À Lusa, as organizações não-governamentais (ONG) Oikos – Cooperação e Desenvolvimento e Amnistia Internacional (AI) Portugal fizeram uma avaliação do mandato de António Guterres, assinalando aspetos positivos e negativos, apontando “o mérito da diplomacia silenciosa e privada” praticada pelo representante perante líderes mundiais mais controversos, mas também o “muito trabalho” que ainda há por fazer.
Quatro anos passaram desde que o ex-primeiro-ministro português e ex-Alto Comissário para os Refugiados foi aclamado, a 13 de outubro de 2016, pelos 193 Estados-membros da Assembleia-Geral para o cargo de secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), após a importante e determinante recomendação do Conselho de Segurança adotada dias antes, a 06 de outubro.
Poucos meses depois, em janeiro de 2017, António Guterres, o primeiro português a alcançar um cargo desta dimensão mundial, sucedia ao sul-coreano Ban Ki-moon (2007-2016) e tornava-se no nono secretário-geral da ONU para um mandato de cinco anos, até 31 de dezembro de 2021.
“Destacaria o grande trabalho que ele tem feito nas questões do clima e das alterações climáticas, e também nas questões da igualdade de género, dando até o exemplo na casa que governa como secretário-geral das Nações Unidas”, afirma o diretor-executivo da secção portuguesa da AI, Pedro Neto.
Este último aspeto também é destacado pelo presidente da Oikos, João José Fernandes, que salienta “a definição de uma estratégia clara de equidade de género nas Nações Unidas e nas várias agências”.
Mas o representante da Oikos menciona outros avanços, realçando o “papel de liderança” de Guterres “na prossecução da Agenda 2030” (que define as prioridades e aspirações do desenvolvimento sustentável global), onde estão incluídos, a par da luta contra as alterações climáticas e a perda de biodiversidade e a equidade de género, “a aliança estratégica para a paz e a prosperidade com a União Africana (UA)”.
“António Guterres, fruto da sua experiência como Alto Comissário para os Refugiados, tem também desempenhado um importante papel na pressão para uma maior transversalidade dos objetivos de desenvolvimento sustentável no seio das múltiplas agências das Nações Unidas”, prossegue o presidente da Oikos, uma ONG para o Desenvolvimento constituída em 1988 em Portugal.
Em termos de resolução de conflitos, a Oikos regista também alguns avanços, como foi o caso “da aproximação entre a Etiópia e a Eritreia” ou “o apoio à mediação de conflitos da UA na República Centro-africana e no Burkina Faso”, mas, frisa que muitos são os conflitos que ainda permanecem e “nos quais as Nações Unidas têm perdido protagonismo”.
“Para enunciar apenas dois: a questão palestiniana e a Líbia”, diz João José Fernandes.
Destacando a “missão de facto muito dura” de Guterres, e que “merece todo o respeito e admiração”, o diretor-executivo da AI Portugal admite, no entanto, que não pode desligar a atuação das próprias Nações Unidas do seu secretário-geral, apontando “uma certa inação” e uma “lentidão na resposta a muitas questões”.
“Não é responsabilidade única do líder (…) também é responsabilidade deste sistema das Nações Unidas, que para fazer alguma coisa de significativo pede o consenso e muitas vezes a unanimidade”, diz Pedro Neto, mencionando o exemplo do Conselho de Segurança da ONU, cuja fórmula de composição e regulamento quase colocam António Guterres “de mãos atadas”.
Em tempos em que os “Estados estão a fechar-se”, onde existe “muito bilateralismo interesseiro” e “o multilateralismo está a ficar para trás”, Pedro Neto realça o trabalho interno que a ONU terá de fazer “para depois conseguir outra resolução de muitos outros problemas”.
O presidente da Oikos também insiste no facto da ONU depender “da vontade de membros nacionais, com profundas assimetrias económicas, de conhecimento e poder”, salientando, porém, que António Guterres, “tantas vezes empurrado para um ‘confinamento’ na magistratura de influência”, tem “por vezes, conseguido ser um farol no mar de ameaças globais, desigualdades planetárias e conflitos regionais”.
“As Nações Unidas – tal como as demais instituições saídas do pós-II Guerra Mundial -, precisam de profundas reformas”, prossegue João José Fernandes.
Ao longo do mandato, e na opinião de Pedro Neto da AI Portugal, Guterres tem vindo a ser confrontado com vários contratempos, entre eles a atual pandemia da covid-19 que veio colocar em segundo plano grandes problemas que já atormentavam o mundo.
“Tão e mais grave é que muitos dos problemas que já existiam agravaram-se com a pandemia. Os que são económico-sociais agravaram-se em consequência direita da pandemia. Os que são civis e políticos agravaram-se em consequência direta da ação de muitos líderes que aproveitaram os estados de emergência da pandemia para à boleia fazerem ações e ataques aos Direitos Humanos”, afirma o representante da ONG de defesa dos diretos humanos, cujo braço internacional conta com uma representação junto da ONU, em Nova Iorque.
No que diz respeito ao atual panorama de líderes mundiais, Pedro Neto não esquece que o secretário-geral da ONU se deparou com um cenário político composto por nomes como Donald Trump (Estados Unidos) e por outros governantes “com um paradigma de atuação semelhante”, como é caso, entre outros, de Erdogan (Turquia), Duterte (Filipinas) ou Bolsonaro (Brasil).
“A estes contratempos acrescentaria os muitos ataques de muitos países do conceito universal dos Direitos Humanos, que têm crescido e que as Nações Unidas e o secretário-geral não têm conseguido interromper esse crescimento”, diz o representante da AI Portugal, enumerando, entre outras situações, as “campanhas e limpezas étnicas” e as “catástrofes humanitárias” no Iémen, Síria, Bangladesh (refugiados da etnia rohingya) ou na China (com a minoria étnica de origem muçulmana uigur).
Ainda sobre a covid-19, e no quadro da corrida ao “El Dourado” das vacinas para o novo coronavírus como classifica o presidente da Oikos, João José Fernandes conclui que Guterres tem feito “um esforço significativo” no fomento de alianças multilaterais, que irão permitir, assim espera, que “os futuros programas de vacinação cheguem prioritariamente a quem mais deles precisam, independentemente da sua nacionalidade ou residência”.
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