A organização social, ligada à congregação Companhia de Jesus, da Igreja Católica, trabalha no terreno, em Melilla, desde 2016 e publicou hoje o seu relatório bianual sobre esta “fronteira sul” espanhola e europeia, no norte de África, a que este ano deu o título “Fronteira sul, onde habita o esquecimento”.
“O esquecimento do direito e dos Direitos Humanos” causado pela “vontade de eficácia no controlo”, argumenta o Serviço Jesuíta de Migrantes (SJM), no documento hoje divulgado.
No relatório, o SJM denuncia, com base no seu trabalho permanente em Melilla, que “os dispositivos de controlo fronteiriço”, das forças policiais e as barreiras físicas cada vez mais sofisticadas e perigosas que delimitam a linha da cidade, um enclave em território de Marrocos, impedem na prática pedidos de proteção internacional em Espanha, numa violação do direito internacional.
Além disso, prossegue a instituição, continuam a registar-se em Melilla “situações de violência” na fronteira “com resultados trágicos como os acontecimentos do passado 24 de junho, com a morte de pelo menos 23 pessoas e o desaparecimento de mais de 70”.
Segundo o SJM, a violência policial tem mesmo aumentado nos últimos anos, a par “do caráter lesivo dos obstáculos fronteiriços”.
“O objetivo político de impedir a todo o custo os cruzamentos de fronteira” traduz-se “no uso desproporcionado da força por parte das forças de segurança espanholas e marroquinas”, o que provocou situações como as de 24 de junho deste ano, lê-se no documento hoje publicado.
O SJM condena que, neste contexto, o ministro da Administração Interna espanhol, Fernando Grande-Marlaska, “criminalize os migrantes e requerentes de proteção para justificar este tipo de atuações” e realça que houve 470 devoluções sumárias a Marrocos que “não cumpriram o que está previsto legalmente a nível nacional e internacional em termos de proteção internacional e garantia de outros Direitos Humanos”.
“As forças e corpos de segurança do Estado tinham a responsabilidade de evitar a tragédia, abrindo as portas se era preciso. E, produzida a avalanche [de pessoas contra um portão na fronteira], assistir os feridos”, defende a organização não-governamental (ONG).
A par da violência associada aos acontecimentos de junho passado, o relatório denuncia igualmente as regulares devoluções sumárias a Marrocos de pessoas que cruzam a fronteira, mesmo quando estão em situação de vulnerabilidade, como grávidas, menores, idosos ou feridos.
“Todos os dispositivos de controlo fronteiriço” têm como objetivo “impedir que as pessoas com necessidades de proteção internacional possam exercer o direito de a solicitar”, sublinha o documento do SJM espanhol.
A organização diz que, em paralelo, há cada vez mais casos em Melilla de migrantes com “perfil de proteção internacional” e dá como exemplo pessoas oriundas do Iémen (país em guerra desde 2014), “forçadas a procurar procedimentos alternativos para alcançar território espanhol e pedir proteção”.
O SJM acrescenta que a violação do direito espanhol e internacional e dos Direitos Humanos prossegue no caso de migrantes que conseguem entrar em Melilla e pedir proteção.
Nestes casos, a organização revela abusos relacionados com os procedimentos, entrevistas sem tradutores e intérpretes, privação de liberdade sem fundamento ou uma assistência médica precária.
A polémica em torno da fronteira de Melilla com Marrocos e da atuação das forças de segurança espanholas aumentou nos últimos meses por causa da morte de 23 pessoas em junho, quando milhares de pessoas tentaram saltar as vedações e cruzar para o lado de Espanha, através de um posto fronteiriço que estava desativado e fechado.
O ministro da Administração Interna de Espanha já disse por várias vezes que a atuação policial em Melilla, em 24 de junho, foi legal e “proporcional” perante um “ataque violento” à fronteira espanhola.
O Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas pediu explicações e informações a Rabat e a Madrid sobre os acontecimentos nesse dia e em Espanha foram abertas investigações pelo Ministério Público e pela Provedoria de Justiça, ainda não concluídas.
A Procuradoria de Justiça de Espanha e o Conselho da Europa já condenaram as entregas sumárias em 24 de junho em Melilla, sem “qualquer procedimento legal”.
Também uma comissão do Parlamento Europeu já pediu ao ministro da Administração Interna espanhol para dar explicações.
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