntos, pois “a unidade constrói-se pela convergência", e apelou a todos para que estejam "juntos, nesta luta".

Protesto dos professores em Coimbra
Protesto de professores em Coimbra. créditos: Manuel Ribeiro/Sapo24

O secretário-geral aproveitou ainda para identificar todas as estruturas sindicais que se juntaram à Fenprof nesta greve por distritos: Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL), Pró-Ordem dos Professores - Associação Sindical/Federação Portuguesa dos Professores, Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados (SEPLEU), Sindicato Nacional dos Profissionais de Educação (SINAPE), Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP), Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) e Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU) e Federação Nacional de Educação (FNE).

Amanhã, a cidade de Évora será o oitavo distrito a receber os protestos dos professores. No dia 11 de fevereiro, está prevista uma greve geral com concentração nacional de professores em Lisboa, distrito que no dia 16 de janeiro deu o arranque a este protesto itinerante.

*com Lusa