A 6 de abril de 2009, um sismo de 6.3 na escala de Richter abalou o centro de Itália e matou 309 pessoas. Foram também registados 15 mil feridos e 60 mil pessoas tiveram de deixar as suas casas. A cidade de L'Aquila, a capital da região montanhosa de Abruzzo, foi arrasada e sofreu as mais pesadas consequências da catástrofe.
Agora, 13 anos depois da tragédia, o Papa Francisco informou que vai visitar a cidade a 28 de agosto, cruzando o centro histórico de papamóvel. O programa desta deslocação já foi divulgado pelo Vaticano e inclui um encontro com familiares das vítimas do terramoto e missa na Basílica de Santa Maria di Collemaggio, com o rito de abertura da Porta Santa para a "celebração do Perdão", instituída pelo Papa Celestino V, aquele que é muitas vezes referido como o primeiro na História a renunciar — embora alguns o tenham feito antes.
A deslocação acontece um dia depois do consistório que o Papa Francisco convocou para a criação de 21 cardeais, o que despertou os olhares para a possibilidade de uma futura renúncia. Afinal, o seu antecessor, o Papa Emérito Bento XVI, também esteve na cidade anos antes de se decidir retirar.
A visita de Bento XVI a L'Aquila
No dia do terramoto, em 2009, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, escreveu ao arcebispo da cidade de L'Aquila, para transmitir algumas palavras do Papa Bento XVI sobre a tragédia que ocorreu naquela madrugada.
"As notícias dramáticas sobre o violento terramoto de terra que afetou o território de vossas dioceses encheu de consternação a alma do supremo pontífice", disse.
"O Papa Bento XVI reza com devoção pelas vítimas, em particular pelas crianças, invocando o conforto do Senhor para as famílias e encorajando aqueles que sobreviveram e que participam no socorro, através de uma bênção apostólica especial", lia-se no documento.
Dias depois, a 9 de abril, o pontífice escreveu a D. Giuseppe Molinari, assinalando o dia do funeral das vítimas do terramoto. "Nestas horas dramáticas nas quais uma imane tragédia atingiu esta terra, sinto-me espiritualmente presente entre vós para partilhar a vossa angústia, implorar de Deus o repouso eterno pelas vítimas, o imediato restabelecimento para os feridos, para todos a coragem de continuar a ter esperança sem ceder ao desconforto", referia.
Com o tempo, a cidade viria a reconstruir-se, mas Bento XVI, que estivera de olhos postos na zona devastada, haveria de lá ir pouco depois do sismo. A 28 de abril de 2009, o Papa realizou uma visita de algumas horas à região de Abruzzo, passando por várias localidades afetadas.
Mas um local havia de ficar especialmente marcado: a Basílica de Santa Maria di Collemagio, em L'Aquila, onde está o túmulo de Celestino V, apontado como o primeiro Papa a renunciar voluntariamente, no século XIII. Lá, Bento XVI deixou o pálio — uma faixa de lã com cruzes bordadas, usada sobre os ombros — recebido em 2005, no início do seu pontificado.
Menos de quatro anos depois, a 11 de fevereiro de 2013, o mundo ficou atónito quando o Papa Bento XVI anunciou, durante um consistório no Vaticano, que ia resignar — tal como fez Celestino V. O pontificado de Ratzinger, que terminou então a 28 do mesmo mês, não foi fácil: ficou marcado por uma diminuição das vocações, escândalos de pedofilia e pela fuga de documentos confidenciais — mas foi devido "à idade avançada" que se justificou a decisão.
Na altura com 85 anos, Bento XVI foi o primeiro Papa em quase 600 anos a renunciar ao cargo. No anúncio explicou que não se sentia em condições para responder aos desafios de um mundo em rápida mudança, devido a questões de saúde, numa decisão histórica mal compreendida por muitos prelados.
Contudo, algumas pessoas já o sabiam antes. O Papa alemão tomou a decisão de renunciar ao cargo em agosto de 2012, tendo-o anunciado ao secretário particular em dezembro do mesmo ano.
Celestino V, a história de um pontificado que não durou quatro meses
Considerando a decisão de Bento XVI, a visita do Papa a L'Aquila foi depois entendida como um prenúncio daquilo que viria a acontecer em 2013.
Quanto a Celestino V, nascido em 1215 em Isernia, a história foi diferente. Órfão de pai desde cedo, sentiu-se atraído pela vida monacal e entrou para a Ordem Beneditina, sendo ordenado sacerdote aos 24 anos — mas preferiu viver como eremita no monte Morrone, num clima de oração, penitência e jejum, que foi posteriormente seguido por muitos, conhecidos como "Celestinos". E a sua fama foi-se espalhando por toda a Europa.
Anos depois, em 1292, morreu o Papa Nicolau IV e seguiram-se 27 meses de Sede Vacante, já que os onze cardeais eleitores não conseguiam entrar em acordo quanto ao nome do futuro Papa.
Celestino, conhecido então como Pedro de Morrone, avisou os cardeais: estava para chegar a punição divina, que poderia ser evitada apenas com a eleição do Sumo Pontífice em poucos meses. Devido à sua fama, os cardeais não hesitaram: seria o próprio eremita o mais indicado para o cargo.
A 29 de agosto de 1294, chegou montado num burro à cidade de L'Aquila, levado por Carlos II de Anjou, rei de Nápoles, e dirigiu-à grande igreja de Santa Maria di Collemaggio, por ele construída alguns anos antes, e escolheu o nome de Celestino V. De seguida, convocou o primeiro Jubileu da história, conhecido como "Jubileu do Perdão".
Mas a pouca experiência de Celestino, juntamente com a necessidade de liderança da Coroa, fizeram com que depressa se apercebesse que o seu Ministério seria curto. Por isso, começou a pensar que seria melhor renunciar — e foi amadurecendo a ideia na sua pequena cela, em Castel Nuovo, onde passou a viver.
No dia 13 de dezembro de 1294, escreveu as palavras que levaram à sua resignação. "Eu, Papa Celestino V, impelido por legítimas razões, pela humildade e debilidade do meu corpo e pela maldade da Plebe, e com o intuito de retornar à minha tranquilidade perdida, renuncio livre e espontaneamente ao pontificado, como também ao trono, à dignidade, às honras e ónus que comporta".
Sucedeu-lhe o Cardeal Benedetto Caetani, especialista em Direito Canónico, que adotou o nome de Bonifácio VIII e conduziu Pedro a viver no castelo de Fumone. E foi ali, na sua cela, que o eremita morreu a 19 de maio de 1296. Até hoje, os restos mortais do santo — canonizado em 1313 por Clemente V devido à enorme devoção popular que lhe foi sempre associada — estão na Basílica que é lugar de peregrinações.
Apesar da destruição causada em L'Aquila pelo sismo de 2009, o relicário com os restos mortais do Papa Celestino V, que estava no altar principal da Basílica, foi recuperado sem danos e transportado para um local seguro. Voltou em 2017, quando a igreja terminou de ser reconstruída e foi reaberta.
E o futuro de Francisco?
Em 2014, um ano após ter sido eleito Papa, Francisco contribuiu para alimentar a hipótese de uma possível renúncia no futuro, considerando que Bento XVI "abriu uma porta" ao renunciar ao cargo.
"Podem perguntar-me: 'Se um dia não se sentir capaz de seguir em frente, faria o mesmo?' Sim. Rezaria e faria o mesmo", disse na altura.
"Penso que Papa Emérito é já uma instituição. Porque a nossa vida é maior e numa certa idade já não temos capacidade de governar bem, porque o nosso corpo está cansado. Podemos ter saúde, mas não temos força para continuar a governar a Igreja", afirmou, em comentário à decisão de Bento XVI.
Agora, a realização em 27 de agosto de um consistório para a nomeação de cerca de vinte novos cardeais — entre eles futuros eleitores em caso de conclave —, num período muito incomum para isso, e a viagem a L'Aquila, vieram trazer estas memórias de uma possível renúncia, considerando também a saúde de Francisco, aos 85 anos.
Todavia, no início de julho, em entrevista à Reuters, o Pontífice garantiu que não pretende renunciar em breve, apesar de todos os boatos. Confrontando com a questão, Francisco riu-se da ideia. "Todas estas coincidências fizeram alguns pensar que a mesma 'liturgia' iria acontecer", disse. "Mas isso nunca me passou pela cabeça. De momento, não; de momento, não. Mesmo!"
Apesar disso, o Papa repetiu a sua posição quanto à possibilidade de um dia poder vir a resignar se a sua saúde o impossibilitar de conduzir a Igreja. Questionado sobre quando pensava que isso poderia acontecer, disse: "Não sabemos. Deus dirá".
No final do mesmo mês, no regresso da sua viagem ao Canadá, Francisco confidenciou que deve reduzir o ritmo das suas viagens, devido a questões de mobilidade, mencionando inclusive a possibilidade de renunciar — mas não para já.
"Não acredito que possa manter o mesmo ritmo de viagens de antes. Acredito que, na minha idade e com estes limites, devo poupar-me para poder servir a Igreja ou, pelo contrário, pensar na possibilidade de me afastar", declarou.
Durante a visita de seis dias, a 37.ª viagem internacional desde a sua eleição em 2013, o Papa movimentou-se principalmente em cadeira de rodas e pareceu debilitado. Mesmo assim, cumprimentou a multidão a bordo do papamóvel.
"Esta viagem foi uma espécie de teste: é verdade que não podemos viajar neste estado, talvez tenhamos de mudar um pouco o estilo", admitiu, ao mesmo tempo que confidenciou que "tentaria continuar a viajar, estar perto das pessoas, porque é uma forma de servir, de proximidade".
"Com toda a sinceridade, não é uma catástrofe, pode-se mudar de Papa. Não é um problema. Mas acho que tenho que me limitar um pouco, com estes esforços", acrescentou o pontífice.
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