Na sua edição de hoje, o Diário de Notícias dá conta de que as Finanças estão a recusar partilhar dados com o Ministério Público sobre as transferências para 'offshore', alegando a obrigação de sigilo fiscal e impedimentos legais para o fazer.
Numa nota enviada à agência Lusa, fonte oficial do Ministério das Finanças confirma que "a falta de acesso decorre da lei vigente, razão pela qual o Governo pretendeu alterar a legislação através da proposta de lei n.º51/XII".
Esta lei, que "altera o regime de congelamento e de perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia", transpondo uma diretiva europeia de 2014, foi aprovada no início de fevereiro na generalidade (com os votos a favor de todos os grupos parlamentares, à exceção do CDS-PP e do PAN, que se abstiveram, inclui, entre outras alterações), estando agora em discussão na especialidade.
Esta proposta de lei do Governo, no seu artigo 19.º, prevê fazer alterações ao artigo 64.º da Lei Geral Tributária (LGT), especificando quando é que cessa o dever de sigilo fiscal dos dirigentes, funcionários e técnicos da autoridade tributária.
Até aqui, este artigo 64.º prevê que o dever de sigilo fiscal cessa em caso de "colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal".
Com a alteração que o Governo pretende introduzir, essa cessação do dever de sigilo fiscal mantém-se na colaboração com a justiça, mas "mediante despacho de uma autoridade judiciária".
Na proposta de lei, o Executivo acrescenta, nesse artigo, que "com vista à realização das finalidades dos processos judiciais, incluindo as dos inquéritos em processo penal, as autoridades judiciárias acedem diretamente às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira".
No entanto, prevê a proposta de lei, a concretização desse acesso "é disciplinada por protocolo a celebrar entre o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República e a Autoridade Tributária".
A proposta de lei baixou à Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde será debatida pelos deputados na próxima quarta-feira, dia 08 de março.
O Ministério Público está a recolher elementos com vista a apurar se existem ou não procedimentos a desencadear sobre o caso da transferência de quase 10.000 milhões de euros para 'offshore' entre 2011 e 2014 sem tratamento inspetivo da Autoridade Tributária, embora os bancos tenham enviado essa informação ao Fisco.
Entre 2011 e 2015, enquanto Paulo Núncio era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, não foram publicadas as estatísticas da AT com os valores das transferências para 'offshore', uma publicação que passou a ser feita em 2010, por despacho do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques (último governo de José Sócrates).
As estatísticas só voltaram a ser publicadas no Portal das Finanças por decisão do atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, sendo que o Ministério das Finanças detetou que houve 20 declarações de Operações Transfronteiras (enviadas pelos bancos ao Fisco) que "não foram objeto de qualquer tratamento pela Autoridade Tributária".
Dadas as discrepâncias, Rocha Andrade solicitou uma auditoria à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) que deverá estar concluída ainda durante o mês de março.
Comentários