Os pais de Famalicão que alegam objeção de consciência para proibir os filhos de frequentar a disciplina obrigatória de Cidadania e Desenvolvimento estão dispostos a levar a batalha legal até ao Tribunal dos Direitos Humanos e vão impedir os filhos de realizar os planos de recuperação propostos pela escola para evitar o chumbo. Esta semana, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) negou um recurso apresentado pelos pais, ao não lhes reconhecer o direito de objeção de consciência que tinham invocado.

Segundo o jornal ‘Expresso’, o ministério da Educação informou ontem a Direção-geral dos Estabelecimento Escolares de que “a escola deverá garantir, a título excecional, a progressão condicionada” dos dois irmãos. Assim, apesar de nunca terem frequentado a disciplina — e, por isso, sido chumbados por faltas pelos respetivos conselhos de turma —, este novo ofício assinado pelo secretário de Estado Adjunto e da Educação evita que os alunos tenham de recuar um ano “até à conclusão de todos os processos em tribunal”.

Em alternativa, para regularizar a situação de Rafael (8.º ano) e Tiago (10.º ano), sem estar dependente das decisões judiciais, a escola vai propor novos planos de recuperação de aprendizagens. Porém, segundo o semanário, o encarregado de educação já disse que não vai permitir que os filhos cumpram estes trabalhos.

O jornal diz que Artur Mesquita Guimarães, o pai dos jovens impedidos de frequentar a disciplina, vai reagir ainda num comunicado — mas admite já arrastar o caso dos filhos até ao Tribunal dos Direitos Humanos.

Os dois alunos terminaram o 7.º e o 9.º anos de escolaridade, respetivamente, com média de cinco mas com o "averbamento final" que dá conta de que não transitam, por não terem frequentado a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Uma não frequência que foi imposta pelos pais, com base numa alegada objeção de consciência.

Os pais alegam que a educação para a cidadania é uma competência deles e sublinham que lhes suscitam "especiais preocupação e repúdio" os módulos "Educação para a igualdade de género" e "Educação para a saúde e sexualidade", que fazem parte da disciplina em questão.

Dizem ainda que os restantes módulos da disciplina são uma "perda de tempo". Consideram que a educação no sistema público não pode seguir nem impor diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Como tal, proibiram os filhos de frequentar aquela disciplina, defendendo que ela deveria ser facultativa, a exemplo da Educação Moral e Religiosa.

O ministério da Educação já disse que o objetivo não é a retenção, mas sim a criação, a título excecional, de planos de recuperação, conforme previsto na lei, para que os alunos não sejam prejudicados por uma decisão que lhes é imposta pelo encarregado de educação.

Supremo não reconhece objeção de consciência

“Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo com a presente fundamentação, o decidido no acórdão recorrido”, lê-se no acórdão a que a Lusa teve acesso esta terça-feira.

Na semana passada, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga indeferiu a providência cautelar que pretendia travar o chumbo dos dois alunos de Vila Nova de Famalicão que, por decisão dos pais, não frequentaram as aulas daquela disciplina, mas o pai, Artur Mesquita Guimarães, adiantou que iria recorrer da sentença.

No entanto, o recurso agora negado pelo STA refere-se a uma decisão anterior do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. Referindo-se apenas à objeção de consciência, o STA justifica a decisão argumentando que os pais “invocam direitos que certamente não possuem a extensão que presumivelmente julgam ter”.

“Direitos que não são absolutos e que devem ser conjugados com outros bens e valores igualmente protegidos na Constituição”, explica o acórdão.

No entender do STA, as inconstitucionalidades invocadas pelos pais não podem ser consideradas como manifestas ou evidentes e, por isso, o tribunal afasta a alegada objeção de consciência “nos termos invocados” na providência cautelar.

“Importará sempre ter em consideração que a escola tentou minimizar, através de planos de recuperação de aprendizagens, os efeitos das faltas à referida disciplina, medida que nos parece proporcional (mas que, ainda assim, não foi aceite pelos pais)”, lê-se ainda.

A decisão anterior do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e que transitou em julgado no final da semana passada, implica que os dois alunos, atualmente a frequentar os 8.º e 10.º anos de escolaridade, terão de voltar para o ano anterior.

Sobre os desenvolvimentos mais recentes do caso, o Ministério da Educação ainda não se pronunciou.

Advogado da família reconhece que a defesa fica enfraquecida

Ainda ao ‘Expresso’, o advogado de Artur Mesquita Guimarães admite que, a decisão do STA, “embora mantenha a suspensão de eficácia da retenção dos alunos”, “enfraquece” a defesa do caso: “Se o tribunal diz, numa análise rápida, que teria de haver uma lei para haver objeção de consciência, naturalmente que a nossa posição fica um pouco enfraquecida”, admite João Pacheco de Amorim.

Para o advogado, contudo, “não é possível que os juízes afirmem que isto não levanta problemas de consciência. Se não está regulada a objeção de consciência para situações como esta, então é porque há uma lacuna na lei.”