“O processo de refugiado é muito difícil. É preciso provarmos envolvimento político, que fomos perseguidos no nosso país. Ora, na Rússia, basta um post nas redes sociais para sermos presos. Vou voltar para ser presa e só depois é que sou considerada refugiada?”, desabafa Valeria, que fugiu do país há dois anos, depois da invasão russa da Ucrânia.

Apoiante de Navalny, o opositor de Putin que morreu na prisão e por cuja candidatura presidencial andou a recolher assinaturas, Valeria integra a comunidade russa em Lisboa mas ainda não tem papéis legais. “Estou à espera, não estamos todos?”, disse à Lusa, sorrindo, num dos dias em que esteve à porta da sede da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Depois do início da guerra, Portugal foi dos poucos países que manteve abertas as portas na Europa aos russos que apresentassem uma manifestação de interesse à chegada ao país. “Vínhamos para cá e depois tratávamos dos papéis, mas a burocracia portuguesa ainda é mais burocrática que a burocracia russa”.

No entanto não há problemas em tratar de documentação na embaixada. “Conseguimos pedir papéis do nosso país e vamos aguardando, sem termos país para onde voltar”, explica Valeria.

Mais grave é a situação dos opositores bielorrussos. Uma dirigente da comunidade em Portugal lembrou que Minsk obriga a que a documentação seja tratada no país e não permite que as embaixadas tratem de questões como certificados ou passaportes.

“Temos pessoas angustiadas porque os seus documentos caducaram e agora vão ter agendamentos e reuniões na AIMA”, afirmou.

Ir à Bielorrússia tratar de documentos é “correr risco de vida”, acrescentou, salientando que existem casos de reagrupamento familiar por concluir por falta de documentação.

“A AIMA e o governo português devem ter em atenção a nossa situação. Nós não conseguimos tratar das coisas e tem de haver compreensão”, apelou.

Timofey Bugaevsky, dirigente da associação de russos em Portugal, elogia a abertura de Portugal a quem chega com visto de turista e depois tenta regularizar-se no país, mas lamenta os atrasos e defende novas regras, principalmente para quem foge de ditaduras.

Novas regras para o estatuto de refugiado poderia ser um caminho, com “a formalização global das regras relativas aos refugiados de regimes ditatoriais”.

“Os russos não são os únicos que se opõem ao seu regime ditatorial. É importante apoiar as aspirações dos cidadãos desses países à democracia, especialmente aqueles que declaram abertamente a sua posição, voluntários e doadores”, disse Timofey Bugaevsky.

Apesar de ser possível tratar da documentação de modo remoto, “existe uma recomendação geral para que os ativistas não visitem o território da Federação Russa, nomeadamente as embaixadas”, admitiu.

Na Rússia, “são abertos processos penais por publicações nas redes sociais efetuadas há vários anos e, consequentemente, as pessoas têm dificuldades em legalizar-se nos países onde se encontram”, disse Timofey Bugaevsky, adiantando que “existe também uma ameaça para os familiares daqueles que se manifestam contra o regime e contra a guerra”.

Segundo uma pesquisa feita pelo canal Lépta, uma plataforma de informação independente na rede de mensagens Telegram para imigrantes de língua russa em Portugal, a maioria dos inquiridos critica o funcionamento da AIMA, em particular o sistema de marcação de consultas, a falta de transparência ou atrasos de processamento, entre outras matérias.

Os inquiridos sugerem uma nova plataforma ‘online’, que permita agendamentos automáticos e pedem “soluções personalizadas para cidadãos da Bielorrússia e Rússia, considerando as práticas de outros países da UE e as restrições” que estes imigrantes enfrentam nos seus países de origem.

Timofey Bugaevsky não se mostra preocupado com o recente pedido de pagamento antecipado dos agendamentos, mas lamentou que as autoridades portuguesas não tenham sido mais claras.

“Muitas pessoas pensaram que a mensagem era fraudulenta e seria bom que as alterações fossem mais claras e visíveis”, disse.

“Os vistos de turista são uma grande ajuda para as pessoas que fogem da guerra, porque a maioria das pessoas que discordam do regime não são ativistas políticos e a obtenção de um visto deste tipo é mais fácil e mais rápida e permite deixar o país mais rapidamente em caso de perigo”.

Contudo, agora existe um problema que é transformar esses vistos em soluções mais permanentes, acrescentou.

Esse é o sonho de Valeria. “Quero que o meu filho cresça como português. Já nada me liga à Rússia de Putin”.