O Papa Francisco anunciou em Roma, a 29 de maio, que iria realizar um Consistório em agosto, para a criação de 20 novos cardeais.
Este foi considerado "um anúncio de surpresa", não só pela antecipação de quase três meses em relação à data, mas também porque final de agosto não é uma data tradicional para os consistórios, que se costumam realizar em fevereiro, junho ou novembro.
Entre os 20 novos cardeais, 16 dos quais têm menos de oitenta anos, sendo assim eleitores num eventual conclave. Os outros cinco atingiram essa idade antes de receber o tradicional barrete vermelho, pelo que ficam de fora dessa função.
Inicialmente seriam 21 cardeais, mas D. Luc Van Looy, bispo emérito de Ghent, na Bélgica, pediu para ser exonerado devido ao envolvimento em polémicas que envolvem abusos sexuais por parte do clero.
A partir das 16h00 (hora de Roma), acontece na Basílica de S. Pedro a imposição do barrete, a entrega do anel e a atribuição do Título ou Diaconia.
No final da cerimónia, o Papa Francisco vai ainda pedir aos Cardeais presentes o seu voto em vista da canonização do beato Giovanni Battista Scalabrini, bispo de Piacenza, fundador da Congregação dos Missionários de São Carlos e da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo; e Artemide Zatti, leigo professo da Sociedade Salesiana de São João Bosco.
Logo de seguida, entre as 18h00 e as 20h00, serão feitas as visitas de cortesia aos novos cardeais.
Assim, feitas as contas, a partir deste sábado, serão 227 os membros do Colégio Cardinalício, 132 dos quais com direito a voto num futuro conclave.
Portugal tem cinco membros neste Colégio: D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima, D. José Tolentino Mendonça, arquivista e bibliotecário da Santa Sé, D. Manuel Monteiro de Castro, penitenciário-mor emérito e D. José Saraiva Martins, prefeito emérito da Congregação para as Causas dos Santos. Contudo, estes dois últimos têm mais de 80 anos e, por isso, não têm direito a voto para eleger um futuro Papa.
Apesar de, desta vez, não existirem nomes portugueses na lista, alguns dos futuros cardeais acabam por ter relação próxima com o país. Na altura da divulgação, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) manifestou-se quanto à notícia.
“Pelas afinidades linguísticas e culturais, e pela cooperação mais estreita sobretudo a nível litúrgico e nos encontros de bispos lusófonos, a CEP exprime uma saudação muito especial ao arcebispo de Díli, Timor-Leste (Virgílio do Carmo da Silva), aos dois arcebispos do Brasil (Leonardo Ulrich Steiner, de Manaus, e Paulo Cezar Costa, de Brasília) e ao arcebispo de Goa e Damão, Índia (Filipe Neri António Sebastião do Rosário Ferrão)”, lia-se na nota divulgada.
A CEP manifestou ainda o desejo de que “os cardeais, na sua missão ao serviço da Igreja universal, contribuam para a renovação da Igreja e sua presença significativa na sociedade”, num momento em que o Papa “procura a reforma da Cúria Romana através da nova constituição ‘Praedicate Evangelium’”.
Nesse sentido, Francisco convocou também, para os dias logo após o Consistório, um encontro de todos os cardeais do mundo, para refletir sobre este novo documento relativo aos serviços centrais de governo da Igreja Católica.
O que está em causa com a nova Constituição da Cúria Romana?
A Constituição Apostólica Prædicate Evangelium debruça-se "sobre a Cúria Romana e o seu serviço à Igreja no mundo", segundo o documento de mais de 50 páginas apresentado pelo Vaticano.
O Papa Francisco promulgou e publicou, a 19 de março, a nova Constituição que reforma o governo da Igreja, documento que entrou em vigor a 5 de junho e no qual trabalhou durante oito anos, juntamente com o Conselho de Cardeais.
Com isto, foi revogado e substituído o documento Pastor Bonus, promulgado, em 1988, por João Paulo II.
Uma das alterações mais importantes incluídas na nova Constituição, que entrou imediatamente em vigor, prende-se com a integração ordenada da Secretaria de Comunicação, que reúne as diferentes fontes de informação do Vaticano, na nova Constituição.
Também a integração do Serviço de Desenvolvimento Humano é considerada uma das maiores mudanças do novo documento. Este serviço "reúne as questões sociais da Igreja ou da Secretaria para a Economia, que administra todas as finanças do Vaticano, incluindo os fundos da Secretaria de Estado".
Além destas questões, o reforço do “peso institucional” da comissão consultiva do Papa Francisco para a prevenção de abusos sexuais no seio da Igreja é uma das “principais mudanças” que constam no documento. Esta comissão faz assim parte do Dicastério para a Doutrina da Fé.
O Dicastério [nome dos departamentos do governo da Igreja Católica que compõem a Cúria Romana] passa a ter “acesso direto ao Santo Padre e com sua própria liderança e pessoal”.
Desempenhará “um papel cada vez mais incisivo para garantir que a Igreja seja um lugar seguro para crianças e pessoas vulneráveis”.
Os membros daquele departamento, entre eles sobreviventes de abusos, podem exercer influência nas decisões tomadas pelos sacerdotes que supervisionam as investigações canónicas a casos de abusos sexuais e decidem da aplicação, ou não, de sanções.
O Cardeal Sean O'Malley, que chefia a comissão pontifícia, saudou a “mudança”, por refletir “uma evidência do esforço de Francisco para promover uma cultura mais forte de salvaguarda dentro do Vaticano e da Igreja em geral”.
“Pela primeira vez, o Papa Francisco faz da salvaguarda e proteção dos menores uma parte fundamental da estrutura do governo central da Igreja, a Cúria Romana”, disse O'Malley, citado em comunicado.
Anteriormente, a estrutura de proteção de menores “funcionava como uma comissão ‘ad hoc’ que reportava os casos ao papa, mas não tinha peso ou poder institucional efetivo”, entrando “muitas vezes, em desacordo com a mais poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, que analisa todos os casos de abuso”, explicou.
A nova reforma enfatiza também o foco missionário e caritativo da Igreja, bem como a necessidade de a Santa Sé estar a serviço tanto do Papa quanto das dioceses locais.
Estão também previstos papéis maiores para os leigos, deixando explicitamente claro que os leigos – e não apenas padres, bispos ou Cardeais – podem chefiar um importante Dicastério do Vaticano e que todos os funcionários devem refletir a universalidade geográfica da Igreja.
As polémicas dentro da reunião com os cardeais
Esta semana, foi noticiado que o Papa Francisco convidou o cardeal Giovanni Angelo Becciu para participar na reunião de cardeais, dois anos depois de ter sido forçado a demitir-se por supostas irregularidades financeiras.
Becciu, com 74 anos, encontra-se atualmente em julgamento no tribunal penal do Vaticano, depois de ter sido acusado de enviar 125 mil euros em fundos da Santa Sé para uma instituição de caridade dirigida pelo seu irmão, entre outras acusações.
O cardeal, que negou tudo, contou a apoiantes da sua terra natal que o Papa lhe tinha telefonado no sábado a convidá-lo para participar numa reunião de cardeais no Vaticano, de 29 a 30 de agosto. Os advogados de Becciu, Fabio Viglione e Maria Concetta Marzo, confirmaram o convite para o evento, que será o primeiro desde 2015.
Desde 2020 que Becciu não participa em quaisquer liturgias públicas, audiências ou outros eventos no Vaticano. Por isso, o convite de Francisco pode corresponder a um gesto de reconsideração da sua decisão, que chegou a ser considerada precipitada, de reclamar publicamente os direitos de Becciu como cardeal e forçar a sua demissão.
Em abril de 2021, o Papa chegou a ir a casa de Becciu celebrar a missa de Quinta-Feira Santa e disse que esperava “com todo o coração” que o cardeal fosse considerado inocente.
O julgamento, que teve início há um ano, deverá ser retomado, após uma pausa de verão, a 28 de setembro.
De recordar, também, que esta reunião marca o regresso do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, ao Vaticano, após ter sido recebido pelo Papa Francisco, a 5 de agosto, a propósito dos recentes acontecimentos relacionados com suspeitas de abusos de menores na Igreja em Portugal.
"O encontro, pedido pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, realizou-se num clima de comunhão fraterna e num diálogo transparente sobre os acontecimentos das últimas semanas que marcaram a vida da Igreja em Portugal", lia-se na nota divulgada pelo Patriarcado.
Contudo, o jornal Nascer do Sol avançou, um dia depois, que D. Manuel Clemente terá colocado o seu lugar à disposição na audiência, estando disponível para sair caso seja esse o desejo do Papa Francisco, reiterando todavia que "as decisões tomadas por si e por D. José Policarpo seguiram as diretrizes de então da Igreja".
O líder máximo da Igreja Católica terá pedido a D. Manuel Clemente que permaneça no cargo até às Jornadas Mundiais da Juventude, em agosto de 2023, se o seu estado de saúde o permitir.
Segundo o 7MARGENS, a decisão será tomada dentro de dois meses, a seguir ao Consistório e depois da reunião em Roma de todos os cardeais.
L'Aquila e os prenúncios de renúncia papal
Pelo meio dos acontecimentos em Roma, o Papa Francisco anunciou também que vai visitar a cidade de L'Aquila a 28 de agosto, cruzando o centro histórico de papamóvel. O programa desta deslocação já foi divulgado pelo Vaticano e inclui um encontro com familiares das vítimas do terramoto e missa na Basílica de Santa Maria di Collemaggio, com o rito de abertura da Porta Santa para a "celebração do Perdão", instituída pelo Papa Celestino V, aquele que é muitas vezes referido como o primeiro na História a renunciar — embora alguns o tenham feito antes.
A deslocação acontece um dia depois do Consistório, o que despertou os olhares para a possibilidade de uma futura renúncia. Afinal, o seu antecessor, o Papa Emérito Bento XVI, também esteve na cidade anos antes de se decidir retirar.
Todavia, no início de julho, em entrevista à Reuters, o Pontífice garantiu que não pretende renunciar em breve, apesar de todos os boatos. Confrontando com a questão, Francisco riu-se da ideia. "Todas estas coincidências fizeram alguns pensar que a mesma 'liturgia' iria acontecer", disse. "Mas isso nunca me passou pela cabeça. De momento, não; de momento, não. Mesmo!"
Apesar disso, o Papa repetiu a sua posição quanto à possibilidade de um dia poder vir a resignar se a sua saúde o impossibilitar de conduzir a Igreja. Questionado sobre quando pensava que isso poderia acontecer, disse: "Não sabemos. Deus dirá".
Comentários