“É quase como um tabu que se encerra em si próprio. É de conhecimento geral e, no entanto, ninguém fala abertamente sobre ele”, adiantou, em declarações à Lusa, Tânia Mendes, autora de uma tese de mestrado sobre a adoção, que aborda estes casos.

Natural de uma freguesia próxima da base das Lajes, no concelho da Praia da Vitória, na ilha Terceira, Tânia Mendes cresceu a ouvir falar de um caso de uma criança da freguesia que tinha “desaparecido” na geração da sua mãe.

No entanto, só quando o decidiu estudar, no âmbito de um mestrado em Ciências Sociais, se apercebeu da dimensão do fenómeno e de como o tema foi evitado ao longo das últimas décadas.

“É um assunto que nós abafámos. Não é um passado bonito que vamos divulgar. É um passado que queremos esconder de alguma maneira, porque retrata uma mentalidade”, salientou.

A educadora de infância não conseguiu apurar ao certo quantas crianças açorianas foram adotadas por norte-americanos no século passado, sobretudo porque a maior parte das adoções terá ocorrido de forma ilegal.

Os pedidos de passaporte norte-americano apontam para 97 crianças, mas dos casos relatados em 15 entrevistas neste estudo apenas dois coincidiam com os dados oficiais.

“É impossível tentar fazer uma estimativa, muito menos uma previsão exata. O que os testemunhos referem sempre são termos muito abrangentes, como centenas. Há um que chega mesmo a referir milhares de crianças”, apontou.

Por outro lado, os pedidos de passaportes não correspondem com o número de adoções registadas nos assentos de nascimento.

“Os registos de passaportes totalizavam 97 crianças. Apenas 44 foram legalmente adotadas e apenas com uma adoção restrita, que é aquela em que a criança tem que manter todos os direitos e deveres com a família biológica, nem que seja no mesmo espaço geográfico”, revelou.

Apesar de ter estudado apenas o período entre 1946 e 1974, a investigadora ouviu testemunhos sobre crianças que terão sido adotadas já na década de 80.

O número de adoções aumenta a partir de 1964, com maior incidência na década de 70, numa altura em que existia nos Açores “muita miséria, pobreza e exclusão social”, e há mesmo relatos de famílias inteiras adotadas por diferentes casais.

“Os norte-americanos tinham conhecimento destes casos, porque contactavam com eles. O exemplo mais berrante será o do Bairro da Serra de Santiago, formado por populares que vinham de outras ilhas, na esperança de um futuro profissional na base. Estamos a falar de uma situação junto aos bairros dos americanos, mas por toda a ilha se fazia sentir esta miséria”, explicou Tânia Mendes.

A maior parte dos contactos eram feitos através de intermediários, habitualmente funcionários portugueses na base das Lajes ou empregadas domésticas, que conheciam famílias carenciadas.

Segundo a investigadora, “não há provas concretas” de que os norte-americanos tenham pago algum valor monetário pelas adoções, mas algumas testemunhas, externas a estes processos, relatam-no e dizem que, em algumas situações, as famílias não recebiam qualquer benefício, porque ficava com o intermediário.

Apesar de o processo levantar questões morais e de muitas famílias admitirem não terem conseguido superar a perda, as adoções são encaradas ainda hoje como algo positivo para aquelas crianças que, de outra forma, não teriam oportunidade de ter uma vida melhor.

Há atualmente um grupo na rede social Facebook no qual pessoas adotadas por norte-americanos procuram as famílias biológicas e alguns já conseguiram reencontrá-las.